30 setembro 2006

… E DÊ POR ONDE DER, A CULPA É DELE!

Num daqueles textos de jornal de fim-de-semana de altos e baixos, a subir e a descer, positivo e negativo, pode-se ler o seguinte texto ao lado da fotografia de Manuel Pinho, assinalando o Ministro da Economia com sinal negativo:

A Johnson despede pessoas. A Blaupunkt rescinde contratos. É evidente que Manuel Pinho não é responsável por nenhuma destas empresas, assim como o Governo português não dá ordens de permanência a empresas nacionais ou estrangeiras. Agora que não é bom para a imagem da retoma da economia portuguesa, lá isso não é.

É evidente que os autores deste texto(*) têm todo o direito de ter as suas animosidades pessoais, embora tenham de se esforçar por razões profissionais óbvias por disfarçá-las. Agora que nestas ocasiões, com argumentações deste estilo, não se nota nada desse seu esforço e que isso pode afectar a sua imagem de isenção, o que não é nada bom para eles, lá isso não é…

(*) Nuno Sá Lourenço (do Corta-Fitas) e São José Almeida, se bem decifrei as iniciais...

ATRAVESSANDO A COZINHA…

É diante de pequenos episódios em que, por vezes, temos a oportunidade de fazer uma espécie de visita inesperada aos bastidores de um espectáculo que nos é regularmente apresentado. E é dessas vezes, por pequena que seja a visita e por muito pouco que tenhamos visto dos bastidores que ficamos com certezas que as suposições cínicas e maldosas que fizemos em momentos de irritação se parecem confirmar justificando uma imagem que, por vezes, se emprega para essas circunstâncias: em certos restaurantes, se os clientes atravessassem as cozinhas para chegar à sala de jantar, ninguém almoçava...

O restaurante metafórico tem aqui o nome de jornal Público, e o cozinhado foi um artigo ali publicado onde a jornalista que o assina, complementando a sua falta de cultura geral com manifesta falta de rigor, resolveu improvisar uma nova patente da Armada chamada… capitão-de-frota. Um pormenor que até pode ser apreciado pelo seu lado irónico, como aqui o fiz num poste e que até o aproveitei para enviar para as cartas ao director do jornal. Evidentemente que não esperaria que o referido post, que até poderá ser considerado uma provocação, ali fosse publicado...

Em contrapartida, contígua ao local onde se publicam às cartas ao director existe um pequeno espaço diário, discreto, intitulado o público errou, onde se procedem a pequenas rectificações das notícias anteriormente publicadas. Admiti eu que talvez o lapso da jornalista merecesse uma nota idêntica à que dá conta hoje, por exemplo, que Pedro Boléo acompanhou o concerto de Remix Ensemble no Festival Músicas de Hoje em Estrasburgo a convite do próprio festival e não da Casa da Música. Mas não.

Ainda admiti que o Público tivesse assumido não ter errado não se desse a circunstância de, nas notícias sequentes sobre o mesmo assunto assinados pela mesma jornalista, os oficiais da Armada envolvidos no caso de corrupção na aquisição de equipamentos se terem visto despromovidos, deixando de capitanear a frota toda para capitanear apenas uma fragata… Uma outra explicação possível será a de que o critério jornalístico seguido pelo jornal tornar o lapso inserto na tal notícia de anteontem num assunto nada relevante quando comparado com o esclarecimento sobre quem terá afinal convidado Pedro Boléo…

Agora, um pouco mais a sério…, por resultados anteriores aparentes sempre me suscitaram as maiores dúvidas qual será a seriedade do Público naquelas rubricas construídas – como o é, também, a coluna do provedor do leitor, onde se analisam as queixas dos mesmos… - para que dele se dê uma imagem de transparência e contrição quantos aos erros e lapsos cometidos pelo jornal. Por tudo o que se disse do episódio mencionado, aquelas dúvidas até saem muito mais reforçadas no sentido de o deixarem de o ser. Não se torna grave, apenas porque o lapso referenciado também não o é.

Mas dá que pensar e imagine-se o que acontece quando o for, e quando a motivação seja muito superior para que o jornal volte a ser intelectualmente desonesto para salvar a sua face…

TV NOSTALGIA – 11

Embora não fossem frequentes, as séries de televisão de origem italiana (RAI) também apareciam ocasionalmente na nossa televisão. Uma das coisas que recordo delas é que a palavra italiana para episódio tem uma sonoridade vigorosa inigualável: puntata, quarta puntata... Outra característica das produções italianas era a escolha do protagonista. Normalmente era escolhido alguém que iria agradar sobremaneira ao público feminino… Fosse em Sandokan (acima) ou em O Polvo (abaixo), não haja dúvidas que o protagonista fixaria, como hoje se diz e apenas pela sua figura, uma boa audiência feminina, independentemente de qual fosse o argumento...

29 setembro 2006

LIONEL JOSPIN

Talvez seja a distância que nos leva a analisar os acontecimentos com outra atitude, mas confesso que não consigo encontrar qualquer cabimento para o editorial elogioso que o Le Monde resolve hoje dedicar à decisão do socialista Lionel Jospin por se retirar da corrida à próxima eleição presidencial.

Recorde-se, para aqueles que não seguem a política francesa, que Jospin já foi o candidato dos socialistas por duas vezes àquelas eleições, tendo-as perdido, a segunda das quais directamente para Jean-Marie Le Pen, o patriarca da extrema direita francesa, que passou à segunda volta das eleições em seu detrimento.

