23 dezembro 2006

A BÉLGICA AQUI TÃO PERTO

Conversar com um belga e aprender as dificuldades específicas por que passam os habitantes de um país dividido por uma tão marcada barreira linguística é um exercício muito interessante. Uma das primeiras coisas que aprendi foi sobre a dificuldade, sem ser por contacto directo, de identificar a qual das duas comunidades – flamenga (de língua holandesa) ou valã (francófona) – pertence um belga.

Deduzi eu que, excluída evidentemente a aparência, o nome próprio e o apelido poderiam fornecer uma indicação sobre a comunidade a que pertenceria qualquer belga. Foi uma teoria logo desmontada com o exemplo da minha interlocutora que, apesar de ter um nome com a ressonância francófona de Hilde Detré, era (orgulhosamente) de origem flamenga.

Em contrapartida o campeão de automobilismo Jacky (Jacques) Ickx – e este é um apelido de sonoridade caracteristicamente flamenga – é um francófono de Bruxelas mas, por sua vez, o campeão de ciclismo Eddy (Edouard) Merckx* nasceu na zona flamenga da província do Brabante. E podemos finalmente apontar o exemplo de Georges Simenon como um francófono com nome disso.

Mas a família materna de Simenon era originária do Limburgo, província de língua flamenga. Muitos casamentos na Bélgica são mistos – como acontecia, aliás, com o da minha amiga Hilde – e uma proporção apreciável dos belgas são fluentes nas duas línguas nacionais, nem que seja passivamente, compreendendo perfeitamente aquilo que é dito na outra.

A partir de um certo extracto social, fugir a esta regra não escrita é considerado uma grande descortesia, como acontece com a actual Rainha Paula, a esposa de origem italiana do Rei Alberto II, que não é bem quista entre todos os flamengos porque não o fala, ou como a sogra da minha amiga Hilde que, fingindo não entender o flamengo, como que obrigava os restantes convivas a falar francês à mesa de Natal…

Ter deixado passar algumas destas pequenas idiossincrasias em claro justifica a minha opinião de considerar o livro Astérix chez les Belges como uma das obras menos conseguidas de Goscinny, que tantas vezes aqui enalteci, embora compreenda como o assunto linguístico e seus derivados sejam um tópico que muitos belgas não vejam com humor. Atente-se como foi a reacção a um recente programa de ficção da RTBF sobre a divisão da Bélgica.

Falando de clivagens vincadas, temo-las também, agora acentuadas, num partido político português, onde à coexistência das duas facções sob a mesma sigla (aliás, duas siglas…) nem se pode dar a designação de casamento de conveniência. É transparente como os órgãos dirigentes nacionais do CDS/PP só andam a perder tempo em exercícios de autoridade que não são acatados pelos seus deputados, a começar pelo dirigente do grupo parlamentar, Nuno Melo.

Já aqui mostrei não ter em grande consideração a argúcia de Nuno Melo, mas, se bem adivinhei o raciocínio que está por detrás das suas atitudes, ele até é defensável embora discorde da maneira como conduz a sua defesa. Para Melo exige apenas uma fonte de legitimidade, a daquele que ele considera que melhor consegue os votos – logo os lugares de deputado – para o seu partido: Paulo Portas, agora num período de interregno auto imposto.

Fora dos períodos eleitorais, existem uma espécie de comissões administrativas que tomam conta dos partidos da oposição com vocação governamental. Isto assim faz-me lembrar a resposta que obtive ao perguntar a outro amigo belga sobre o que mantinha a Bélgica unida. A resposta veio, simples: - O Rei Balduíno! (era o monarca na altura, falecido e substituído pelo seu irmão, Alberto II). Por cá, parece que no CDS/PP parecem estar sem rei… nem roque.

* Note-se como a página oficial da internet de Ickx está redigida em francês ou inglês, enquanto a de Merckx está apenas em inglês...

4 comentários:

  1. Desde que o rei abdicou (Freitas do Amaral) o único roque que lhes resta... é o do xadrez.
    Paulo Portas, para mim, não passa de um “bluff” convencido e não convicto.

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  2. E a Paulo Portas dificilmente se pode aplicar a célebre expressão "o Roque e a amiga", a não ser que esta seja uma das tais das séries americanas da "L Word"...

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  3. Os belgas, coitados, são as "têtes de turc" dos franceses, ou seja, são os alentejanos dos fanfarrões gauleses que sobre eles contam histórias com barbas, daquelas que nós já atribuíamos a Samora Machel.
    Histórias que não são propriamente um hino à inteligência dos belgas.
    Curioso é que o homem que mais e melhores trocadilhos fez com a língua francesa (Raymond Devos) era belga...

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  4. Para os valões, o flamengo é fraca língua, quase um "patois", palavra que nós, larocamente, transformámos em "patuá".
    Ora, hoje, véspera de Natal, posso anunciar-vos, Mesdames et Messieurs (assim começava Raymond Devos),
    no calor do lar do augusto Impaciente Português, não vai haver bacalhau, não senhores.
    Não há bacalhau, mas pato há...

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