23 agosto 2023

A 15ª CIMEIRA DOS BRICS E O RETORNO A UMA CERTA «KREMLINOLOGIA»

A ideia original do bloco de países denominado por BRICS (em inglês, literalmente, tijolos) apareceu já neste século. Foi em 2001 que a Goldman Sachs terá cunhado aquela sigla (originalmente bric, tijolo) num artigo sobre o potencial económico daqueles países: Brasil, Rússia, Índia e China. Houve, entre os seus dirigentes da época, quem tivesse ficado lisonjeado com a ideia e tivesse promovido uma aproximação recíproca. O quarteto original realizou a sua primeira cimeira em 2009. No ano seguinte, e porque a ausência africana era embaraçosa num projecto que era um contraponto às economias desenvolvidas do G7, a África do Sul foi convidada a aderir, ganhando o acrónimo actual, com o S de South Africa. A ideia parecia muito prometedora, mas o bloco acabou por não ganhar tracção política e/ou económica. A forma distanciada como toda a comunicação social dos países do G7 os noticia, também não os ajuda. Porém, as cimeiras continuam a realizar-se, como que por persistente e teimosa inércia. Ontem começou a 15ª, na cidade de Joanesburgo na África do Sul.

Na fotografia acima temos (da esquerda para a direita), Lula da Silva pelo Brasil, Xi Jinping pela China, o anfitrião Cyril Ramaphosa ao centro, Narendra Modi pela Índia e Sergey Lavrov pela Rússia. A razão para a ausência de Vladimir Putin da fotografia é um daqueles (poucos) assuntos a respeito da cimeira que terá suscitado o interesse da comunicação social dos países do G7. É que se Vladimir Putin comparecesse, a África do Sul, sendo membro do Tribunal Penal Internacional (TPI), teria sido obrigada a cumprir o mandado de prisão que foi emitido para o presidente russo em Março deste ano. Ou então não cumpria. Foi preferível não ter ido. Entretanto, logo no primeiro dia, já surgiu um outro pequeno episódio digno da maledicência ocidental. De acordo com o programa do primeiro dia, o líder chinês, Xi Jinping, deveria participar do fórum e fazer comentários ao lado dos outros líderes. Mas não foi isso que aconteceu. Em vez dele, o seu soporífero discurso foi lido pelo seu ministro do Comércio, Wang Wentao, levantando interrogações para uma tal alteração protocolar.

Outrora, nos tempos da guerra fria, a ignorância dos jornalistas ocidentais sobre o que se passava nos altos escalões dos poderes comunistas, levou esta prática jornalística ao estatuto de uma verdadeira ciência: a kremlinologia. Os cientistas especializavam-se em dar interpretações a episódios desprovidos de valor noutras circunstâncias. Neste caso concreto, há que dizer que as publicações oficiais chinesas davam o discurso como tendo sido lido pelo próprio Xi, o que permite aos cientistas deduzir que se terá tratado de uma alteração de última hora. Que talvez não tenha afinal grande significado, já que foi o próprio Xi Jinping que compareceu no jantar que se seguiu. Seja a ausência de Putin ou a alteração de programa por parte de Xi, este é o género de cobertura noticiosa que a comunicação social que estamos habituados a consultar tem para dar, de uma cimeira de onde não se esperam grandes surpresas.

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