26 junho 2007

MAXIMILIANO & JUÁREZ

Há episódios da História Universal que se conseguem ler como se tratassem de histórias de um bom livro de ficção. Nem é preciso que o autor esteja inspirado para que a galeria das personagens seja preenchida com heróis trágicos, um vilão e verdadeiros momentos de tensão. O episódio que quero destacar aqui é a Intervenção Francesa no México, um episódio que durou de 1862 a 1867, contemporâneo, mas muito menos conhecido do que a Guerra Civil que se travou nos Estados Unidos (1861-1865). Uma palavra final de agradecimento é merecida para o grande produtor de todo o episódio, o imperador Napoleão III de França (1852-1870), de quem aqui já falei, personagem histórica que muito aprecio pelo seu percurso e que considero ser uma espécie de Santana-Lopes-bem-sucedido-à-escala-europeia-no-Século-XIX.
O acto preliminar da história começa em Julho de 1861, quando o governo mexicano resolve suspender os pagamentos externos dos juros dos empréstimos contraídos junto das potências europeias. A decisão afectava (por ordem decrescente de prejuízo) o Reino Unido, a Espanha e a França. Numa decisão muito pouco diplomática, mas muito corrente na época, os três países decidiram enviar contingentes militares para o México, num gesto de reforço de argumentação dos três delegados encarregados de negociar o reescalonamento da dívida com os mexicanos. É que uma das maiores fontes de receitas fiscais dos estados eram os direitos de importação das alfândegas e os europeus ocuparam o porto e a alfândega de Veracruz, cativando as receitas, precisamente no sítio por onde passava a maior parte do comércio do México com o exterior.

De uma gigantesca operação de cobrança coerciva (Janeiro de 1862), a conjugação de vários factores fez com que tudo se transformasse, pela inspiração de Napoleão III (abaixo), os desejos dos conservadores mexicanos e uma grande dose de ingenuidade de um arquiduque austríaco apropriadamente destinado a um fim trágico, num grande enredo romântico. Tanto os britânicos como os espanhóis (que, recorde-se, ainda eram a potência colonial na vizinha Cuba) rapidamente se aperceberam que os franceses se estavam a entusiasmar demasiado e retiraram as suas tropas três meses depois (Abril de 1862). Mas os dados pareciam estar lançados, com os franceses a acreditarem nos seus próprios mitos de que o seu exército, vitorioso da Guerra da Crimeia (1854-1856) e da Guerra da Independência Italiana (1859), era o mais eficiente do mundo.
Essa reputação dos franceses foi completamente posta em causa quando fracassaram na conquista da cidade de Puebla, fornecendo uma vitória moral aos republicanos liberais mexicanos (Maio de 1862). É que, entretanto, a presença francesa acabara por ser utilizada como um factor da disputa (tradicionalmente musculada…) entre liberais e conservadores mexicanos. Mas houve que esperar todo o resto do ano de 1862 para reforçar o corpo expedicionário francês, enquanto o arquiduque Maximiliano (irmão do imperador austríaco Francisco José e genro de Leopoldo I, rei dos belgas) vacilava quanto à aceitação do título de imperador do México que lhe vinha a ser proposto pelos conservadores mexicanos. Entretanto, 1862 havia sido o ano da Guerra Civil Americana em que o Norte obteve a primeira vitória significativa, embora as suas tropas estivessem nessa altura estrategicamente na defensiva (em Antietam, em Setembro).

Em 1863, a campanha foi relançada pelo general Bazaine com os reforços entretanto chegados e que nunca chegaram a atingir, no total, os 40.000 efectivos. As suas tropas capturaram a cidade de Puebla quase precisamente um ano depois do fracasso anterior, após um cerco de dois meses. E em 7 de Junho de 1863 o exército francês entrava triunfalmente na capital, na Cidade do México. Contudo, eloquente do estilo da guerrilha que se travava então no México, data dessa mesma altura (Abril de 1863) o episódio de Camerone, onde uma companhia da Legião Estrangeira francesa se viu cercada por três batalhões mexicanos, com os legionários a baterem-se literalmente até ao último homem como preconizava o romantismo da época (houve apenas 6 sobreviventes – 3 deles feridos – entre os 65 participantes).
É no mínimo bastante engraçado verificar como muitas das advertências naquela época dirigidas aos franceses, quer sobre a insuficiência dos seus efectivos para se defrontarem contra uma guerra de guerrilha (na altura ainda não se empregavam os termos subversão e contra-subversão) num território demasiado vasto, hostil e distante, quer sobre a própria condução política dos assuntos mexicanos, provinham de comentadores de origem britânica e norte-americana, precisamente numa situação simétrica à que veio a acontecer 140 anos depois, quando da invasão do Iraque em 2003… Uma Junta conservadora sob a supervisão francesa proclamou o Império do México em Julho de 1863, cuja coroa foi oferecida a (e aceite por) Maximiliano em Outubro de 1863. Entretanto os dignitários da República Mexicana (Benito Juárez) haviam-se refugiado no Norte do país…

