Tentar explicar de uma forma simplificada a um leigo nos mistérios da economia os mecanismos que contribuem para a formação das cotações das moedas pode ser um saudável exercício para reavivar aos especialistas a modéstia nas virtudes e certezas das Ciências Económicas, se se quiser ter a honestidade intelectual de admitir como é ampla a parcela de pifometria empírica que contribui para a regulação dos câmbios entre divisas.
Vão muito longe os tempos em que se podia atribuir a solidez das moedas dos grandes impérios a critérios objectivos como o teor em ouro contido em moedas de referência como eram o solidus romano, o dinar islâmico ou mesmo, um pouquinho, o cruzado português. Os elementos constitutivos que fizeram a força das moedas dos impérios modernos, como a libra esterlina britânica e agora o dólar norte-americano são de uma complexidade extrema e contêm nela muito de intangível e interpretativo.
Que podem conduzir a situações difíceis de explicar. Deixem-me citar um exemplo, antigo de cinquenta anos, acontecido com meu pai, que na altura fora colocado na Índia portuguesa e que passou em trânsito no porto de Aden, que era na altura uma colónia britânica no Sul da Arábia*, onde lhe aceitaram as rupias da Índia portuguesa para cambiar, embora o recusassem fazer às da União Indiana (as moedas tinham a mesma designação).
Aparentemente, apesar da sua situação económica**, a moeda da colónia gozava, como por osmose, da reputação de solidez da da sua metrópole, em resultado das reservas em ouro com que o governo português saíra da Segunda Guerra Mundial. Mas olhando para a situação política em concreto, já naquela altura as relações azedas entre Lisboa e Nova Deli nada prognosticavam de bom para o desfecho do diferendo: dali por cinco anos a colónia da moeda boa ia ser absorvida pelo país da moeda má!
Este extenso preâmbulo ajudar-me-á a fazer perceber porque considero esta recente decisão iraniana de substituir o dólar pelo euro nas suas transacções com o exterior como um gesto onde julgo que predominará muito mais de componente política do que de obtenção de vantagens económicas para o decisor. Mas o decisor poderá não estar errado de todo. O dólar poderá estar numa tal situação de fragilidade que, decisões que, noutras circunstâncias seriam de interesse periférico como é o caso, poderão servir de detonador para outros acontecimentos, de consequências imprevisíveis.
É verdade que aquela parcela da solidez do dólar que estará associada à credibilidade dos Estados Unidos como actor internacional anda hoje pelas ruas da amargura, como acontece com a reputação da inteligência de George W. Bush e a razoabilidade das decisões da Administração norte-americana. E os Estados Unidos não estão apenas fragilizados no Iraque; no campo estrito dos indicadores económicos estão-no também nos deficits que registam na sua Balança de Transacções Correntes e no seu Orçamento.
Contudo, a moeda que parece estar a constituir o grande incómodo para os governantes norte-americanos não é o Euro, mas o Yuan chinês, como se comprova pelas suas pressões insistentes para que os chineses apreciem devidamente a sua moeda contra o dólar. Até agora com um sucesso moderado. Para os chineses o problema põe-se de uma forma diferente, quase antagónica, porque as reservas de divisas que a China tem vindo a amealhar ao longo dos últimos anos de prosperidade têm sido essencialmente em dólares.
Valorizar o Yuan conforme os Estados Unidos pedem, significa também desvalorizar (relativamente) o dólar e, consequentemente, desvalorizar o tesouro amealhado pelos chineses. Numa óptica dos interesses exclusivamente chineses, os norte-americanos nem deviam insistir com as suas pressões, já deviam saber a resposta. Mas, para se aspirar a ser potência global há também que pensar globalmente.
Os Estados Unidos cometeram um tipo de erro que poderá ser muito semelhante ao actual da China ao pensarem só no seu umbigo quando, na década de 1920, forçaram a manutenção do ritmo de reembolsos dos empréstimos de guerra das grandes potências europeias (they hired the money, didn´t they?***), acabando por prejudicar o seu próprio crescimento económico, ao limitar a capacidade aquisitiva dos mercados para onde exportava.
Tão parecida quanto as perspectivas militares futuras para o Iraque, também a divisa norte-americana está a viver um momento de equilíbrio frágil entre os desejos da superpotência vigente e os da superpotência rival em ascensão. Há quem garanta que a tensão pode ser corrigida gradualmente, outros crêem que não, e que o ajustamento terá que ser traumático. Sobretudo, é essa fragilidade da situação actual que obriga a não negligenciar episódios como o originário de Teerão que, noutras circunstâncias, seriam epifenómenos.
