30 maio 2018

MAIS DEPRESSA SE APANHA UM CARAPAU DO QUE UM COXO

Os colegas da primária não lhe interessam... é como quem diz. Não lhe terão interessado até interessar a Miguel Sousa Tavares vender-nos um novo livro sobre a sua infância. Por causa dele, livro, haverá toda uma nova perspectiva a explorar da sua infância, mormente a da escola povoada pelos tais colegas que agora recuperaram interesse, talvez, pelo interclassismo da experiência...


Há uma passagem que envolve o colega Alípio e uma lição de vida. Ou melhor, duas lições de vida. Uma, para o Miguel carapau original e outra - creio eu que muito desperdiçada... - para as pessoas que continuam a levar a sério o que Miguel Sousa Tavares diz.

«A isso, a esse espaço, se resumia o “recreio” de todos os alunos. E um dia, não sei por que razão, desentendi-me com o Alípio, durante um jogo, e atirei-lhe com a bola à cabeça. Por azar, nesse dia, a bola era uma pedra, e, por azar maior, acertei-lhe em cheio e ele começou a sangrar. Soou a campainha para as aulas e voltámos lá para dentro, com o Alípio tentando suster o sangue que lhe escorria da cabeça com um lenço escuro de sujidade acumulada, que retirara de um bolso das calças. A D. Constança apercebeu-se e inquiriu-o:
— O que te aconteceu, Alípio?
O Alípio, mudo.
— Atiraram-lhe uma pedra à tola — disse alguém lá de trás.
— Quem é que te atirou a pedra, Alípio?
O Alípio, mudo. Levantei o braço, antecipando-me à voz atrás de mim. Fez -se um silêncio de filme de suspense. Todos conheciam as regras: um par de reguadas em cada mão. Não que a D. Constança gostasse do método, mas era o que estava em vigor, então. Igual para todos, supostamente. Mas atrever-se-ia ela com o menino Miguelzinho? Atreveu-se, sim. Começando no silêncio do Alípio à rapidez com que alguém falou por ele, foi toda uma lição de vida…»

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