04 dezembro 2006

SÉGOLÈNE?

Se a globalização tem a sua expressão económica no abaixamento do preço e na perda de qualidade dos produtos (à chinesa), parece estar a ter a sua expressão política na simplicidade do debate e na perda de qualidade dos eleitos (à americana). Começo a suspeitar que, do exemplo George W. Bush (com eleição e reeleição!), não se extraíram as devidas conclusões quanto às consequências de colocar alguém manipulável mas de boa figura eleitoral a ocupar um cargo de extrema responsabilidade.

A possibilidade que uma candidata à presidência em França como Ségolène Royal venha a vencer as eleições é algo que encaro naturalmente com simpatia e agrado, reforçado pelo facto de ser inédito. Para mais, num país em que, por força da sua legislação histórica (a Lei Sálica), nem conta com Rainhas no seu historial. Embalado por essa predisposição simpática, e por boas indicações nas sondagens, começou por me surpreender a constelação de figuras gradas dentro do PS francês que se opuseram à sua nomeação.

Mas a verdade é que Ségolène ganhou folgadamente as primárias dentro do PS, com mais de 60% dos votos dos militantes, sensivelmente o triplo de qualquer dos outros dois concorrentes (Strauss-Kahn e Fabius). Causou impacto a resposta que deu à pergunta sobre o que a distinguia dos outros candidatos – há uma diferença óbvia sobre a qual não me vou pronunciar – mas é uma resposta que vale mais pelo efeito soundbite do que pela substância da afirmação.

Durante o fim-de-semana passado, agora já submetida ao escrutínio de uma concorrente ao Eliseu, Ségolène deslocou-se ao Líbano onde foi dizer as coisas que se esperava que ela dissesse, mas onde acabou por escutar coisas que não era esperado que ouvisse – os insultos da parte de um deputado do Hezbollah libanês ao referir-se a Israel e aos Estados Unidos – o que permitiu aos opositores e apoiantes do rival Sarkozy criar um incidente de cariz político, questionando – no meu caso, com eco – o estofo da candidata.

Concebida originalmente para Charles de Gaulle, esta Constituição da V República francesa está configurada, tal como o está a dos Estados Unidos, para que seja alguém com uma personalidade forte e com fortes convicções que ocupe a presidência. Está-se a ver o que pode acontecer quando aquele cargo é ocupado por alguém muito mediano como é o caso de Jacques Chirac ou o que aconteceu quando é ocupado por alguém ainda mais fraco como é o caso de George W. Bush.

Ninguém espera que Ségolène Royal se venha a tornar numa nova Margaret Thatcher, e, aliás, os serviços da sua candidatura são os primeiros a rechaçar essa comparação quando surge pelos mais diversos motivos. Mas julgo convir à França que o Eliseu venha a ganhar um(a) inquilino(a) que tenha algumas opiniões sólidas e a coragem de se submeter à impopularidade, depois de doze anos em que, segundo as más-línguas, a França tem vindo a ser governada por alguém que tem sempre a mesma opinião da última opinião escutada.

É que com Sarkozy, eu não gosto de muito – se calhar, da maioria - do que ele pensa, mas não tenho dúvidas quanto à autoria das ideias…

2 comentários:

  1. Parece-me que, por cá, também existem montes de ideias “brilhantes” paridas por mentes não menos resplandecentes mas, como seria de esperar, não passam de intenções...
    Ao primeiro sopro de vento, voam e nunca mais são vistas (nem ouvidas!).

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  2. Sarkozy tem ideias definidas sobre temas muito concretos da vida dos franceses, o dia-a-dia, o essencial, não uma certa ideia para a França ou um certo perfume de socialismo.
    Com isso, com mil promessas que não cumpriu, foi Mitterrand eleito.
    Sarkozy pode puxar um bocado para a direita, mas a esguia Segolène parece possuir poucos trunfos para além do "charme".
    Será suficiente? Dubidu...

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