Naquela oportunidade, e dada a humilhação sofrida, Jospin fizera juras e mais juras em como iria abandonar toda a actividade política. Agora, parece repetir-se mais ou menos a mesma cena, perante a análise aprovadora do Le Monde, que parece registar todas as incoerências passadas e presentes de Jospin como assuntos de pormenor.

Pelos vistos, não é apenas em Portugal que os políticos têm uma deontologia própria de políticos que, com a devida cumplicidade dos jornalistas, lhes permite proclamar as maiores patranhas e depois desdizerem-se com a maior impunidade, vide esta outra notícia do Le Monde em que de Villepin afirma não ter ambições presidenciais…

QUEM VOS VIU E QUEM VOS VÊ…


TV NOSTALGIA – 10

Melhor do que as lamúrias de Jack Lang, antigo e notório ministro da cultura francês, que queria defrontar administrativamente a dominação do audiovisual norte-americano...
...a escola da comédia britânica para televisão demonstrou que pode haver outros métodos de conferir capacidade de competição aos produtos para televisão de origem europeia.
Para além do genial Monty Phyton Flying Circus (imagem inicial), a merecer uma categoria isolada, na década de 70, houve consecutivas séries de humor britânicas...
...como Some mothers do ´ave ´em, Benny Hill, Goodies ou Fawlty Towers que passaram na RTP que acabaram com o efectivo duopólio do humor (entre o nacional de tipo revisteiro ou o norte-americano) que havia predominado até àquela época na nossa televisão.

28 setembro 2006

CAPITÃES DE FROTA

Se fosse notícia nem chegaria a ser notícia, apenas um pormenor de somenos, não se desse a circunstância de o pormenor ter surgido numa notícia de jornalismo de investigação, justamente aquele onde se exige que o rigor seja indispensável e não acrescesse a isso o facto da tal peça de jornalismo de investigação ter sido publicada num jornal de referência como se reclama o Público.

A notícia vem na página 13, é assinada por Tânia Laranjo e diz respeito à suspeita de corrupção nos concursos para aquisição de armamento na Armada, envolvendo dois empresários civis e três militares. Onde a porca torce o rabo é na identificação dos militares, de que apenas são referenciadas as suas patentes, sendo um deles sargento e os outros dois com uma patente nova na Armada portuguesa: capitão de frota!

Aliás, seriam patentes bastante voláteis, do género das que se perdem automaticamente após uma detenção, leia-se atentamente a redacção da notícia: Dois eram capitães de frota e um terceiro tinha a patente de sargento. Falho de outras informações temos assim os prováveis dois capitães-de-fragata e o sargento detidos e ainda por cima reduzidos à condição de marujos…

Falho de outra sugestão melhor, sugeriria à Dra. Tânia Laranjo que acompanhasse uma série chamada JAG, que passa no canal AXN da TV Cabo, onde poderá constatar que os marinheiros, mesmo detidos, mantêm as patentes de origem e que, com um simples contacto com alguém que esteja familiarizado com as patentes militares (que tenha feito o serviço militar, sei lá eu!...), em vez da improvisação, a informaria que na Armada portuguesa não existia a patente de capitão-de-frota e que o fr era abreviatura de fragata...

É que assim, criam-se condições para que haja especulações (maldosas, certamente!) sobre o rigor que a Dra. Laranjo poderá pôr nas suas investigações jornalísticas e, a atender no parco resultado que está à vista na referida notícia, as conclusões que se podem extrair não lhe são benéficas…. Uma palavra final para quem esteja encarregado das revisões finais no jornal que também estarão dispensados de quaisquer felicitações…

FLÁVIO AÉCIO – II

Perdido entre um grandioso elenco de grandiosas figuras na história romana, nem deveria haver razões para que Aécio se destacasse pelos seus feitos considerando o peso da concorrência. Mas Aécio acaba por representar muito mais do que aquilo que foi como personagem histórica e terá sido isso a despertar o interesse dos grandes historiadores de Roma do passado como Gibbon ou Mommsen.

Consideraram estes que o assassinato de Aécio, perpetrado por ordens do imperador Valentiniano III, foi um verdadeiro suicídio político, que precipitou o desmoronamento final do domínio romano no Ocidente, extinto 22 anos depois, atribuindo Gibbon ao moribundo, como bom romântico que era, uma frase em que comparava o gesto do seu assassinato ao de alguém que usou a sua mão esquerda para decepar a sua mão direita.

Como o último dos romanos – a expressão também é de Gibbon e é repetidamente evocada desde então – Aécio representou para algum mundo de eruditos da história romana uma espécie de símbolo da grandeza do Império Romano que se perdera com as invasões bárbaras. E, por arrasto, também pode ser evocado como um símbolo da unidade europeia, especialmente da Europa ocidental.

Ao contrário de Carlos Magno, Carlos V, Napoleão ou Adolfo Hitler, que estavam a perturbar o status quo europeu enquanto construíam os seus impérios, a personagem de Aécio parece-nos muito mais simpática porque estava a defender esse status quo quando tentou preservar o que ainda restava do Império Romano no ocidente: na configuração moderna, Itália, França, Bélgica, Renânia (Alemanha), Suíça, Áustria, Croácia, Eslovénia, Espanha e Portugal.

