19 maio 2018

A LEGIÃO SALTA EM KOLWEZI

19 de Maio de 1978. Kolwezi era uma cidade mineira africana na região do Catanga, naquele que era, à época, o Zaire e que hoje é conhecido por República Democrática do Congo. Havia no Catanga um movimento secessionista, denominado FLNC cuja organização militar, partida da vizinha Angola e apoiada pelos angolanos e cubanos e enquadrada por estes últimos, havia desencadeado uma ofensiva sobre aquela região, derrotando o exército zairense e apoderando-se da cidade. Mesmo depois da independência da Bélgica, e por causa da proximidade e importância das minas catanguesas, em Kolwezi mantivera-se uma importante comunidade de expatriados europeus que agora estavam nas mãos desses rebeldes catangueses da FLNC. E a produção das minas fora afectada.
Terá sido por isso que os pedidos de auxílio do presidente zairense Mobutu, feitos tanto nos Estados Unidos como na Europa, tiveram uma ressonância inabitual, numa época em que os primeiros viviam a ressaca da guerra do Vietname e os europeus ocidentais as ressacas das descolonizações. A Bélgica, ex-potência colonial e a França terão topado a parada e disponibilizaram-se a realizar uma operação aerotransportada para a recuperação do controle de Kolwezi. Contudo, uma e outra entraram rapidamente em choque quanto ao âmbito de que se revestiria essa operação, com os belgas a quererem restringir-se à libertação dos reféns e os franceses a quererem ir mais longe e a estabelecer uma espécie de regresso ostensivo - embora em moldes diferentes - à Africa Negra, de onde haviam saído 18 anos antes.
Prevaleceram os franceses, que se anteciparam e assumiram as rédeas da operação, baptizando-a de «Bonite». O papel principal foi entregue ao 2º Regimento Estrangeiro de Paraquedistas (REP) da Legião Estrangeira. A escolha da unidade não fora acidental, se nos lembrarmos do que acontecera na Argélia e do envolvimento do 1º REP no putsch dos generais em 1961. Tratava-se de um esforço deliberado de promover a reconciliação da França com as suas unidades de elite da Legião Estrangeira, desde sempre celebrizada pela sua participação nas campanhas tropicais e coloniais, mas cujo comportamento na fase final da guerra da Argélia conduzira a um ostracismo. Do ponto de vista militar, não se pode dizer que o desfecho da batalha tenha sido cerrado: os franceses registaram 5 mortos entre os 700 combatentes empenhados e os belgas apenas 1 morto entre os seus 1.180 homens. Do lado dos rebeldes do FLNC, estima-se que terá havido 250 mortos. Fizeram-se uns 150 prisioneiros.
Entre os civis terão sido 870 os mortos, dos quais 20% europeus, e muitos deles executados. Quando do contra-ataque de há 40 anos, os franco-belgas terão beneficiado da desorganização das tropas da FLNC, que entretanto haviam perdido a sua coesão e dinâmica ofensiva, dedicando-se à pilhagem*. Se os números acima demonstram que houve até mais belgas do que franceses envolvidos na operação militar, quanto à operação mediática o resultado foi absolutamente inverso: a festa foi aliás quase completamente francesa. A curto prazo a revista Paris Match enalteceu (e explicou) a façanha, a médio prazo, ela foi contada em livro e depois em filme (La légion saute sur kolwezi). Tratara-se da primeira operação aerotransportada francesa depois da Crise (e fiasco) do Suez em 1956 e desta vez fora uma bem sucedida projecção do poder militar francês a 7.000 km de Paris.
No final, 2.800 reféns, a esmagadora maioria deles europeus, foram libertados. Sempre um homem para as situações, o presidente Mobutu não deixou de se associar ao sucesso, fardado a preceito, como um general vencedor (penúltima foto). Mas, outro presidente, Giscard d'Estaing de França, fora um vencedor mais substantivo: criara-se um novo paradigma da presença militar francesa na África Negra, havia um retorno ostensivo do seu país à região, camuflado agora de cooperação musculada com as forças armadas locais (última foto). Um certo sentido de desforra para os nostálgicos das guerras coloniais. O princípio ali estabelecido ainda vigora, como se constata pelos exemplos - que envolvem também a presença militar portuguesa - do Mali ou da República Centro-Africana.
* 60 anos antes e muito longe dali, havia acontecido o mesmo às tropas alemãs quando das Ofensivas da Primavera de 1918 na Flandres. Quando os esfomeados soldados alemães capturavam os depósitos de intendência situados na retaguarda das linhas aliadas, a dinâmica da ofensiva alemã desaparecia por completo até aos atacantes se saciarem. E depois era difícil continuar por causa da digestão...

4 comentários:

  1. Por favor releia o penúltimo período do terceiro parágrafo. Obrigado

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  2. «Do ponto de vista militar, não se pode dizer que o desfecho da batalha tenha sido cerrado: os franceses registaram 5 mortos entre os 700 combatentes empenhados e os belgas apenas 1 morto entre os seus 1.180 homens.»

    Qual é mesmo o problema, na sua opinião?

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    1. Simplesmente o terão havido 250 mortos. Desculpe mas já bastam os políticos que estão em guerra permanente com o verbo haver. Com muita estima e apreço pelo seu blog. Jdelgado

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