Ainda a propósito dos meus NOT SO EARLY MORNING BLOGS e dos originais do Abrupto de José Pacheco Pereira, contendo poesias originais das mais diversas proveniências, de Portugal e do Estrangeiro, lembrei-me de um episódio que foi para mim muito instrutivo, envolvendo a demonstração do domínio de idiomas estrangeiros e o que é que isso pode significar, passado numa sessão de Apanhados do programa de Joaquim Letria, vai para uns vinte anos.
Creio que o programa do tipo dos Apanhados dispensará explicação, muito embora naquela altura ele fosse novidade na televisão portuguesa e as situações colocadas às vítimas parecessem ser muito imaginativas, o que constitui o grande segredo para o seu sucesso. Na que quero destacar, as vítimas iam entregar um rolo para revelação a uma loja de fotografias, quando a empregada, com o maior ar de loura burra, desenrolava um (falso) rolo e expunha os negativos à luz, enquanto constatava e informava com o ar mais casual do mundo: - As fotografias ficaram todas estragadas…
Houve outras reacções notáveis por parte das vítimas, mas a que quero destacar envolvia uma tia (embora a expressão ainda não estivesse em voga naquela época) que ia acompanhada de outra, numa conversa animada envolvendo Londres e Paris e o requinte supremo de lhe faltar vocabulário em português para se referir ao brilho de uma determinada fotografia, tendo de recorrer à expressão shinning. A aparência de tanta cultura desmoronou fragorosamente quando a loura burra fez a sua parte, e a tia, repleta de cultura estrangeira mas impermeável à cultura prática e elementar respondeu impávida: - Ai sim?
A loura bem lhe reabriu o rolo à luz repetidas vezes, mas a tia ali permaneceu alheia à destruição consecutiva das suas fotografias, que a sofisticação cultural dela só lhe dava para comentar aspectos da técnica fotográfica em estrangeiro, mas não para perceber os rudimentos mínimos sobre revelação de fotografias. Em suma, foi uma excelente lição como as aparências podem enganar e como há muito esperto que abusa da nossa atitude reverencial tradicional às coisas que vêm lá de fora, tipificada naquela frase embevecida da letra de uma canção de Rui Veloso: A minha namorada até fala estrangeiro…
Adicionar José Pacheco Pereira a esta história até será, numa certa perspectiva, injusto; trata-se de alguém a quem reconheço interesses intelectuais dos mais variados. O que me intriga, e desde sempre me intrigou, é esta veia poética que ele parece demonstrar com as suas inserções quotidianas de poesia no seu blogue. Eu compreendo perfeitamente que a maioria das leituras que José Pacheco Pereira faça não sejam na sua língua materna – isso acontece a tanta gente obrigada ou mesmo de livre vontade! Eu concebo mesmo que haja quem prefira ler as obras de ficção (em prosa) de certos autores no original – as traduções sempre adulteraram o original.
Agora, quando toca a poesia, e a atentar nos cuidados postos no seu estudo quando se trata de poesia na nossa própria língua, é legítimo extrapolar quanto esse estudo exigirá de domínio de uma língua estrangeira para a devida apreciação da beleza do poema no seu original. Mesmo aí, isso até pode ser ultrapassado, porque creio que sempre pode haver quem se familiarize com um outro idioma para além do materno. Talvez mesmo dois. Só que, de memória, penso já ter visto naquele blogue, poesias em português, castelhano, francês, inglês, italiano…
Possivelmente José Pacheco Pereira pode ser um sobredotado ou afinal gosta apenas de afixar poesias do estrangeiro… Mas todos sabemos como, na gestão das imagens públicas dos intelectuais, dá sempre jeito haver um retoque de prestígio de artista de circo que faz coisas que os comuns mortais não fazem. Mais discreto e menos gozado do que o do seu rival, este gosto pelas poesias madrugadoras de José Pacheco Pereira afigura-se-me tão verosímil quanto os livros e as intermináveis leituras nocturnas de Marcelo Rebelo de Sousa...
Creio que o programa do tipo dos Apanhados dispensará explicação, muito embora naquela altura ele fosse novidade na televisão portuguesa e as situações colocadas às vítimas parecessem ser muito imaginativas, o que constitui o grande segredo para o seu sucesso. Na que quero destacar, as vítimas iam entregar um rolo para revelação a uma loja de fotografias, quando a empregada, com o maior ar de loura burra, desenrolava um (falso) rolo e expunha os negativos à luz, enquanto constatava e informava com o ar mais casual do mundo: - As fotografias ficaram todas estragadas…
Houve outras reacções notáveis por parte das vítimas, mas a que quero destacar envolvia uma tia (embora a expressão ainda não estivesse em voga naquela época) que ia acompanhada de outra, numa conversa animada envolvendo Londres e Paris e o requinte supremo de lhe faltar vocabulário em português para se referir ao brilho de uma determinada fotografia, tendo de recorrer à expressão shinning. A aparência de tanta cultura desmoronou fragorosamente quando a loura burra fez a sua parte, e a tia, repleta de cultura estrangeira mas impermeável à cultura prática e elementar respondeu impávida: - Ai sim?