E para quem pensa que há vantagens em abraçar o projecto de Unidade Europeia, que é a única forma da Europa ter um papel importante no futuro, há que não esquecer que o único projecto político de unidade europeia que, de facto, funcionou (e por 500 anos!) foi o do Império Romano. Vale a pena estudá-lo e compreender porquê…

27 setembro 2006

EM ELOGIO DO FENÍCIO DE GOSCINNY


É bem possível que quem já tenha lido as histórias de Astérix se recorde de um navegador e comerciante fenício com quem os heróis se cruzam frequentemente quando precisam de viajar, normalmente por mar. A particularidade do barco fenício é que, ao contrário dos restantes barcos retratados nas histórias do Astérix, os seus remadores não eram escravos, mas tinham outros estatutos bizarros, como o de accionistas de uma sociedade em que eles não tinham sabido interpretar bem o contrato que haviam assinado, ou companheiros de uma alegre excursão onde estavam encarregues de algumas pequenas tarefas adicionais, ou tinham caído noutra esparrela qualquer.

Há alguns dos mais devotados defensores do liberalismo duro que escrevem no blogue Blasfémias que me fazem lembrar aquele fenício genialmente inventado por Goscinny. A dois níveis. Em primeiro lugar, porque os seus estilos de argumentação na defesa do liberalismo fazem lembrar, em honestidade intelectual, a honestidade que parece intrínseca à personagem do fenício nas histórias do Astérix. Em segundo lugar, porque quando esses liberais militantes argumentam na defesa das virtudes da livre iniciativa, onde desenham um mundo onde só existem honestos empresários empreendedores, parecem-me desenhar involuntariamente, tal o exagero, uma sociedade ideal para a afirmação de exemplares deste afamado fenício que vive à custa das suas vítimas...

SACO DE PANCADA

Depois de ter andado nos cabeçalhos de quase toda a comunicação social, o Compromisso Portugal por quem António Carrapatoso, Alexandre Relvas e mais uns quantos têm dado a cara transferiu-se agora para as páginas de opinião, onde o conteúdo das notícias difere substancialmente das da primeira fase.

No Público de hoje, na página 6, há um abaixo-assinado dirigido à Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) desafiando-a para que questione a mecânica que terá estado por detrás da promoção desenfreada e encomiástica promovida pelos jornais económicos (Jornal de Negócios e Diário Económico, suponho) a todo o evento promovido no Beato.

Ao lado daquele, Joaquim Fidalgo assina uma peça troçando do nome da organização donde, designando-se por Compromisso Portugal, se esperaria um discurso onde se assumissem uma lista de compromissos próprios em vez de um ror de recomendações para sectores alheios implementarem.

No Diário de Notícias é Helena Garrido, no editorial, que aproveita as conclusões de um relatório sobre competitividade global, emitido pelo Fórum de Davos, para atacar uma das causas dos problemas da economia portuguesa segundo o relatório, a falta de qualidade geral dos seus empresários, tópico que esteve escancaradamente ausente da reunião do Beato.

Estou convicto que existe uma grande incompatibilidade sociológica entre o liberalismo puro e duro preconizado pelos compromissários e a sociedade portuguesa. Pior do que isso – no estilo de proeza de circo: agora ainda mais difícil, de olhos vendados… – resulta do facto do liberalismo duro estar associado na blogosfera a pensadores do quilate de Pedro Arroja, de João Miranda...

Agora a sério, há que recordar que a primeira reunião do Beato em 2004 já tinha bordejado o risível quando, pouco tempo depois dela se ter realizado, uma das caras do Compromisso Portugal – Vaz Guedes da Somague – se descomprometeu e acabou por vender a sua empresa aos espanhóis. Foi só ridículo, mas foi muito ridículo!

Reencenar a mesma peça em 2006, para repetir essencialmente a mesma mensagem a uma opinião pública que já deu sinais de saturação de treinadores de bancada e a um governo muito mais hostil a discursos liberais, há que reconhecer que foi uma jogada completamente errada de que os promotores estão agora a colher os frutos, por muito que eu considere Alexandre Relvas.

26 setembro 2006

FLÁVIO AÉCIO (396-454)

Para todos os que chegam a este blogue à procura de saber coisas sobre Aécio, nomeadamente os que procuram detalhes sobre Aécio Neves, jovem promessa política mineira, deixem-me explicar-lhe que o Aécio de quem este blogue reclama a herança se chama Flávio Aécio e era uma jovem promessa política… romana, há 1600 anos.

A data de nascimento de Aécio mais aceite pelos historiadores é 396, e o local Silistra, uma cidade na margem direita do rio Danúbio, muito próxima da sua foz, na Bulgária actual. Na época o Danúbio era a fronteira do Império Romano e por isso não é surpreendente que, segundo as crónicas, embora se atribuísse à mãe de Aécio uma ascendência romana latina (e mesmo uma origem italiana), a do seu pai Gaudêncio já é mais disputada, referindo as fontes origens germânicas senão mesmo góticas. Isso não o impediu de alcançar o posto proeminente de Magister Militum (o equivalente antigo ao cargo de comandante chefe de um teatro de operações, neste caso a Mésia – Bulgária).

Terá sido por isso que, como era prática naquela época, Aécio foi usado mais do que uma vez como refém junto das cortes das tribos que dominavam as regiões fronteiriças do Império. Como segurança para a demonstração da boa fé negocial era prática estabelecida que os negociadores trocassem reféns que lhes fossem próximos. Aécio, o filho do representante principal da parte romana passou assim, enquanto jovem adolescente, largas temporadas (de anos) nas cortes do soberano godo (Alarico) e huno (Rugila) adquirindo assim um conhecimento e empatia com as suas culturas que lhe virá a ser muito útil mais tarde, nas sua carreira política.

