Apesar do nome, Maria Guiomar de Pina (1664-1728) nasceu e passou toda a sua vida na Tailândia. A sua ascendência era indubitavelmente asiática, apesar de misturada: uma mãe de ascendência japonesa, que fugira do seu país quando ali começara a perseguição aos cristãos e um pai que viera de Goa (daí o nome português), mas cuja ascendência era, por sua vez, bengali e japonesa. O que a conotava culturalmente com o Ocidente, e eventualmente com Portugal, era a religião, assertivamente católica romana. Tanto assim que, quando Guiomar casou em 1682, teria então 18 anos, foi o marido que adoptou a religião da esposa. Fosse outra a ocasião e a história do marido também merecia ser aqui contada, um grego das ilhas jónias chamado Konstantinos Gerakis (1647-1688) que chegara à Ásia ao serviço da Companhia britânica das Índias Orientais em 1675 mas que depois se reconvertera num conselheiro do rei Ramathibodi III da Tailândia. Entretanto aportuguesara o nome para Constantino Falcão e convertera-se ao catolicismo romano, ele que já fora ortodoxo e anglicano. Durante uma meia dúzia de anos, sob os nomes/títulos de Thao Thong Kip Ma e Chao P'raya Vichayen, o casal gozou de influência e prestígio na corte tailandesa. Mas se o apogeu da passagem do marido pelas altas esferas do poder é hoje um episódio esquecido da História da Tailândia, o mesmo não acontece com Dona Guiomar, reconhecida doceira, a quem ainda hoje se atribui a introdução na cozinha tailandesa de vários pratos adaptados da doçaria conventual portuguesa, que Dona Guiomar aprendera sem nunca ter visitado as origens. Os dois exemplos das fotos acima são o foi thong (à esquerda), a versão tailandesa dos nossos fios de ovos e o thong yip (à direita), as nossas trouxas de ovos embora com outro formato. Há ainda mais pratos de doçaria, normalmente à base de gemas de ovo, que também são atribuídos à inventividade de Dona Guiomar (khanom mo kaeng, a versão tailandesa da tigelada, ou sangkhaya, uma espécie de marmelada de coco), mas só a maternidade dos dois primeiros doces é incontroversa. Contudo, é indiscutível reconhecer que nos séculos XVI e XVII a nossa gastronomia portuguesa chegou até ao Extremo Oriente (Japão) para depois se repropagar (não nos esqueçamos que Dona Guiomar era ¾ japonesa) para outras regiões da Ásia. E depois é uma gastronomia com estes pergaminhos que se presta à submissão a uns inspectores espanhóis que vêm cá atribuir umas estrelinhas a uns restaurantes?... Devíamos é ser nós a atribuir o Prémio Dona Guiomar de Pina aos restaurantes estrangeiros por esse mundo fora que se esmerem na feitura da tradicional doçaria conventual portuguesa!
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