Aconteceu-me que, por circunstâncias da vida, quando passei da Segunda para a Terceira Classe, tivesse mudado de Escola. E que mudança! A primeira, donde vinha, ficava em Lourenço Marques, a segunda, para onde ia, ficava em Lisboa. E a adaptação a mudanças assim tão abruptas, sabem-no bem aqueles que as experimentaram, podem ser difíceis.
Algumas das mudanças são expectáveis e passíveis de compartilhar com os adultos. Outras, são-no bastante menos. Tendo saído de Moçambique a meio de uma temporada de interesse frenético pela actividade do berlinde (tradicional: depois podia seguir-se a temporada dos bichos-da-seda…) vim encontrar uma metrópole (como então se dizia) muito mortiça quanto a essa actividade.
Mas esse era o problema menor, porque, pela experiência, já me havia apercebido do fenómeno dos modismos nos recreios: o que hoje é popular – berlindes – amanhã pode ser substituído por outra moda – cromos. O problema grande era o de me estar a sentir desajustado por ter deixado de saber alguns aspectos das regras do jogo do berlinde, que julgava trazer dominadas de Moçambique.
Assim, um Abafador – que permitia ao proprietário abafar os berlindes em jogo e tornava um puto franzino com um deles no bolso numa ameaça temida – precisava de conter sete cores, além de uma risca (ou duas?). Mas esses eram as formalidades do outro lado do mundo. Aqui eles eram grandes bolas de um branco opaco, embora fosse indispensável a posse de uma pequena esfera de metal adicional: a licença.
Não juro pelo rigor das regras que descrevi, mas asseguro que o contraste era marcante. Mas havia padrões de comportamento que descobri serem intercontinentais: o proprietário do berlinde abafado precisava de ser mais pequeno do que o do Abafador ou, não o sendo, o proprietário do Abafador precisava de ter um amigo por perto que fosse maior do que o dono do berlinde abafado…
Já se passou muito tempo mas não me recordo de nenhuma outra circunstância que seja uma metáfora mais perfeita daquilo que considero que caracteriza o frequentemente evocado Direito Internacional: como as formas do Abafador, as regras regulamentadoras da relação entre países são apenas instrumentais; o que é indispensável avaliar é o poder associado àqueles que as querem implementar – o tamanho dos donos, e dos países…
Algumas das mudanças são expectáveis e passíveis de compartilhar com os adultos. Outras, são-no bastante menos. Tendo saído de Moçambique a meio de uma temporada de interesse frenético pela actividade do berlinde (tradicional: depois podia seguir-se a temporada dos bichos-da-seda…) vim encontrar uma metrópole (como então se dizia) muito mortiça quanto a essa actividade.
Mas esse era o problema menor, porque, pela experiência, já me havia apercebido do fenómeno dos modismos nos recreios: o que hoje é popular – berlindes – amanhã pode ser substituído por outra moda – cromos. O problema grande era o de me estar a sentir desajustado por ter deixado de saber alguns aspectos das regras do jogo do berlinde, que julgava trazer dominadas de Moçambique.
Assim, um Abafador – que permitia ao proprietário abafar os berlindes em jogo e tornava um puto franzino com um deles no bolso numa ameaça temida – precisava de conter sete cores, além de uma risca (ou duas?). Mas esses eram as formalidades do outro lado do mundo. Aqui eles eram grandes bolas de um branco opaco, embora fosse indispensável a posse de uma pequena esfera de metal adicional: a licença.
Não juro pelo rigor das regras que descrevi, mas asseguro que o contraste era marcante. Mas havia padrões de comportamento que descobri serem intercontinentais: o proprietário do berlinde abafado precisava de ser mais pequeno do que o do Abafador ou, não o sendo, o proprietário do Abafador precisava de ter um amigo por perto que fosse maior do que o dono do berlinde abafado…
Já se passou muito tempo mas não me recordo de nenhuma outra circunstância que seja uma metáfora mais perfeita daquilo que considero que caracteriza o frequentemente evocado Direito Internacional: como as formas do Abafador, as regras regulamentadoras da relação entre países são apenas instrumentais; o que é indispensável avaliar é o poder associado àqueles que as querem implementar – o tamanho dos donos, e dos países…
E assim se prova que a política não passa de um jogo…de “bilas”, mas ainda há pessoas que não perceberam!!!
ResponderEliminarPortugal deve ser o reino do ABAFA absoluto, no que toca à Justiça.
ResponderEliminarEntre prescrições, insuficiência de provas, escutas ilegais, tudo serve para deitar processos para o lixo e ninguém ser condenado.
Podem as pontes cair, crianças serem abusadas, os apitos silvarem sempre para o mesmo lado, é tudo abafado.
E a dedo só são apontados (timidamente) os que abafam a palhinha...
Foi o que tentei fazer Impaciente: provar que a grande política internacional pode ser explicada pela lógica de um recreio escolar.
ResponderEliminarPena que a Administração Bush não tenha antecipado os riscos de seguir uma conduta que os putos matulões de 10 ou 11 anos com grande corpanzil mas poucos miolos descobrem à sua própria custa: é desconfortável ficar com o pessoal todo do recreio contra eles!...
Muito curioso descobrir aqui um texto que eu poderia ter integralmente escrito. Também notei as diferenças do jogo quando cheguei já que a minha primeira escola foi em Lourenço Marques (os Maristas mais exactamente)
ResponderEliminarAbraço agradecido
A grande conclusão que se impõe, João Villalobos, é que até uma criança percebia (pelas regras dos berlindes) que Portugal não era um país unido do Minho a Timor...
ResponderEliminarAbraço retribuído, adicionado a uns francos cumprimentos por aquela magnífica descrição do retrato de Jorge Sampaio, já devidamente comentada pela Sofia...