23 dezembro 2010

O CASO DO CORREIO DE LIÃO

Num dos álbuns iniciais das aventuras de Astérix (5º), naquele em que ele dá uma Volta à Gália (1963), aparece no canto inferior esquerdo da sua vigésima prancha (acima), um postilhão romano amarrado, depois de assaltado pelos dois heróis gauleses, a fazer uma referência enigmática ao facto de ainda não se ter dito tudo sobre o Caso do Correio de Lugdunum - a designação antiga da cidade de Lião (abaixo). Ora o Caso do Correio de Lião é um caso criminal célebre do período da primeira República francesa (1796), mas cuja celebridade permaneceu confinada à própria França. Sintomático disso, a única entrada que a ele se refere na Wikipedia está escrita em francês
O Caso começou em finais de Abril de 1796 (inícios do Floreal do Ano IV segundo o calendário republicano francês). A mala-posta que partira de Paris para Lião levando consigo os meios de pagamento para os contingentes do exército francês postados no Sul de França sob o comando de Napoleão Bonaparte foi assaltada durante a noite. O postilhão e o seu ajudante foram assassinados, o dinheiro (alguns milhões, quase todo sob a forma de uma espécie de notas de banco designadas por assinados – abaixo) desaparecera assim como o único passageiro que embarcara na mala-posta e mais um dos seus cavalos, o que indiciava que se trataria de um cúmplice dos assaltantes.
As investigações decorreram fluidas e conduziram os investigadores a um albergue dos arredores de Paris onde, no dia do crime, quatro cavaleiros se haviam feito notar por terem querido pagar as suas despesas com os tais assinados para grande irritação do estalajadeiro que, como o resto da população, preferia os pagamentos feitos em metal sonante (abaixo um Luís de ouro). O episódio conduziu à detenção de um suspeito na posse de um espólio equivalente a um quinto do saque mas, sob a pressão dos acontecimentos, o processo acabou por ser aberto em princípios de Agosto, sem que houvesse tempo para investigar devidamente qual fora a composição do bando.
Aquela celeridade acabou por provocar um erro judiciário trágico, quando se condenou à morte e se executou um dos réus chamado Joseph Lesurques que, apesar de ter sido devidamente identificado por várias testemunhas por ser louro, tanto os depoimentos dos seus supostos cúmplices durante o julgamento como os acontecimentos que se seguiram vieram a inocentar. Como seria de esperar, o aparelho judicial francês blindou-se quando à revisão do caso e à assunção desse erro... Este Caso e Lesurques tornaram-se depois numa bandeira pela abolição da pena de morte em França, pena essa que ainda estava em vigor quando A Volta à Gália foi desenhada¹
¹ Nesse ano de 1963, o Tenente-Coronel Jean-Marie Bastien-Thiry (1927-1963) foi condenado à morte e fuzilado por ter organizado um atentado contra o Presidente de Gaulle.

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