16 agosto 2007

UMA CERTA MANEIRA SICILIANA DE SE RELACIONAR COM A JUSTIÇA

O princípio dos anos setenta foi época em que tanto as elites como a sociedade em geral nos Estados Unidos atravessaram uma fase de uma certa permissividade à violação das leis, traduzida em filmes muito bem acolhidos pela crítica e que foram também êxitos de bilheteira como O Padrinho (The Godfather de Francis Ford Coppola, Óscar de 1972) e A Golpada (The Sting de George Roy Hill, Óscar de 1973), onde as histórias envolviam, de uma forma ou outra, um novo olhar benevolente sobre quem procedia à margem da lei.
Porque é o menos conhecido dos dois filmes, prefiro destacar A Golpada, e a parelha nele incluída composta por Paul Newman e Robert Redford, de êxito assegurado entre a audiência feminina, a desempenharem papéis de vigaristas simpáticos durante o período da grande depressão dos anos trinta, como se, por causa das injustiças sociais da época, os fins pudessem justificar os meios… E é nesse ambiente tolerante que rebenta o escândalo Watergate, numa demonstração como até ao presidente Richard Nixon interessava estar sintonizado nesse tipo de onda
No filme Os Homens do Presidente (All The President´s Men de Alan J. Pakula, de 1976*), baseado em acontecimentos reais, o mesmo Robert Redford, associado agora ao menos cativante Dustin Hoffman, tem o papel de um dos jornalistas encarregados de investigar e expor as teias de relações clandestinas que se haviam descoberto a partir daquilo que ficou a ser conhecido como o caso Watergate e cujos indícios mostravam, ao longo do filme e cada vez mais claramente, como elas haviam sido urdidas a partir de dentro da própria Casa Branca.
Como se veio a descobrir flagrantemente naquela época nos Estados Unidos, aquele tipo de benevolência para com as vigarices, porque gerador de assimetrias sociais, acaba por se revelar muito mais prejudicial do que benéfica para a sociedade em geral. Só que parece que esse é o tipo de descoberta que, seja-me perdoada uma incursão pela sociologia, ainda está a demorar a chegar à região do Grande Norte litoral português, de onde se perpetuam exemplos de condescendência com uma certa maneira siciliana de se relacionar com a justiça.
Já nem é só a coincidência da origem dos principais implicados no caso Apito Dourado, foi também o carnaval associado ao escândalo, fuga e retorno de e para o Brasil de Fátima Felgueiras ou, ainda pior, o jantar de solidariedade promovido em Braga em benefício do administrador da Bragaparques que fora gravado em flagrante a tentar subornar o vereador Sá Fernandes. Da boa sociedade bracarense, parece que nem lá faltou o insólito cónego Melo (acima, à esquerda), homem de rigor na fé, mas liberal na lei, o verdadeiro sósia do actor George C. Scott** (abaixo).
É que há um denominador comum em todos eles (Pinto da Costa, Valentim Loureiro, Fátima Felgueiras, Domingos Névoa) na forma evasiva como a matéria de facto de que constam as acusações que lhes dirigem acabam por ser evitadas: imaginem lá que Domingos Névoa é um homem que trabalhou de sol a sol Pergunto-me se será que o julgamento do Apito Dourado, pelo seu impacto, será o princípio do fim da aceitação desta forma de comportamento? É que os sociólogos – a sério – atribuíam as causas do que acontecia na Sicília à sua sociedade retrógrada…

* Embora nomeado, o filme não recebeu o Óscar desse ano. Recebeu contudo 4 outros Óscares noutras categorias.
** Recebeu o Óscar para a melhor interpretação em 1970, pelo seu desempenho em
Patton.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.