18 dezembro 2006

POL POT – A HISTÓRIA DE UM PESADELO


É muito mais compreensível atribuir as responsabilidades de um imenso massacre a alguém individualmente do que a um colectivo. Mas neste livro de Philip Short, a história da vida de Saloth Sâr (1925-98), que ficou mais conhecido pelo nome de um dos seus pseudónimos de luta política, Pol Pot, serve sobretudo de chamariz de capa e de catalizador para a apresentação dos traços identificativos da cultura khmer onde pôde germinar o ambiente que mais tarde veio dar origem à morte (estimada) de um milhão e meio de cambodjanos.

Em rigor, como aconteceu com Staline e Mao, mas não aconteceu com Hitler, não se deve acusar Pol Pot e a restante equipa dirigente dos Khmers Vermelhos de genocídio: o extermínio incidiu sobre o seu próprio povo. Tecnicamente dever-se-ia acusá-lo de Crimes contra a Humanidade. Mas o que acho particularmente chocante no livro de Short – que resiste ao lugar comum de mostrar fotografias de caveiras empilhadas* – é a forma como se percebe como aquela mortandade foi o subproduto da construção de uma utopia social.

Nem mesmo nos horrores o Cambodja foge aquela lógica implacável que dá muito mais importância à História e aos personagens de grandes países – Ocidentais, de preferência. Entre aqueles que conhecemos melhor, vale a pena tomar atenção à forma como as sociedades que os geraram parecem estar a fazer a recuperação da imagem dos protagonistas dos gigantescos processos de morticínios que se verificaram no Século XX na Rússia (Staline), na China (Mao) ou na Europa (Hitler). Será imperativo que o tempo tudo faça esquecer?

Mas é nesta espécie de comentário fúnebre a respeito de Pol Pot, proferido por um seu antigo aliado (um Khmer Vermelho) de quem entretanto se tornara inimigo, que julgo que se condensa extremamente bem tudo o que Pol Pot era, com tudo o que foram (são?) os valores da vida humana da sociedade que dirigiu:

Pol Pot morreu como uma papaia que amadurece demasiado e que cai da árvore. Ninguém o matou, ninguém o envenenou. Está acabado. Não tem poder, não tem direitos, não é mais do que bosta de vaca. Até a bosta de vaca é mais importante que ele. À bosta podemos usá-la como fertilizante.

* Numa daquelas grandes ironias da História, aquele que seria provavelmente o mais conhecido sobrevivente do regime de Pol Pot, Haing S. Ngor (1940-96), actor que fora galardoado com o Óscar de 1985 pelo seu papel de repórter cambodjano no filme The Killing Fields, relatando precisamente os acontecimentos conducentes à implantação do regime de Pol Pot em 1975, acabou por morrer assassinado nos Estados Unidos, ao resistir a três assaltantes que entraram em sua casa...

1 comentário:

  1. Com muita maldade e salvaguardando as proporções, não resisto a referir que um outro(pequeno)ditador do nosso burgo, está em vias de ser corrido a POTapé.
    Se tal acontecer, se justiça for feita, ficar-lhe-á na boca um gosto salgado, um certo "sapore di sal"...

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