23 maio 2008

AS LEIS DE GUERRA QUE SÃO APROVADAS NOS HEMICICLOS…

Sempre que uma daquelas grandes Assembleias Legislativas transborda das suas competências e se propõe legislar sobre quais deverão ser as condições das guerras do futuro, recordo-me de um episódio ocorrido durante o Congresso encarregado de redigir a Constituição norte-americana, quando Elbridge Gerry, que era um dos representantes do Estado do Massachusetts, durante a discussão de qual seria o papel futuro da instituição militar nos Estados Unidos, avançou com a proposta que a própria Constituição deveria limitar a dimensão das Forças Armadas a uns dois ou três mil homens…
Sem se levantar do seu lugar, mas com o seu prestígio de general da Guerra de Independência, George Washington assassinou ironicamente de imediato a proposta, murmurando, mas de forma a ser ouvido pelo resto dos congressistas, que, de seguida, também se devia tornar inconstitucional que qualquer inimigo pudesse atacar os Estados Unidos com efectivos superiores a esses dois ou três mil homens… E Gerry ter-se-ia tornado um congressista esquecido, não tivesse ele dado o nome à prática do gerrymandering, que é a arte de redesenhar vantajosamente os círculos eleitorais uninominais…
Contudo, sou levado a acreditar na boa vontade daquela proposta de Elbridge Gerry, assim como acredito na boa vontade de resoluções do género, como a ontem aprovada pelo Parlamento Europeu quanto ao emprego de munições contendo urânio esgotado*, de que a eurodeputada Ana Gomes foi uma orgulhosa co-autora. Não creio que ela saiba a história das duas Convenções de Haia (1899 e 1907), porque se o soubesse, talvez a eurodeputada moderasse um pouco do seu proverbial entusiasmo, já que o armamento expressamente proibido naquelas Convenções veio a ser depois empregue logo de seguida na Primeira Guerra Mundial**
Até parece mal aparecer a moderar toda essa boa vontade demonstrada pelos legisladores, que crêem que quase tudo é mutável a partir de uma resolução (que esteja bem redigida de preferência), mas isso não pode ser desculpa para que lhes toleremos tanta ingenuidade, quando a atitude deles não se transforma mesmo numa certa arrogância que é, afinal, despropositada, quando imaginam assim que a força legislativa da Assembleia de que fazem parte consegue impor as suas vontades a fenómenos tão antigos como os conflitos armados entre os Estados que têm, e sempre tiveram, um outro entendimento do que é a força

* A expressão correntemente (e mal) usada em português é urânio empobrecido, por tradução da inglesa depleted uranium: urânio esgotado. A expressão corrente não faz muito sentido porque não se procura empobrecer, mas sim enriquecer o urânio (no isótopo U-235), para sua utilização como combustível nuclear. Este urânio esgotado é um subproduto que resulta desse enriquecimento, e é usado como munição porque é extremamente denso e, como subproduto, comparativamente barato de obter.
** Como o emprego de armamento químico (gases venenosos) ou a prática do bombardeamento aéreo.

4 comentários:

  1. Valeu! Pelo resto mas também pelo urânio esgotado.

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  2. Legislar é fácil!
    Tão fácil como a asneira, prima direita da ingenuidade...
    As minas também estão proibidas mas, a cêntimo por mina fabricada depois da "proibição", comprava a SONAE!

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  3. Aprender sempre.

    Ingenuidade, vivacidade, vaidade, etc. tudo seve à "guerra" necessária da Eurodeputada Ana -vai a a todas- Gomes.

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  4. Pudessem as questões da paz e da guerra ser tratadas com a simplicidade que Ana Gomes deseja e este seria um mundo melhor.

    Mas a verdade é que boa vontade, só por si, não representa nada, e a capacidade de permanecer obtuso à realidade não pode ser considerado uma virtude.

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