A loura bem lhe reabriu o rolo à luz repetidas vezes, mas a tia ali permaneceu alheia à destruição consecutiva das suas fotografias, que a sofisticação cultural dela só lhe dava para comentar aspectos da técnica fotográfica em estrangeiro, mas não para perceber os rudimentos mínimos sobre revelação de fotografias. Em suma, foi uma excelente lição como as aparências podem enganar e como há muito esperto que abusa da nossa atitude reverencial tradicional às coisas que vêm lá de fora, tipificada naquela frase embevecida da letra de uma canção de Rui Veloso: A minha namorada até fala estrangeiro…
Adicionar José Pacheco Pereira a esta história até será, numa certa perspectiva, injusto; trata-se de alguém a quem reconheço interesses intelectuais dos mais variados. O que me intriga, e desde sempre me intrigou, é esta veia poética que ele parece demonstrar com as suas inserções quotidianas de poesia no seu blogue. Eu compreendo perfeitamente que a maioria das leituras que José Pacheco Pereira faça não sejam na sua língua materna – isso acontece a tanta gente obrigada ou mesmo de livre vontade! Eu concebo mesmo que haja quem prefira ler as obras de ficção (em prosa) de certos autores no original – as traduções sempre adulteraram o original.
Agora, quando toca a poesia, e a atentar nos cuidados postos no seu estudo quando se trata de poesia na nossa própria língua, é legítimo extrapolar quanto esse estudo exigirá de domínio de uma língua estrangeira para a devida apreciação da beleza do poema no seu original. Mesmo aí, isso até pode ser ultrapassado, porque creio que sempre pode haver quem se familiarize com um outro idioma para além do materno. Talvez mesmo dois. Só que, de memória, penso já ter visto naquele blogue, poesias em português, castelhano, francês, inglês, italiano…
Possivelmente José Pacheco Pereira pode ser um sobredotado ou afinal gosta apenas de afixar poesias do estrangeiro… Mas todos sabemos como, na gestão das imagens públicas dos intelectuais, dá sempre jeito haver um retoque de prestígio de artista de circo que faz coisas que os comuns mortais não fazem. Mais discreto e menos gozado do que o do seu rival, este gosto pelas poesias madrugadoras de José Pacheco Pereira afigura-se-me tão verosímil quanto os livros e as intermináveis leituras nocturnas de Marcelo Rebelo de Sousa...
se Vc. soubesse ler poesia já se tinha apercebido que há uma lógica interior de gosto e atitude muito coerente em todas as poesias dos Early Morning que mostram que são lidas e escolhidas a dedo
ResponderEliminarna minha empresa tiramos sempre uma cópia para distribuir e há uma espécie de clube de fãs do Early Morning
Alberto Marques, Braga
Conclusão : o Alberto Marques, Braga, sabe ler poesia.
ResponderEliminarDésolé, Herdeiro, mas esta é a crua realidade. A poesia não é para que a publica mas para quem a lê, ou melhor, para quem a sabe ler.
Obrigado, Alberto, por me dar o infinito gozo de colocar este abelhudo Herdeiro com orelhas de burro, contra a parede.
Feliz Natal, Alberto.
E, como diria um francês pouco dado a línguas, God "blesse" you...
PS: Eu também não sei ler poesia e só despeito me empurra para este tacanho esboço de ironia.
Alberto Marques
ResponderEliminarNão creio que se consiga depreender das minhas palavras que há falta de lógica, de gosto ou de coerência nas poesias inseridas nos Early Morning. Não é essa a questão, o que creio que se pretende mostrar é outra coisa, um bom gosto excelso, erudito em excesso, como aquelas bibliografias intermináveis de certas obras académicas em que a desconfiança é grande que o autor não leu aquilo tudo.
Mas se o problema, nas suas próprias palavras, parte da minha incapacidade de ler poesia, gostaria, para meu benefício, que me traduzisse e interpretasse, de forma imediata, este pequeno trecho de uma poesia de François Villon (penso que em francês arcaico), publicada no Abrupto no Early Morning do passado dia 14:
Tant grate chievre que mau gist ;
Tant va le pot a l'eaue qu'il brise;
Tant chauf'on le fer qu'il rougist,
Tant le maill'on qui qu'il se debrise ;
Tant vault l'omme comme on le prise,
Tant s'esloigne il qu'il n'en souvient,
Tant mauvais est qu'on le desprise ;
Tant crie l'on Noël qu'il vient.
