20 fevereiro 2008

PAQUISTÃO: ELEIÇÕES (2)

Os resultados provisórios das eleições paquistanesas (faltam realizar-se as eleições em 5 dos 272 círculos eleitorais da Assembleia Nacional*) mostram uma situação muito longe de estar clara. É evidente que a maior formação política considerada próxima do Presidente Musharraf – PML (Q) – apanhou uma tareia, mas os ganhos foram de tal forma dispersos, que não se configura nenhuma solução política parlamentar evidente.

Os resultados podem ser consultados directamente no Dawn, o mais importante jornal paquistanês de língua inglesa, mas a sua leitura pressupõe algum conhecimento prévio da cena política local. O PPPP que ali aparece (tem um P a mais em relação à designação tradicional por razões que não vale a pena desenvolver) é o partido da falecida Benazir Bhutto, agora herdado pelo seu filho Billawal Bhutto Zardari (abaixo). Foi ele o vencedor.
Mas foi um vencedor que, com 88 lugares ganhos em 272, ganhou apenas cerca de um terço dos lugares em disputa na Assembleia Nacional. O traço distintivo dos resultados é o de uma pulverização da representação parlamentar que, aliás, se mantém. É de reparar que em cada uma das quatro Assembleias provinciais a formação vencedora foi diferente, e apenas num caso (Sindh) a vitória se traduziu numa maioria absoluta.

Mas se a vitória dos vencedores foi mitigada, a derrota dos vencidos foi fragorosa: a do partido de suporte do Presidente Musharraf, o PML (Q), que passou de 105 para 38 lugares e o seu aliado islamista, o MMA, que ficou com 5 lugares depois de ter tido 45. Em contrapartida, o partido do seu inimigo de estimação Nawaz Sharif (abaixo), o PML (N), terá sido o que proporcionalmente mais ganhou, passando de 14 para 66 lugares.

Mas deve evitar-se o erro de analisar os resultados eleitorais da mesma maneira que se faria para um pais ocidental. Note-se que o Paquistão herdou e continua a praticar o sistema eleitoral por círculos uninominais, à britânica, que todos os manuais de Ciência Política comprovam que conduz à formação do bipartidarismo, e procurem-se vestígios dele na composição da Câmara eleita nas eleições de anteontem…

A composição da Assembleia Nacional paquistanesa e das respectivas Assembleias Provinciais costumam ser instrumentais para a legitimação da atribuição do poder. Note-se no quadro dos resultados como em todas as assembleias há uma parcela de deputados pertencentes a Outros, que representam normalmente entre os 15 a 20% do total e cuja fidelidade penderá para quem mais lhe possa oferecer, normalmente quem está no poder.

Por outro lado, se a política paquistanesa se organiza mais em volta de pessoas do que de organizações, um dos grandes vencedores das eleições terá sido Iftikhar Chaudry (acima), o Presidente do Supremo Tribunal que foi demitido do seu cargo por Pervez Musharraf por se ter recusado a validar legalmente a solução por ele encontrada para permanecer no poder como Presidente. A derrota de Musharraf foi a sua vitória e a da sua classe.

A classe de que Chaudry é o símbolo é a das elites civis urbanas do Punjabe e do Sindh que tem apoiado tradicionalmente - mantendo a máquina do estado a trabalhar - as intervenções militares que põem fim aos ciclos políticos democráticos, quando os clãs de que os partidos políticos tradicionais são compostos entram numa prática de cleptocracia excessiva. Perder esse apoio costuma ser, historicamente, muito mau sinal...

Terá sido por sentir-se a perder esse apoio, que Musharraf, incompatibilizado com Chaudry por um lado e com Sharif por outro, terá tentado entender-se com Benazir Bhutto, que entretanto foi assassinada. Neste cenário pós-Benazi, mau grado as simpatias do exterior, as animosidades geradas no passado por Musharraf podem tornar o Presidente actual em algo de descartável, para a obtenção de uma solução política estável.

E isso talvez venha a transformar paradoxalmente o actual Chefe de Estado-Maior do Exército, o General Ashfaq Parvez Kayani (acima - alguém a quem se costuma atribuir a intenção de afastar os militares da política), numa peça fundamental para a consolidação de uma solução pós-eleitoral, seja de forma indirecta (forçando a saída e substituição do Presidente Musharraf), quer mesmo directa (substituindo-o no cargo).

* A Assembleia Nacional paquistanesa tem na realidade 342 lugares, mas apenas 272 resultam de eleições em círculos uninominais. Há 60 representantes femininas e 10 representantes de minorias religiosas que são eleitos de forma proporcional aos dos lugares de eleição directa. Os números que se seguirão referem-se apenas aos 272 deputados eleitos directamente.

2 comentários:

  1. Olá! Fora te tópico, mas espreita aqui umas considerações técnicas acerca do "feito" espacial dos EUA por um engenheiro aeroespacial :)

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  2. Por coincidência, estava com intenções de escrever um poste sobre esse mesmo assunto...

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