27 agosto 2014

«THE SLEEPWALKERS» (OS SONÂMBULOS)

Há tarefas que, para serem bem feitas, consomem um tempo ingrato. Quando Pedro Passos Coelho afirmou no princípio deste mês que a solução encontrada para o BES fora a melhor atendendo às circunstâncias, houve que aceitar a honestidade da opinião, considerando que ele estaria simplesmente a transmitir adiante as conclusões do exército multidisciplinar de assessores que o rodeia. Mas quando um outro exército, o de comentadores, se fez eco dessa mesma ideia, foi estranho como nenhum daqueles analistas encartados (pelo menos nenhum que eu tivesse visto), se sentiu na obrigação de a explicar mais detalhadamente, com o descartar de outros dois, três, ou quatro processos alternativos de intervir no banco, sustentando porque endossava a ideia do primeiro-ministro. Tem vezes que há que fazer um trabalho suplementar (e não espetacular) para poder formular uma opinião devidamente sustentada. É custoso e pouco remunerador.
 
Para poder continuar a recomendar com consciência a quem manifeste interesse pelo assunto o veterano (1963) livro The Guns of August de Barbara Tuchman como o mais agradável de ler a respeito dos preâmbulos da Primeira Guerra Mundial, tornou-se necessário acompanhar o que se foi publicando (e republicando) sobre o mesmo assunto a pretexto do centenário desses mesmos acontecimentos. É assim – mas também e talvez sobretudo para aprender mais sobre o assunto – que me dispus a ler as 562 páginas de The Sleepwalkers de Christopher Clark, que fora editado originalmente no Reino Unido em 2012. Ao contrário de outros casos e uma excelente ocasião para elogiar a editora Relógio d’Água, refira-se que foi editada este mês a tradução portuguesa do livro por uns razoáveis € 22 (o original custa € 9,50 na Amazon.uk). Em minha opinião, Os Sonâmbulos não me parece destronar o estilo muito mais ameno do clássico de Barbara Tuchman, contudo não desaponta quem o lê, mesmo já tendo lido outros sobre o mesmo tema.
 
A maior crítica que o livro poderá merecer é que Clark é um germanófilo assumido, detecta-se um esforço contínuo do autor em reanalisar os acontecimentos daquele Verão de 1914 numa perspectiva exoneradora das responsabilidades tradicionalmente assacáveis às potências dos Impérios Centrais e que foram aliás vertidas para o art.º 231 do Tratado de Versalhes. Nessa perspectiva, parte do sucesso do livro incluir-se-á num amplo movimento revisionista da História recente da Alemanha que tem estado a ter lugar depois da reunificação, e de que já mostrei neste blogue alguns outros exemplos. A leitura destes livros trazem consigo, ainda e porém, aspectos lúdicos que terão escapado até ao próprio autor. Devo-lhe a ele, por exemplo e apesar de já ter lido sobre este período noutras fontes, o ter reparado ao correr da leitura, nos apelidos contraditoriamente cosmopolitas dos embaixadores daquela época.
 
A começar por Maurice Paléologue, o embaixador francês em São Petersburgo, que exibia um apelido de inequívoca ressonância medieval, imperial e bizantina. Em contraste, o conde de Pourtalès, que usava um apelido de uma evidente sonoridade francófona, era o representante da Alemanha na mesma capital. Em Londres, os contrastes chegavam a cruzar-se: competia ao príncipe Lichnowsky, apesar da ressonância eslava do título que ostentava, representar a Alemanha e ao conde Benckendorff representar a Rússia. Mas gostaria de terminar com uma nota séria, que o autor guardou para a conclusão (p. 562): pergunta-se ele, distinguindo a Europa de 1914 da que se seguiu a 1945, se os grandes protagonistas de então (1914), e mau grado a retórica que exibiam sobre a guerra, sentiriam aquilo onde se iriam meter. Em 1945, umas dezenas de milhões mortos depois e sob o espectro da guerra nuclear, é que já não havia retóricas fingidas...
 
A pergunta que eu coloco, por analogia, é se os políticos light da actualidade – como um Pedro Passos Coelho ou um François Hollande – sentirão aonde os irá conduzir as austeridades que irão liquidar o estado social, através de medidas para onde têm estado a ser induzidos. Será que eles se apercebem que, sem ele (estado social), no quadro do que será a evolução política consequente e daquilo que já sabemos pelo que aconteceu no passado, figuras populistas como Marinho Pinto ou Marine Le Pen não tardarão a passar por opções bastante razoáveis no quadro daquilo que passará a ser, devido ao desespero, uma disputa política pontificada por políticos heavy… Em suma, e para regressar ao título do livro, o sonambulismo parece-me uma boa forma de retratar também esta insistência de Pedro Passos Coelho de como não há alternativas às medidas que têm vindo a ser adoptadas pelo governo. A ausência de resultados está aí para o demonstrar...

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