E mesmo que improvavelmente o faça (julgo que Vasco Graça Moura fez algumas traduções para português do autor), quantos serão os que, mesmo na blogosfera estarão em condições de o fazer? Ou que estarão na disposição de investigar o significado do que está escrito? Ou a sua definição de saber ler poesia coexiste com um certo “apanhar a ideia geral” do que o poeta escreveu? É que, se assim for, então estarei de acordo que não sei ler poesia; pelo menos dessa maneira, não…
A poesia joga com a sonoridade e com os significados múltiplos das palavras. Por isso as traduções dos textos poéticos devem ser mais difíceis que as dos outros textos. Será necessário conhecer muito bem a estrutura da língua, o seu vocabulário, e saber jogar com a melodia que lhe é própria.
ResponderEliminarTenho pena de não saber bem outras línguas que me permitam ler as poesias no seu original.
No entanto, não deixo de me espantar, como A. Teixeira, com o tipo de poesias publicadas no Abrupto, nos “early morning blogs” (embora hoje apareça um belíssimo poema de Almeida Garret, que eu adoro)… Ignorância nossa, com certeza, oh simples e comuns mortais!
Para além da óbvia "lógica interior de gosto e atitude", parece-me que os Early Mornings, como tudo no Abrupto, pôr-nos a pensar, chamar-nos a atenção para coisas distintas, que pode ser só a beleza de algumas palavras.
ResponderEliminarNão me parece é que se possa exigir a JPP que seja banal ou vulgar quando na verdade ele não o é.
O facto é que as escolhas e actos de JPP sempre colocarão em evidência o que sabe, o que lê e o que pensa, que é muito mais e melhor do que o da maioria das pessoas (designadamente dos bloggers e das figuras "públicas" que por aí pululam).
A única forma de isto não acontecer seria se JPP se mantivesse quieto e calado, circunstância em que penso que seriam os leitores os que mais perdiam.
E, por fim, se o objectivo fosse apenas exibir os seus conhecimentos, gostos e opiniões, em que é que se distinguiria, por exemplo, do Herdeiro?
A Isabel desculpar-me-á por estruturar esta resposta de forma um pouco anárquica em relação ao ordenamento do seu comentário mas respondendo-lhe directamente ao que escreveu no segundo e quarto parágrafos não creio que se possa deduzir do que escrevi que tenha exigido que José Pacheco Pereira fosse banal nem que o tenha incitado a manter-se quieto e calado. Há coisa que ele escreve que eu gosto, outras que admiro, outras nem por isso e outras que suspeito serem um mero exercício de vaidade.
ResponderEliminarDesculpar-me-á também recorrer a trechos daquilo que me escreveu, é prática que não aprecio, mas, usando as suas palavras do terceiro e quinto parágrafos poderá explicar-me o que, na sua opinião, distingue substantivamente aquilo que designou por “as escolhas e actos” que “colocarão em evidência o que sabe, o que lê e o que pensa” daquilo que depois define como “objectivo” de “apenas exibir os seus conhecimentos, gostos e opiniões”?
É que o primeiro parece ser excelente e o segundo nem por isso, mas julgo estar na presença de sinónimos, a fazer lembrar o estilo (e perdoe-me a ironia) daquele famoso comentário: o chefe não lê o jornal, o chefe informa-se… Adaptando-o para este caso, Pacheco Pereira evidencia sabedoria, leituras e pensamentos, o resto do “maralhal” exibe o que sabe, o que gosta e o que acha. Não será um pouco excessivo, Isabel?
Terminando pelo princípio, registo com agrado o agrado que se percebe que a leitura do Abrupto lhe propicia. Quanto à beleza das palavras, só por si, penso já ter deixado a minha opinião expressa acima sobre o que considero as condições para a devida apreciação da poesia mas estendo-lhe a si o desafio que fiz a Alberto Marques de Braga, sobre o trecho do poema de François Villon, que suponho que deva ter gostado muito.
Folgo muito com a sua visita, sobretudo depois de ter constatado que cá veio ter depois de uma pesquisa directa no Google a este blogue. São sempre gestos que tocam. Faço-lhe apenas notar que o nome do blogue é “Herdeiro de Aécio” e não “Herdeiro do Aécio”. Sabe, apesar de herdeiro, nunca tive muita convivência com o senhor…