12 dezembro 2011

AQUELE QUE VIVE PELA ESPADA, MORRERÁ PELA ESPADA

Valéry Giscard d’Estaing foi o primeiro Presidente de França (1974-1981) a ser eleito através da televisão. Cultivando uma imagem onde se combinava a sofisticação com a competência tecnocrática, o candidato ficou também com a frase do primeiro grande debate presidencial da História de França disputado entre ele e François Mitterrand na noite de 10 de Maio de 1974: Sr. Mitterrand, olhe que o senhor não tem o monopólio dos sentimentos. Acima, David Burnett fotografa o ainda candidato diante de um televisor, aguardando pelas 20H00 e pelos primeiros resultados dessas eleições presidenciais das quais irá sair vencedor por uma pequena margem, com 50,8% dos votos. Mas diz-se que aquele que vive pela espada, morrerá pela espada. O septenato passado, foi ocasião de um melhor actor da cena política francesa querer a desforra e vencê-la: François Mitterrand. Abaixo, o discurso de despedida de Valéry Giscard d’Estaing¹, proferido pela televisão (como não poderia deixar de ser...), mostra-nos um Giscard d’Estaing arrogantemente igual à imagem que de si projectara, concordante com o seu percurso posterior durante os trinta anos que entretanto se passaram. Azar o dele que a França não sentisse a sua falta como insinuou, não apenas por palavras, mas também levantando-se e deixando a cena vazia por quase um minuto enquanto soa a Marselhesa…
¹Francesas, franceses,

Há sete anos o povo francês confiou-me o destino do nosso país. Foi uma grande honra para mim dirigi-lo num mundo difícil, perigoso, dominado por uma crise económica, social e moral de que não há memória nos últimos cinquenta anos. Vocês confiaram-me os bens mais valiosos da comunidade nacional: a paz, a liberdade e as nossas instituições. Fui o seu guardião e, nesta hora da despedida, restituo-as a vós, intactas.
Hoje, a vontade do maior número escolheu um novo presidente. Quis que a transição se faça de acordo com as regras de continuidade republicana. É por isso que serei eu mesmo a acolher o Senhor François Mitterrand no Palácio do Eliseu. Isto fornecerá a prova da observância dos princípios democráticos e do funcionamento normal das nossas instituições. Depois de amanhã deixarei o Palácio do Eliseu. Estou aqui esta noite para vos dizer muito simplesmente: adeus.
Deixo o meu cargo com a consciência de me ter empenhado totalmente e dedicado todos os meus esforços àquilo que considerei essencial. Peço que se lembrem disto: durante estes sete anos, tive um sonho: que a França se tornasse uma nação forte e simpática, fraterna para todos os seus e tratando de igual para igual com os grandes dirigentes mundiais. Durante sete anos, a França viveu em paz, sem sofrer convulsões internas graves, nem políticas nem sociais. Todas as eleições tiveram lugar nas datas em que seria normal. A França continuou a ser o país de todas as liberdades e a forma como se desenrolou a eleição presidencial é a prova disso, torna-se mesmo parte daquilo que não passará de uma ilha de liberdade num mar de restrições. Todas as vezes que as nossas forças tiveram de intervir no exterior, fizeram-no com sucesso, o que permanecerá uma honra dessas minhas decisões.
Se o nosso país não registou toda a prosperidade que eu lhe desejava, mantivemos porém durante sete anos a solidez do Franco, limitámos o défice orçamental, restabelecemos o equilíbrio da segurança social, salvando assim, os nossos sistemas de previdência. Quis também que o francês se orgulhasse da França. Por causa disso, empenhei-me quando vos representei no estrangeiro. Ao cruzar as nossas fronteiras, cada um de vós pode orgulhar-se de ser francês. Lançámos grandes projectos, o nosso programa de independência energética continuou sem falhas causando a admiração do mundo. Desenvolvi a Entente franco-alemã pela consolidação da Europa, mantive abertos os canais de diálogo pela paz.
Quero agradecer calorosamente a todas aquelas e aqueles de vós que me deram o seu voto, num total de catorze milhões e seiscentos mil. Votos populares, corajosos, modestos, expressões de quem reconheceu o esforço e quiseram o bem da França. Obrigado a todos vós que, de Valenciennes a Thionville, da Alsácia à Bretanha, das Antilhas a Reunião, da Mancha ao Lozère, da Alta Sabóia ao Var e à Córsega me ajudaram na minha tarefa e me trouxeram o seu entusiasmo e dedicação. A França continuará a precisar de vós e todas as vezes que isso for preciso, sei que poderei contar convosco. Neste dia que marcará para muitos o fim de grandes esperanças, sei quão numerosos serão os que compartilham a minha emoção. Saibam que um acontecimento político é apenas mais um elo na cadeia de nossa longa história. Para aqueles que me seguiram até o fim, peço-lhes que esqueçam as feridas da luta política e se fixem apenas no apego aos ideais que permanecem nossos e na vontade de reforçar a união cada vez que ela tiver oportunidades de sucesso.
Por mim, permanecerei atento a tudo aquilo que disser respeito aos interesses da França. Orientado para o futuro e reforçado com a experiência adquirida, permanecerei decerto à disposição do meu país para defender os princípios e ideias que têm orientado a minha vida e inspirado a minha actuação nestes sete anos. Antes de vos deixar, desejo-vos boa sorte a todas e todos vós. Sim, boa sorte do fundo do coração, sem amargura para uns e com um caloroso reconhecimento para os outros. Os meus melhores votos vão também para aquele que os franceses escolheram para ser o primeiro de entre eles. E, nestes tempos difíceis, onde o mal espreita e ataca por todo o mundo, espero que a Providência vele pela França, pela sua felicidade, por seu bem e pela sua grandeza.
Adeus.

1 comentário:

  1. Um discurso à francesa. conhecia a última parte, em que ele invoca a Providência, mas não a primeira, quando refere "a maior crise dos últimos cinquenta anos", coisa de que hoje também se fala. Esperemos que os acontecimentos futuros não sejam mais gaves do que os que sucederam a 1981. Mas Mitterand, também cultivava essa ideia da "grandeur de France", talvez com outra postura menos descaradamente aristocrática, porque isso não cairia bem no seu eleitorado (e ele precisava dos votos comunistas para ganhar).

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