Esta parece até ter começado mal. O primeiro registo histórico de uma proeza de Aécio é uma enorme gaffe. Tendo sido encarregado, por causa dos seus contactos, de recrutar uma tropa mercenária de cavaleiros hunos por conta de um pretendente ao trono que pretendia derrubar o Imperador, descobriu, quando regressou a Itália, que o usurpador havia fracassado e sido executado. Aécio devia ser muito persuasivo (algo que lhe será muito útil, e ao Império, trinta anos mais tarde) e conseguiu virar a casaca e obter ao serviço do poder legítimo os pagamentos que ele havia prometido aos mercenários, que estes não iriam deixar de exigir a Aécio e que agora só o Imperador poderia honrar.

Sendo considerado dentro do Império como uma espécie de o amigo dos hunos e poderoso por isso, Aécio foi afastado de Itália com o engodo do cargo de Magister Militum, como seu pai, mas para a muito mais prestigiada – possivelmente a mais prestigiada de todas – província da Gália. Na meia dúzia de anos seguintes o governo da metade ocidental do Império é um equilíbrio precário entre o centro – onde mandam os que rodeiam Gala Placídia, a mãe do imperador Valentiniano III – a Gália, onde Aécio reforçou a sua posição, reforçando a do poder romano, derrotando e contendo os visigodos a quem havia sido concedida licença a instalarem-se num recanto da Gália (a Aquitânia) e África, onde mandava Bonifácio, uma espécie de Nemésis de Aécio.

A importância da província africana e de quem a dirigia consistia na sua produção de cereais, que serviam para a alimentação da população italiana (especialmente romana). Depois da província do Egipto, rival de África nessa produção ter ficado sob o domínio do Império do Oriente, qualquer bloqueio de Bonifácio podia provocar carestia e enormes perturbações sociais nas sociedades que estavam junto à direcção central do Império. Para a corte do Ocidente, se Aécio e as suas ligações aos hunos a intimidavam, por outro lado, os poderes de Bonifácio sobre o abastecimento de Roma tornavam-no indispensável.

O choque entre os dois ocorreu em Itália em 432, numa batalha no norte de Itália. A sorte esteve com Aécio que, perdendo tacticamente a batalha, veio a vencê-la politicamente porque Bonifácio saiu dela mortalmente ferido vindo a morrer alguns meses mais tarde, embora haja quem ventile a hipótese de Bonifácio tenha sido envenenado. Em contrapartida, não há grande controvérsia quanto às consequências do desaparecimento de Bonifácio e da ascensão de Aécio que se tornou depois disso, em tudo, menos no título, soberano do Ocidente romano. Como comprovativo e prática comum da época entre os que efectivamente detinham o poder, Aécio deixou-se eleger como cônsul por 4 vezes: em 432, 437, 446 e 454.

O grande feito de armas de Aécio, que é também considerado o episódio mais controverso da sua vida, foi a vitória que obteve, à frente de uma confederação de contingentes de romanos, visigodos e alanos, contra uma outra confederação dirigida por Átila, o rei dos hunos e composta predominantemente por hunos, ostrogodos e burguinhões, na Batalha dos Campos Cataláunicos em Junho de 451. É muito possível que a composição dos dois exércitos fosse muito mais confusa do que a que acima foi descrita (exemplo: haveria hunos mercenários a lutar com Aécio) mas não há confusão quanto aos projectos políticos por que lutavam: Átila queria atingir a suserania sobre o que restava do Império de Ocidente e Aécio estava disposto a negá-lo.

Embora o resultado da batalha pareça ter sido um empate táctico – como aconteceu em Waterloo, por exemplo – Aécio alcançou naquele dia uma vitória estratégica porque era Átila – como Napoleão 1364 anos depois – que necessitava desesperadamente de obter a vitória para poder consolidar a sua frágil confederação de interesses. Derrotado na Gália, Átila fez uma inflexão nos seus esforços e regressou no ano seguinte atacando a Itália, ocasião em que Aécio, falho da coligação que havia mobilizado no ano anterior apenas pode ir fazendo a cobertura das forças invasoras e utilizando o instrumento diplomático até conseguiu persuadir Atila a retirar através de argumentos que hoje desconhecemos.

Este retrato de Aécio, como um político multifacetado, que já havia colocado o seu filho na família imperial casando-o com a filha do Imperador, em que se conjugava e se empregavam tanto as habilidades militares como as diplomáticas, de uma forma indistinta, era como um verdadeiro percursor do perfil dos grandes estadista bizantino do futuro. A carreira de Aécio também acabou da mesma forma de intriga bizantina, com o seu compadre Valentiniano III - o imperador – a mandá-lo assassinar em Setembro de 454. Após tantos anos, permanece uma figura controversa, e é apenas de lamentar que as únicas narrativas a seu respeito pertençam ao bispo Gregório de Tours (540-594), baseado nos relatos de um historiador contemporâneo de Aécio no século V, Renatus Frigeridus, cuja obra infelizmente se perdeu.

25 setembro 2006

GOOD BYE, LENIN!

Para os nostálgicos da República Democrática Alemã e para aqueles que, nas novas gerações, queiram saber como se vivia numa daquelas sociedades socialistas avançadas, resultantes das aprofundadas investigações científicas dos teóricos do marxismo-leninismo, foi inaugurado recentemente em Berlim um Museu dedicado ao tema. Era o tipo de sociedade que produzia os filmes de animação que Vasco Granja teria gostado que nós gostássemos (ver post anterior), mas onde uma banana era uma iguaria de luxo!

