20 maio 2008

A TERCEIRA TRIBO JUDAICA

Normalmente, os judeus costumam ser classificados por pertencerem a uma de duas correntes culturais: os asquenazes ou os sefarditas. Os primeiros distribuíam-se originalmente pela Europa Central, tendo-se transferido também para a Europa Oriental e empregavam o iídiche (um idioma germânico) como língua de casa, enquanto os segundos, que eram originários inicialmente da Península Ibérica, vieram a distribuir-se por todos os países do Mediterrâneo, levando consigo o ladino (um idioma latino semelhante ao das línguas peninsulares) como língua doméstica. Tanto num caso como noutro, foram perseguições e expulsões as causas para tanta mobilidade.
Claro que esta é uma descrição sintética e por isso bastante simplificada da distribuição da população judaica na Europa e no Mundo Mediterrânico. Houve judeus sefarditas que emigraram da Península Ibérica (sobretudo de Portugal) para a Europa Ocidental (França, Inglaterra e Holanda); gradualmente, os judeus asquenazes tornaram-se numericamente muito mais importantes na Europa Oriental (Polónia e Rússia) do que na Europa Central (Alemanha) de onde eram originários, enquanto os judeus sefarditas praticamente desapareceram da Península Ibérica. Sobretudo, há uma terceira corrente cultural que não costuma ser mencionada nestas discrições: os mizrahis (orientais).
Os judeus mizrahis são os membros das comunidades judaicas dos países do Médio Oriente e do Norte de África predominantemente muçulmanos. Havia-as em dimensões apreciáveis (normalmente citadinas e ligadas ao comércio) no Egipto, no Iraque, no Irão, na Síria ou no Yemen, enquanto nos três países do Magrebe (Argélia, Marrocos e Tunísia), a chegada dos judeus sefarditas expulsos da Península Ibérica no Século XVI e a posterior miscigenação das duas tornou-as impossíveis de distinguir. Não foram importantes para a causa sionista, nem a causa sionista precisou, ao princípio, do seu contributo monetário ou diplomático para a criação do Estado de Israel.
No entanto, foram as condições de completo antagonismo de Israel com todos os países árabes que vigoravam em 1948, que acabaram por fazer com que tivesse sido também com o contributo dos mizrahis, forçados a abandonar os seus países de origem, que se procedeu ao povoamento inicial de Israel. Exemplos (dados de 1948): os 250.000 de Marrocos, os 130.000 do Iraque, os 70.000 do Egipto, os 70.000 da Tunísia, os 50.000 do Yemen ou os 40.000 da Síria*. E, no entanto, a máquina de propaganda sionista deu todo o destaque foi à epopeia dos sobreviventes dos campos de concentração europeus, chegados de barco à Palestina, como no filme Exodus de 1960 (acima).
É neste enquadramento que se percebe a leitura que se pode fazer da fotografia que se tornou quase oficial (acima) da vitória israelita na Guerra dos Seis Dias de 1967, onde se vêm três soldados junto ao Muro das Lamentações, dando o centro e o destaque (é o único pára-quedista sem capacete) ao soldado que terá um aspecto mais parecido com o dos europeus setentrionais, i.e., será um judeu de origem asquenaze… Foi uma fotografia claramente destinada a dar de Israel uma imagem internacional de um país Ocidental e para criar empatia com os leitores das opiniões públicas dos países Ocidentais que Israel pretendia então seduzir. Conseguiu, mas 41 anos depois as coisas já não são bem assim...
Na realidade, faz sentido comparar o soldado da fotografia de 1967 com a fotografia (acima) de Avigdor Kahalani, um herói de uma outra guerra israelo-árabe (a do Yom Kippur de 1973) que, como comandante de uma unidade de carros de combate se distinguiu nos Montes Golan na luta contra os blindados do Exército sírio, mas cuja popularidade, fortíssima em Israel, praticamente não ultrapassou fronteiras. Kahalani, que atingiu a patente de brigadeiro antes de se dedicar à política, tem uma aparência que o faria passar facilmente desapercebido em qualquer capital árabe. Nascido em 1944, já na Palestina, pertence à terceira tribo (mizrahis), que os seus pais eram de origem iemenita, e não passaria bem entre as opiniões públicas ocidentais...

* Essas comunidades estão hoje praticamente extintas, reduzidas a poucos milhares nos seus países de origem. De acordo com os dados da Wikipedia, um pouco mais de metade da população judaica actual de Israel descende de asquenazes, um pouco mais de um terço de mizrahis e o restante de sefarditas.

