02 dezembro 2006

O CARISMA DO PAPA


Dadas as características do poder papal, acaba por se aceitar que a cobertura jornalística dos acontecimentos associados com a sua actividade não estejam sujeitos ao contraditório comum aos restantes actores políticos internacionais. Mas o preço a pagar são os xaropes em que as coberturas noticiosas das suas deslocações normalmente se transformam, sempre repletas de grandes sucessos, momentos históricos e pequenos gestos, que não estavam previstos, que são sempre plenos de um significado que se encarregam imediatamente de nos explicar, a nós leigos…

Dar uma vista de olhos à cobertura de alguns jornais de hoje sobre a visita de Bento XVI a Istambul comprova cabalmente isso, com peças intituladas Uma imagem para fazer história, Bento XVI conseguiu a “paz de istambul” (sic) ou Bento XVI lançou pontes a ortodoxos e muçulmanos, a convidarem à ironia de que teria sido dispensável a intervenção dos jornalistas destacados para a cobertura do evento: o material produzido pelos assessores de imprensa do Vaticano teria tido um conteúdo semelhante e o mesmo resultado.

Por exemplo, não encontrei quaisquer análises mostrando como está seriamente ameaçado de extinção o campo de recrutamento de onde se pode eleger o Patriarca de Constantinopla, que segundo os tratados originais dos anos 20, só pode ser oriundo da comunidade grega de nacionalidade turca de origem e como esta tem diminuído das mais de 100.000 pessoas nesse tempo para os cerca de 5.000 na actualidade. Ora é evidente que o estatuto de um patriarca recrutado de um núcleo populacional idêntico ao de uma paróquia se ressente com isso, por muito forte que seja a simbologia das glórias do passado…

Embora haja quem o critique por outros motivos, é unanimemente reconhecida a extraordinária craveira intelectual do actual papa Bento XVI. Contudo, para o mundo moderno mediatizado ele possui um grande handicap: não é fotogénico, não gera simpatia e não é carismático. E teve um antecessor que, tendo sido isso tudo, habituou a comunicação social mundial à gramática das multidões ao redor do papa. Ora parece que quanto a expectativa de multidões à volta de Bento XVI só mesmo na Alemanha, e porque é a sua terra natal…

O âmbito das viagens de Bento XVI está assim condicionado pela sombra das de João Paulo II (1978-05) e Bento XVI vive numa época em que já não pode beneficiar do efeito de novidade das viagens papais que Paulo VI (1963-78), outro papa também sem qualquer carisma, gozou, quando se tornou no seu pioneiro na década de 60. Assim, enquanto a memória de João Paulo II durar, para além da sua Alemanha natal, Bento XVI estará confinado a viagens deste tipo, como a da Turquia, onde as comunidades católicas sejam irrisórias e a expectativa de banhos de multidão esteja fora de questão.

O que aqui está não é uma análise aprofundada, apenas as conclusões de alguns simples factos comuns, porventura mais interessantes que os vários momentos históricos que se anuncia que se viveram em mais esta viagem papal. Histórico já havia sido o encontro entre Paulo VI e o patriarca de Constantinopla Atenágoras I, em Jerusalém, em 1964 (há 42 anos, portanto...), quando ambos haviam levantado a excomunhão recíproca que perdurava desde 1054, data do Grande Cisma que separara as igrejas católica e ortodoxa. Quantos serão os que ainda hoje se lembram desse acontecimento também histórico?

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