04 agosto 2017

A DESPROPÓSITO DE UM BOM LIVRO DE HISTÓRIA SOBRE O VIETNAME

O livro é bom, como alguém escreveu numa das (quase sempre pedantes) recensões (favoráveis) que sobre ele se escreveram, «é simplesmente a melhor e a mais legível história do Vietname escrita em inglês, apresentada num só volume» (embora ache requintado o preciosismo do volume único... - trata-se de um volume com mais de 500 páginas) O autor é norte-americano e ensina numa universidade canadiana, no Quebec. Conforme a abordagem, o Vietname é um assunto a respeito do qual há muito poucos livros, porque o interesse pelo assunto da sua história milenar é residual, ou então há demasiados livros, porque a respeito da guerra em que os franceses e (sobretudo) os norte-americanos ali se envolveram o interesse é imenso, mas circunscrito às componentes política e (sobretudo) militar, o que não impede que subsistam milhares de opiniões. Esta versão pareceu-se ser um compromisso (daí justificar-se-á o emprego da expressão «História do Vietname Moderno» na capa), com umas dúzias de páginas preliminares a enquadrar a unificação nos princípios do Século XIX (1802) e a contar a história a partir daí, dando relevo ao período colonial (a Indochina foi uma colónia francesa) e ao Vietname independente dos últimos 60 anos. Serão casos que escapam à experiência colonial portuguesa (que se centrava em África), mas este livro faz-nos ler e reflectir sobre o modo como se estabeleciam as relações coloniais entre as sociedades destas civilizações milenares e os europeus (um outro exemplo são os indianos e os britânicos), em que o ascendente cultural e civilizacional dos segundos é mais assumido pelas imposições materiais do que substantivo pela superioridade dos valores. Quase no fim do livro (p. 492), evoca-se a figura de Nguyễn Thái Học (1902-1930), um dirigente nacionalista vietnamita (demasiado) precoce, que acabou executado pelas autoridades coloniais francesas depois de um pequeno motim militar dentro do próprio exército colonial que veio a fracassar. A alguns dias da execução, Nguyễn Thái Học enviou uma carta à Assembleia Nacional Francesa explicando as razões porque encabeçara a revolta, remetendo-a para o fracasso francês em implementar verdadeiras reformas políticas no Vietname, como fora esperança dos próprios vietnamitas por ocasião do fim da Primeira Guerra Mundial (aconteceu o mesmo com a Índia). O que os vietnamitas queriam era o que os franceses já tinham: «um governo democrático, sufrágio universal, liberdade de imprensa, respeito pelos direitos humanos e, já agora, independência.» Ora isto era uma forma que pareceria aos franceses desapropriada, mesmo ingénua, de colocar a questão, pois a superestrutura Império Colonial Francês não estava concebida para, em data à vista, conceder condições idênticas a todos os seus membros. Ora, tudo isto me fez lembrar uma outra superestrutura actual denominada União Europeia, e a desencadear uma estranha empatia para com as reclamações daqueles vietnamitas. Também pelos povos membros da União Europeia parece-me perpassar uma sensação generalizada de que há uns destinados a usufruir de estatutos de primeira e outros que não...

Sem comentários:

Enviar um comentário