Contudo, Maximiliano (abaixo) só chegou ao México sete meses depois, nos finais de Maio de 1864. Por essa altura já o general Grant (que viria a ser um decisivo opositor à presença francesa no México) já havia sido nomeado Comandante dos Exércitos da União e a vitória dos federais na Guerra Civil era tida por certa: em Setembro de 1864 as tropas do general Sherman conquistavam Atlanta na Geórgia. Do outro lado do Rio Grande, as tropas francesas, as tropas imperiais mexicanas e as unidades de voluntários europeus continuavam a expansão da autoridade do império embora a segurança das comunicações continuasse precária. Não é de estranhar que os últimos redutos republicanos se situassem no extremo norte, junto à fronteira com os Estados Unidos, nem que as nacionalidades dominantes entre os voluntários europeus fossem as de origem do imperador (austríaca) e da imperatriz (belga).
A Guerra Civil norte-Americana terminou em Abril de 1865. O presidente Abraham Lincoln morreu assassinado nesse mesmo mês e a facção moderada da sua administração, liderada pelo Secretário de Estado William Seward (que também fora alvo de um atentado planeado simultaneamente com o de Lincoln), que se responsabilizara pelas subtilezas diplomáticas vigentes durante toda a Guerra (que induzira o Reino Unido e a França a não reconhecerem a Confederação, por exemplo), perderam grande parte da influência para a abordagem dura protagonizada pelos generais vencedores. É assim que os franceses se deparam com um importante contingente militar sob o comando do general Sheridan no Texas, na fronteira com os Estados Unidos, a partir do Verão de 1865. As perspectivas de que Napoleão III mandasse os franceses retirarem-se aumentaram exponencialmente.

Em mais um gesto trágico e romântico que embeleza toda a história, foi para o evitar que a imperatriz Carlota partiu para a Europa, apelando às cabeças coroadas do velho continente – nomeadamente a Napoleão III – que sustentassem o trono do marido. Ao fazê-lo, a imperatriz começou a manifestar sintomas de paranóia, nomeadamente numa audiência em Roma com o papa Pio IX. Sem solução política à vista, e apesar de inúmeros adiamentos e pretextos (como os que agora George W. Bush anda a fazer), em Maio de 1866 Napoleão III anunciou uma retirada faseada do corpo expedicionário francês a ter lugar em três fases: Outubro desse ano, Março e Outubro de 1867. Como é normal e compreensível, esses anúncios afectam significativamente a disposição das tropas combatentes no terreno e foi isso mesmo o que aconteceu no México.
Napoleão III nem chegou a cumprir o calendário que anunciara e, moralmente destroçados e diante de soldados devidamente abastecidos pelos norte-americanos em armamento, os símbolos de autoridade do Império do México (cuja bandeira se vê acima) desagregaram-se a um ritmo progressivamente mais acelerado. Ao contrário dos conselhos realistas de Napoleão III, Maximiliano, de uma consciência romântica dos seus deveres até ao fim, ficou no México e foi cercado em Querétaro (Fevereiro), capturado (Maio), julgado, condenado à morte e executado (19 de Junho de 1867), com as suas últimas palavras a destinarem-se a sua mulher Carlota. Tradicionalmente, as últimas linhas de toda esta grande história romântica e, ao mesmo tempo, trágica ficam sempre guardadas para o destino da ex-imperatriz Carlota, que sobreviveu 60 anos ao marido sem jamais recuperar a razão...

2 comentários:

  1. O Napoleão III parece que tinha mais "olhos do que barriga", é que também não se deu muito bem contra os alemães (ou só os prussianos).

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  2. Foi de pequena bronca (a Guerra da independência italiana, de onde saiu incompatibilizado com os italianos por causa da protecção ao papa e do estatuto de Roma), em pequena bronca (esta intervenção no México), até à grande bronca final de 1870, quando o seu país perdeu a guerra, as regiões da Alsácia e do norte da Lorena e o seu regime se desfez.

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