Adenda: Vale a pena ler a aventura dos judeus iemenitas, evacuados de avião (um verdadeiro baptismo de voo para quase todos eles) na Operação Tapete Mágico, conforme a conta o João PedroA Ágora.

10 comentários:

  1. Ufa! Que se há um descuidozinho, quando voltamos, há imensa "matéria" acumulada!
    (eu estou a levar esta "formação" muito a sério!)
    :))

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  2. Pois é...
    Não se pode deixar acumular "matéria".
    Fico "impaciente" quando não há "aula"!

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  3. Obrigado aos dois pelos vossos comentários, mas a ideia original era que os "postes" pudesse ser lido de uma forma lúdica, tal qual são escritos...

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  4. Excelente post.
    A fisionomia de muitos Israelitas, facilita muito as infiltraçõs da Mossad.

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  5. Excelente.
    Israel é a minha segunda pátria. E aquilo que mais apreciei naquele povo não é o de ser constituído por uma qualquer espécie de super homens mas por gente comum interessada em sobreviver - e que recebe os "seus" judeus como nós recebemos os imigrantes.

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    1. A maioria de nós, Portugueses temps várias costelas judeias com a expulsão dos judeus de Portugal ou a conversão forçada de muitos por D. Manuel I que precisava deles para o sucesso dos descubrimentos. Pelo teu sobrenome quase que Doria que tens sangue Judeu has veias. Eu tenho e estou muito orgulhoso disso, sou Pacheco Candeias por parts maternal e Salvador da Costa pot parte paternal ambas famílias de raízes judaicas sarfadiacas! Viva Israel

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  6. Oh, mas eu não queria dizer trabalho (por oposição a lúdico)... Em bom rigor o seu reparo está certo: formação tem carácter de trabalho. Vale-me o facto de ter colocado entre aspas no termo Formação.. (abençoadas aspas...).
    :))

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  7. Gostei muito deste post. Lúdico ou não, é extremamente lúcido na abordagem que fazes do povoamento de Israel. E tens razão, esse último grupo que mencionas, os mizrahis, são pouco conhecidos e pouco valorizados talvez porque mais espalhados em termos dos espaços de origem...

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  8. Este relato passa em claro, em primeiro lugar, um importante facto (mais provável facto que simples hipótese), que foi a judaização do reino de Khazar no séc. VIII como a origem não-semita do ramo asquenaze, e a consequente diáspora khazariana/azquenaze que os levou à Russia, Polónia, Alemanha, etc, após a invasão viking. Depois, como facto e em segundo lugar, nos finais do séc. XIX as ideias de Theodor Herzl que levaram à criação do movimento sionista, a convicção deste da superioridade judaica face aos outros povos e a sua fundamentação racial (que parece ter impressionado e influenciado Hitler), o objectivo de ter um território judaico e o plano de comprar a Palestina ao sultão Otomano, após o final da I Guerra e queda do Império Otomano, a intervenção do Barão de Rothschild junto do ministro inglês Balfour para entrega da Palestina - então sob administração inglesa - ao movimento sionista, a chegada dos primeiros colonos asquenazes à Palestina com a ocupação de aldeias e o fuzilamento dos seus habitantes ainda antes da II Guerra. E depois o Holocausto que se seguiu, que eu desconfio que teve como causa principal Hitler ver os judeus asquenaze como concorrentes ao projecto de dominação que ele queria conduzido pelos alemães. O resto é História, como a promessa Ben Gurion de terra e respeito pelos direitos dos Palestinianos quando da fundação do Estado de Israel, os ataques e ocupação de terras aos vizinhos, as dezenas de condenações da Assembleia Geral e o Conselho de Segurança da ONU, as provocações que deram origem à Guerra dos Seis Dias, a construção de colonatos enquanto decorriam conversações de paz, as intenções anunciadas de se apoderar do gaz natural de Gaza, etc.

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  9. Em relação a este último comentário, gostaria de acrescentar que «este relato passa em claro» muitos outros aspectos da história dos judeus. Não é minha intenção relatá-la aqui, muito menos com a distorção ideológica de o texto acima dá provas. Pretendi, tão somente, chamar a atenção para a existência dos judeus «mizrahis». Que eu fiquei sem saber se o meu caro interlocutor Enarmónico conheceria, antes de se dispor a ilustrar-nos com os seus vastos conhecimentos...

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