Para quem viu e gostou, como eu, do filme Good bye, Lenin!, um dos raros registos em que a cultura alemã demonstrou conviver bem com um humor que fosse compreensível pelo resto da humanidade, tem agora em Berlim a oportunidade de tomar conhecimento da maneira de viver dos ossies*, como se tivessem sido uma espécie bizarra de alemães, da mesma forma que, na Exposição do Mundo Português de 1940, os portugueses da altura se maravilharam com as casas em palafitas de Timor.
* De Ost, Leste em alemão, designação dos habitantes originários da Alemanha oriental (RDA).

TV NOSTALGIA – 9

Não deixa de ser um pouco paradoxal como os desenhos animados, que são afinal deliberadamente concebido para se valorizarem com a presença da cor, se tornaram em programas tão populares e tão apetecidos na programação de uma televisão que emitia… a preto e branco.
Jorge Alves, que era o apresentador de um programa que tratava da apresentação da programação para a semana seguinte chamado Cartaz TV, fazia questão de guardar sempre um restinho de tempo para uns efémeros 30 segundos finais de desenhos animados, conquistando assim uma audiência cativa por causa daquele meio minuto.
De memória, e procurando preservar o espírito do preto e branco com que nos entretinham na altura, descobri as imagens que aqui insiro de Mickey (todavia, as produções da Walt Disney raramente passavam na RTP) do Mighty Mouse, do Woody Woodpecker, do Bugs Bunny e do Porky Pig.
Depois do 25 de Abril de 1974 e com o aparecimento de Vasco Granja nos programas de animação na televisão, ainda a preto e branco, travou-se uma espécie de guerra-fria, embora fosse uma disputa suave, entre os filmes de animação do Leste e do Ocidente, onde o desfecho final prenunciou a derrota do socialismo que veio a acontecer em 1989.
É que a grande maioria dos espectadores só se dispunham a ver todos aqueles interessantes filmes de animação húngaros, polacos e soviéticos porque Vasco Granja – que era militante comunista, como só vim a descobrir este ano… – guardava inteligentemente os filmes que sabia terem mais sucesso (os norte-americanos) para o fim.
As crianças que estavam em minoria e que genuinamente apreciavam as azougadas animações búlgaras e checas, possivelmente transformaram-se em adultos como Bernardino Soares, o tal por onde ainda hoje perpassam inquietações e hesitações sobre a natureza democrática do regime norte-coreano…
Uma nota mais séria: Vasco Granja bem merece a inserção de uma referência a si neste poste em reconhecimento do seu trabalho de divulgação do cinema de animação e da banda desenhada em Portugal.

24 setembro 2006

INDEPENDÊNCIA OU MORTE

Seria preferível que a recente conferência de imprensa dada por três encapuçados em nome da ETA tivesse sido realizada por alguém que, para além do gosto pelas actividades teatrais e por se mascarar, não representasse de forma alguma o modo de pensar da organização pela qual se queriam fazer representar.

Porque as afirmações contidas na referida conferência com proclamações de lutas de armas na mão até à independência de um estado basco socialista são, depois de tudo o que já aconteceu, demasiado extremadas e graves para que não possam suscitar pressões da opinião pública para que o aparelho do estado possa desencadear algumas acções que abanem violentamente a auto confiança demonstrada pela referida conferência de imprensa.

Imaginando, por momentos, que nesta longa disputa que se trava no país basco se estava perante um conflito tradicional em período de armistício, a proclamação ora feita – uma vitória total das próprias teses – nas circunstâncias em que foi feita, era um convite a que o inimigo reatasse imediatamente as hostilidades e com o fito de apenas aceitar a rendição incondicional.

Pode parecer ténue, mas há uma diferença substantiva entre nacionalistas que recorrem ao terrorismo e radicais que apenas o usam como forma de tornar mais conhecidos os seus pontos de vista. Aparentemente confusa, na hora da chamada à mesa das negociações, é que se acaba por se fazer a distinção entre uns e outros. Depois de descartar a hipótese de negociar com o governo central espanhol do PP, a ETA já não tem condições politícas de manter a respeitabilidade, fazendo o mesmo com o do PSOE.

E com as organizações acima mencionadas em segundo lugar (como o eram as BR italianas, o RAF alemão ou as FP-25 portuguesas) não há nada para negociar e quando o estado se sente assim desinibido de exercer todo o seu poder porque conta com a benevolência da opinião pública os resultados costumam ser muito desagradáveis para esses radicais revolucionários… como desconfio que estes etarras (se o forem) grandiloquentes não tardarão a perceber…

Aproveitar-se-ia também o episódio, houvesse racionalidade na sua argumentação, para reflexão daqueles que defendem que as negociações são sempre possíveis e podem dar sempre resultados, mesmo com organizações geneticamente terroristas, mesmo com a Al-Qaeda...

¡ARRIBA EL SOL!

Se há uma tara que parecia genética do Expresso da anterior encarnação e que parece ter migrado para o novo Sol é o iberismo. Nem foi preciso chegar ao terceiro número para aparecer escarrapachado um título de primeira página alusivo à unidade ibérica: Um quarto dos portugueses preferiam ser espanhóis.

Como é costume nestes casos, lê-se nas páginas interiores (ainda não disponível) que a sondagem incidiu sobre muito outros tópicos mas que foi aquele precisamente o seleccionado pelo arquitecto – se ele continuar tão cioso da feitura das primeiras páginas como o era outrora... – para que lhe fosse conferido o devido destaque.

