26 dezembro 2013

AINDA AS DIÁSPORAS

Regressando ainda ao tema da diáspora portuguesa, porque à caricata iniciativa presidencial de 23 de Dezembro se adicionou o conteúdo do discurso do primeiro-ministro de ontem, com pelo menos quatro referências à emigração, afigura-se-me que poderá haver uma sublimação concertada entre governo e presidência para iludir a debilidade desta situação nacional em que nos encontramos, recorrendo ao expediente da evocação de uma comunidade portuguesa que transcenderá as nossas fronteiras e cuja componente externa pugnará pela nossa imagem no exterior para além de acomodar os nossos enquanto se vivem tempos de dificuldades no país de origem. Trata-se de um mito, quiçá de um artifício de comunicação desencantado quando não há mais nada de jeito para dizer, e é para o desfazer que vale a pena começar por rever o conteúdo do livro de Robin Cohen (acima) a que já aqui me havia referido.
Descontando as diásporas que estão conectadas por conexões políticas fortes e formais, de que o exemplo maior e mais recente foi a Commonwealth britânica quando aquela ainda era constituída exclusivamente pelo Reino Unido e pelos seus Domínios controlados pelos europeus (Canadá, Austrália, África do Sul, Nova Zelândia), as restantes diásporas tendem a ser fenómenos de povos submetidos à ordem internacional, sob a qual se dispersam: desde o exemplo mais clássico e milenar dos judeus, Cohen aborda ainda outros casos, os africanos negros, os arménios, os indianos, os chineses e os libaneses. Por norma e atendendo a estes exemplos, reconheça-se que a dispersão por uma diáspora não constitui uma virtude, antes um expediente. E reconheça-se também que, se o futuro pode perspectivar um reforço das importâncias das diásporas chinesa ou indiana, por exemplo, isso não acontece pelos predicados das comunidades que estão dispersas, antes pelo fortalecimento das respectivas metrópoles.
Uma outra perspectiva importante de analisar as diásporas tem a ver com a sua perenidade. O exemplo milenar dos judeus é enganador. As comunidades emigradas tendem a diluir-se nas sociedades de destino em poucas gerações, a não ser que elas sejam continuamente renovadas por novas levas que preservem a sua identidade. Se cessar a emigração, a diáspora tende a desaparecer. Repare-se nesta reconstrução feita a partir dos dados da demografia portuguesa: quando Portugal iniciou a sua Expansão nos Séculos XV e XVI contava com cerca de 1.250.000 habitantes (estimativa para 1500¹). Desde essa época que Portugal tem sido um país de emigração: só no Século XVI ela representou o equivalente a cerca de 10% dessa população (125.000 pessoas)¹. O número de emigrantes portugueses continuou a aumentar nos Séculos que se seguiram. Uma estimativa demográfica conservadora calculará que hoje existirão pelo menos uns 40 milhões de descendentes da população portuguesa de 1500. Contudo, como Portugal só tem 10 milhões de habitantes, os outros 30 milhões seriam a tal diáspora. Só que já não se dá por ela…
A diáspora portuguesa pode actualmente ser ainda identificável através do incontável número de famílias que possuem apelidos portugueses na Ásia ou do esmagador número de cidadãos brasileiros de ascendência portuguesa que nem necessitam de afirmar a sua ancestralidade visto continuarem a falar o mesmo idioma comum (acima, a actriz indiana Freida Pinto e o ex-presidente brasileiro João Baptista Figueiredo). Mas tudo isso se resume a uma curiosidade sem qualquer relevância política, económica ou social. A História de Portugal dos últimos 500 anos tem sido protagonizada e escrita pelos que cá ficaram. E são os que cá têm ficado que têm feito evoluir a nossa identidade nacional. É indigno de um primeiro-ministro tratar a corrente emigração como se se tratasse de uma casualidade benigna. É um fracasso colectivo assim como o já havia sido a incapacidade demonstrada pelo Estado Novo em industrializar o país e absorver os excedentes da mão-de-obra agrícola durante a década de 1960 (mais acima). Mas, por vezes, nada é mais pedagógico do que colocar um certo distanciamento no assunto que se trata. Observe-se o mapa-mundo abaixo e esclareça-se que se trata da moderna diáspora grega, um país que se depara com o mesmo tipo de problemas que os nossos, embora a uma escala marginalmente superior. Distanciadamente, alguém que me lê acredita que essa diáspora possa contribuir significativamente para a solução dos problemas gregos? Se não, de que servirá então evocar a diáspora portuguesa?
¹ Atlas of World Population History, p. 102.

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