Vão muito longe os tempos em que se podia atribuir a solidez das moedas dos grandes impérios a critérios objectivos como o teor em ouro contido em moedas de referência como eram o solidus romano, o dinar islâmico ou mesmo, um pouquinho, o cruzado português. Os elementos constitutivos que fizeram a força das moedas dos impérios modernos, como a libra esterlina britânica e agora o dólar norte-americano são de uma complexidade extrema e contêm nela muito de intangível e interpretativo.
Que podem conduzir a situações difíceis de explicar. Deixem-me citar um exemplo, antigo de cinquenta anos, acontecido com meu pai, que na altura fora colocado na Índia portuguesa e que passou em trânsito no porto de Aden, que era na altura uma colónia britânica no Sul da Arábia*, onde lhe aceitaram as rupias da Índia portuguesa para cambiar, embora o recusassem fazer às da União Indiana (as moedas tinham a mesma designação).
Aparentemente, apesar da sua situação económica**, a moeda da colónia gozava, como por osmose, da reputação de solidez da da sua metrópole, em resultado das reservas em ouro com que o governo português saíra da Segunda Guerra Mundial. Mas olhando para a situação política em concreto, já naquela altura as relações azedas entre Lisboa e Nova Deli nada prognosticavam de bom para o desfecho do diferendo: dali por cinco anos a colónia da moeda boa ia ser absorvida pelo país da moeda má!
Este extenso preâmbulo ajudar-me-á a fazer perceber porque considero esta recente decisão iraniana de substituir o dólar pelo euro nas suas transacções com o exterior como um gesto onde julgo que predominará muito mais de componente política do que de obtenção de vantagens económicas para o decisor. Mas o decisor poderá não estar errado de todo. O dólar poderá estar numa tal situação de fragilidade que, decisões que, noutras circunstâncias seriam de interesse periférico como é o caso, poderão servir de detonador para outros acontecimentos, de consequências imprevisíveis.
É verdade que aquela parcela da solidez do dólar que estará associada à credibilidade dos Estados Unidos como actor internacional anda hoje pelas ruas da amargura, como acontece com a reputação da inteligência de George W. Bush e a razoabilidade das decisões da Administração norte-americana. E os Estados Unidos não estão apenas fragilizados no Iraque; no campo estrito dos indicadores económicos estão-no também nos deficits que registam na sua Balança de Transacções Correntes e no seu Orçamento.
Contudo, a moeda que parece estar a constituir o grande incómodo para os governantes norte-americanos não é o Euro, mas o Yuan chinês, como se comprova pelas suas pressões insistentes para que os chineses apreciem devidamente a sua moeda contra o dólar. Até agora com um sucesso moderado. Para os chineses o problema põe-se de uma forma diferente, quase antagónica, porque as reservas de divisas que a China tem vindo a amealhar ao longo dos últimos anos de prosperidade têm sido essencialmente em dólares.
Valorizar o Yuan conforme os Estados Unidos pedem, significa também desvalorizar (relativamente) o dólar e, consequentemente, desvalorizar o tesouro amealhado pelos chineses. Numa óptica dos interesses exclusivamente chineses, os norte-americanos nem deviam insistir com as suas pressões, já deviam saber a resposta. Mas, para se aspirar a ser potência global há também que pensar globalmente.
Os Estados Unidos cometeram um tipo de erro que poderá ser muito semelhante ao actual da China ao pensarem só no seu umbigo quando, na década de 1920, forçaram a manutenção do ritmo de reembolsos dos empréstimos de guerra das grandes potências europeias (they hired the money, didn´t they?***), acabando por prejudicar o seu próprio crescimento económico, ao limitar a capacidade aquisitiva dos mercados para onde exportava.
Tão parecida quanto as perspectivas militares futuras para o Iraque, também a divisa norte-americana está a viver um momento de equilíbrio frágil entre os desejos da superpotência vigente e os da superpotência rival em ascensão. Há quem garanta que a tensão pode ser corrigida gradualmente, outros crêem que não, e que o ajustamento terá que ser traumático. Sobretudo, é essa fragilidade da situação actual que obriga a não negligenciar episódios como o originário de Teerão que, noutras circunstâncias, seriam epifenómenos.
*Actualmente faz parte do Yemen.
** A colónia exportava apenas cerca de 20% do valor das suas importações.
*** Eles pediram o dinheiro emprestado, não pediram?, frase atribuída a Calvin Coolidge, presidente dos Estados Unidos (1923-29).
** A colónia exportava apenas cerca de 20% do valor das suas importações.
*** Eles pediram o dinheiro emprestado, não pediram?, frase atribuída a Calvin Coolidge, presidente dos Estados Unidos (1923-29).
Esta desfeita feita (é bem feita) ao dólar é um sinal de que os índices de confiança (linguagem futeboleira) no tio Sam já conheceram melhores dias.
ResponderEliminarMas, como como diria o nosso Jorge Coelho (saberá ler poesia?), os USA Aden recuperar...