Analisando esse destaque atribuído a uma opção minoritária – conclui-se da notícia que para 28% de portugueses que preferiam ser espanhóis há outros 70% que preferiam não o ser! – gostaria de saber quais os resultados de uma hipotética sondagem para saber se os portugueses concordariam com a seguinte afirmação: o jornal Sol é dirigido por um imbecil pretensioso.

Seria até muito mais interessante descobrir a que categoria de respostas (concordância ou discordância) daria o jornal Sol – e o seu director - o respectivo relevo de primeira página. À maioritária ou à minoritária? Que faria em caso de grande equilibrio nos resultados das respostas?

TV NOSTALGIA – 8

 Sob o bombardeamento cerrado das séries originárias dos Estados Unidos dos anos 60, começou a surgir, a partir do início dos anos 70 uma outra escola concorrente, britânica, fruto da concorrência entre a BBC e as várias produtoras da ITV, onde predominavam as cenas de interior (haveria muito menos meios logísticos…) mas onde, para variar, os actores precisavam mesmo de saber representar…
Exemplos dessas séries com mais sucesso foram A Família Forsyte (The Forsyte Saga) da ITV, A Família Bellamy (Upstairs, Downstairs), Colditz (Colditz) e Eu, Cláudio (I, Claudius), todas da BBC, e contam-se entre as séries que, quando são transmitidas actualmente em reposições, parecem aguentar relativamente melhor o embate do tempo.

LA GUERRE DE TAIWAN N´AURA PAS LIEU*

Segundo sei, mandam as regras da etiqueta que o famoso arroz chau-chau seja recusado quando vem para a mesa, quando é servido numa verdadeira refeição chinesa. O arroz chau-chau é o último prato a ser apresentado na refeição, uma simples mistura de arroz com alguns ingredientes destinado à satisfação dos convivas que ainda estejam com fome. Por delicadeza, o convidado deve recusá-lo mostrando a sua satisfação com os pratos mais substanciais que lhe forma servidos anteriormente no banquete.

É um raciocínio igualmente rebuscado que vamos encontrar no livro a Arte da Guerra, de Sun Tzu (Século V A.C.), a respeito da forma como se descreve a utilização da componente militar quando inserida da estratégia global dos estados: o supra sumo da sabedoria e da perícia é alcançado quando, mesmo que o exército parta em campanha, o inimigo é derrotado sem necessidade da sua utilização. É um princípio que parece ter permanecido válido na China de há 2500 anos para cá.

Desde a proclamação da República Popular da China, em 1949, só por três vezes a China se manifestou de forma agressiva contra o exterior e, mesmo assim, fê-lo sempre em regiões muito próximas das suas fronteiras, em regiões interiores: em 1950, na Coreia, em 1962, na Índia e em 1979, no Vietname. Durante todo este mesmo período a China manteve três outros problemas de soberania, em regiões costeiras, aos quais não deu mostras de querer solucionar da mesma forma: em Taiwan, em Hong-Kong e em Macau.

O grau de empenhamento da China nos três conflitos, assim como o resultado que ela retirou dos mesmos é díspar: com 780.000 efectivos conseguiu a manutenção da divisão da Coreia e um estado tampão (Coreia do Norte) na península coreana em 1953, com apenas 20.000 e numa ofensiva relâmpago conseguiu uma vitória em toda a linha nas demarcações contestadas das fronteiras sino-indianas em 1962, método que não conseguiu repetir com 180.000 em 1979 contra o Vietname, onde apanhou uma tareia.

Este episódio de Fevereiro e Março de 1979, pode muito bem ter servido de lição às correntes mais entusiastas de soluções militares entre os dirigentes chineses, sobre qual poderia ser o tremendo custo político de um fiasco militar numa operação militar fracassada contra um inimigo que estivesse bem apetrechado para os rechaçar, como tinha sido o caso dos vietnamitas, acabados de sair da sua vitória contra os Estados Unidos, e como poderia vir a acontecer no caso de Taiwan.

As Forças Armadas de Taiwan estão muito bem equipadas, dispõem de um apoio generalizado na sociedade e têm uma missão evidente: defender a ilha contra uma invasão vinda da China continental num cenário que deverá ter sido e continuará a ser estudado até à exaustão. Como muitos outros invasores que precisaram de atravessar o mar no passado, a constituição de uma frota anfíbia (que a China ainda não parece dispor) servirá de aviso aos defensores da eminência dessa invasão.

Soube-se entretanto que Taiwan, prevendo a eventualidade dos Estados Unidos não estarem disposto a apoiá-los politica e militarmente, concebeu um plano de contingência prevendo a possibilidade de serem deliberadamente injectados vírus informáticos na net que pudessem vir a afectar substancialmente os Estados Unidos, no que se tratou de um dos primeiros casos de potencial aparecimento da guerra no ciberespaço, num tipo de ameaça que só tem eficácia se for tornada pública.

Entretanto a diplomacia e a paciência já fizeram Hong-Kong (1997) e Macau (1999) regressar à soberania chinesa, o que constituiu um reforço para aquelas correntes entre os dirigentes chineses que preconizam a acção indirecta. Politicamente, montou-se uma manobra paciente que está à espera que, em Taiwan, observando as experiências graduais de Hong-Kong e Macau, se convertam paulatinamente à inevitabilidade da junção política da ilha ao continente. A grande ameaça a isso são as correntes separatistas de Taiwan.

Aquele separatismo, que tem estado a ser tratado com muita atenção e rigor por Pequim, chegando a provocar a intervenção descarada do governo chinês na política interna de Taiwan, tem, ainda por cima, o problema de poder ter um efeito multiplicador por toda a China, um país demasiado extenso e complexo para não se poderem descobrir particularismos passíveis de ser explorados para fenómenos secessionistas. E esses mesmos fenómenos andam a ser acirrados por ritmos de desenvolvimento económico desiguais.

Em suma, verifica-se a possibilidade de, dentro de Taiwan e por razões meramente defensivas, haja quem possa desencadear processos – o separatismo - que possam ser apreciados como ameaçadores para a coesão nacional dentro da própria China. Este será o único cenário em que, remotamente, se pode conceber a invasão militar de Taiwan. Empreguei a expressão remotamente, porque, sendo bons discípulos de Sun Tzu (e de Mao Zedong), os dirigentes irão empregar evidentemente todos os outros instrumentos para evitar os riscos do conflito militar directo…

* A guerra de Taiwan não terá lugar. Também é um trocadilho com o título de uma peça de Jean Giraudoux, La Guerre de Troie n´aura pas lieu, de 1935.

23 setembro 2006

TV NOSTALGIA – 7







Uma das boas receitas para gerar sucesso junto da pequenada em séries de televisão nos longínquos anos de 60 e princípios de 70 consistia em dar um pretenso protagonismo na série a um bichinho, que fosse peludo de preferência.

Em Lassie, série norte-americana, era uma cadela, super peluda por sinal, que ladrava apenas uma meia dúzia de vezes por episódio, mas sempre que o fazia, fazia-o cá com uma eloquência!... Ão-ão poderia querer dizer que alguém-estava-desmaiado-numa-casa-onde-ainda-por-cima-havia-uma-fuga-de-gás. O herói de duas pernas apercebia-se logo do perigo. A Lassie usava uma espécie de antepassado do WinZip compactando as mensagens.

Muito menos eloquente era o Poly, um cavalinho anão de uma série francesa, que regularmente tirava o outro herói da série – uma criança – dos sarilhos cavalgando para longe deles. Mais do que isso, o Poly só abria cancelas e pouco mais. Se bem recordo, o Poly ainda veio mesmo a filmar alguns episódios a Portugal, mas os argumentos das histórias eram sempre os mesmos e a série nunca chegou a perder aquela característica dulcificada.

De um doce diferente, a puxar para o mais exótico (tipo Pisang-Ambon), era a série australiana do Skippy, realizada com um bocadinho de mais energia do que as anteriores e por isso recordada possivelmente com mais saudade, embora, objectivamente, haja que reconhecer hoje que o Skippy durante toda a acção se limitava a andar ali a saltitar de um lado para o outro, enquanto emitia estalidos.

Faltavam muitos anos para as séries com bicharocos ganhassem a sofisticação de um Kommissar Rex...

22 setembro 2006

PACHECO EM FORMA

É bom recordar quanto José Pacheco Pereira, em deixando-se de querer ser guerreiro, se pode mostrar em forma. Concordo plenamente com este seu poste do Abrupto, na forma e no fundo. É que, para quem procura andar informado, torna-se penoso justapor notícias como a do multimilionário Richard Branson que doou três mil milhões de dólares para pesquisas sobre como evitar o fenómeno do aquecimento global, e que passou praticamente desapercebida, e o bombardeamento a que fomos sujeitos a propósito dos nossos compromissários, que doaram umas ideias que nem manual de instruções têm sobre a forma de se implementarem...

TV NOSTALGIA – 6


Durante muito tempo pensei que o genérico da Thames Television (à esquerda) que precedia a apresentação da série O Mundo em Guerra (World at War) também dela fazia parte, até vir a descobrir através de outras séries (Benny Hill, por exemplo) que se tratava apenas do identificativo da produtora, no caso, um dos canais da rede da ITV britânica.

World at War é uma das várias evidências em como a televisão pode ser educativa, ao mesmo tempo que entretém. O conjunto de 26 episódios, com uma duração de cerca de uma hora cada, converte-se num verdadeiro compêndio sobre o que se deve saber sobre a Segunda Guerra Mundial. Ainda hoje, se torna muito útil, quando se quer explicar às gerações mais novas, com imagens de época, o que foi o Holocausto ou Estalinegrado.

Apesar de visto de uma perspectiva britânica – que afinal, de entre os vencedores, foi o único que lá esteve do princípio ao fim… - a locução de Laurence Olivier confere-lhe uma solenidade e uma sobriedade ímpares. O início do primeiro episódio, mostrando e evocando o massacre das SS em Oradour-sur-Glane na França em 1944, é simplesmente arrepiante…

© Jorge Coelho?

Comparando o artigo de opinião que Jorge Coelho assina no Diário Económico a respeito das declarações do Papa e a sua titubeante e inconclusiva intervenção no programa Quadraturadocírculo da SIC Notícias a respeito precisamente daquele mesmo assunto chega-se à conclusão que uma de três coisas se poderá ter passado, dada a clamorosa e evidente diferença de estilo entre as suas duas intervenções, escrita e oral.

A primeira hipótese é a de que Jorge Coelho poderá ter sedimentado as suas opiniões já depois do debate e terá sido só depois disso que redigiu o artigo que veio a ser publicado. Uma outra hipótese é que ele teve, desde sempre, as suas ideias muito bem arrumadas, a sua intervenção no programa de TV é que não saiu lá muito bem. Por fim, a mais maldosa mas também não menos provável, é a que equaciona a possibilidade de ele ter subcontratado alguém para lhe ir escrevendo alguns dos artigos que assina.

Para esta última hipótese, é obvio que a melhor abordagem é aquela parecida com a das bruxas para Sancho Pança: não cremos nelas…

21 setembro 2006

O DISCURSO DO COMPROMISSO PARECE-ME... COMPROMETIDO

Perguntam-nos qual é o nosso programa. O nosso programa é muito simples: queremos governar a Itália.

Estas frases datam de 1922, são atribuídas a Benito Mussolini e provam, entre muitas outras coisas, que os soundbytes, assim como provavelmente outros fenómenos do jornalismo político já foram inventados há muito tempo; a sua classificação com nomes estrangeirados é que é moderna e da era da blogosfera.

Mas o que me espoletou a memória deste soundbyte de Mussolini foi um outro soundbyte, este publicado hoje no Diário Económico e proferido por António Carrapatoso, mas que se situa nos antípodas do primeiro: Não somos um movimento político, nem temos ambições ou vocação governamental.

Ou seja, os primeiros eram uns executivos ambiciosos puros, arranjariam as ideias mais tarde quando chegassem ao poder; os segundos são uns intelectuais desinteressados puros, não se incomodam com o aproveitamento que as suas ideias poderão vir a ter por quem disputa o poder… E olha nós, a acreditar nisso tudo...

Mussolini já morreu e eu considero que sou capaz de já aqui ter batido em excesso em António Carrapatoso noutras ocasiões. Só que esse excesso deve ser entendido em relação às ideias por si apresentadas em textos que assina e nas intervenções públicas em que regularmente participa, que são poucas - as ideias!

Mas quando se toma por referência este enorme e despropositado folclore publicitário que aparece sempre montado à volta das iniciativas do Compromisso Portugal – envoltas numa mentira tão evidente… – há que reconhecer que, se calhar, há um enorme passivo de marretadas que Carrapatoso ficou por levar…

A MÁQUINA QUE ESTÁ A PERTURBAR A DEMOGRAFIA ASIÁTICA

Aquela antiga profecia, muito citada, mas completamente descabida, que os latinos seriam submergidos pelos germânicos, que seriam por sua vez submergidos pelos eslavos até à invasão final dos amarelos parece cada vez mais distante. As grandes movimentações não se processarão dentro da Eurásia, mas possivelmente virão do seu exterior, sobretudo de África.

A demografia dos países economicamente desenvolvidos da Ásia, como o Japão, é comparável à dos países homólogos da Europa: aumento da esperança média de vida, baixas taxas de natalidade, pirâmides de população muito semelhantes. Mesmo entre os países da segunda vaga de prosperidade (Formosa, Coreia do Sul, Singapura) a redução abrupta das taxas de natalidade copia quase rigorosamente aquilo que aconteceu na Europa meridional (Itália, Espanha e Portugal).

Mas há algo que as culturas asiáticas – quer as da esfera cultural chinesa, quer as da esfera cultural indiana – privilegiam de uma forma impensada para os padrões europeus: a obtenção de um herdeiro masculino. Até há bem pouco tempo o sexo do feto era um assunto forçosamente deixado ao acaso. Isso já não acontece e, recorrendo ao ecógrafo, que já está disponível mesmo nas remotas zonas rurais da Índia, as gravidezes só são levadas até ao fim no caso dele ser de sexo masculino.

Os efeitos disso começam a fazer-se sentir, cada vez em maior escala, nos dados demográficos da maioria dos países asiáticos que mostram uma desproporção artificial e crescente, favorável a crianças e jovens do sexo masculino. O problema começa a agora a fazer-se sentir no mercado nupcial. E globalizada como está a economia, não é de estranhar que coreanos solteiros venham arranjar esposas à China ou ao Vietname.

Mas é fácil de compreender que esta solução é apenas uma relocalização do problema das zonas mais ricas para as zonas mais pobres da Ásia, arrastando consigo, se se verificar em números significativos, algumas mudanças potenciais nas características da população da região importadora de esposas – a Coreia, por exemplo, é considerado um dos países com a população mais homogénea da Ásia.

Numa outra perspectiva, o número de noivas tradicionais também tem tendência para diminuir em resultado do desenvolvimento económico que está a abrir às mulheres asiáticas novas perspectivas profissionais que antes não existiam e que lhes podem condicionar as suas decisões em termos de vida pessoal, nomeadamente o casamento e a opção pelos filhos.

E este é um problema com uma tendência evidente para crescer, porque irá haver cada vez mais noivos sem noivas, cada vez menos noivas potenciais dispostas a ser noivas e, possivelmente, cada vez mais uma maior disparidade e também uma maior integração económica que permitirá aos noivos sem noivas ir arranjá-las com facilidade nos países vizinhos pobres. E depois, claro está, há o efeito de escala: os solteiros da Coreia do Sul ainda passam desapercebidos, os da China e da Índia, não…

Independentemente das deslocações internas dentro da Ásia, há que reconhecer que esta redução desproporcionada da população feminina em idade fértil irá afectar num futuro breve de forma negativa as taxas de natalidade dos vários países asiáticos, mesmo em países onde o desenvolvimento económico ainda não criou níveis de bem estar para que elas baixem pelas razões tradicionais.

TV NOSTALGIA – 5

Terá sido por uma tremenda coincidência, provavelmente mais duas das portas que Abril abriu, como diria Ary dos Santos, mas o aparecimento e o meu contacto quase em simultâneo com os filmes de artes marciais (vulgo Karate) e com os filmes pornográficos, levou-me a associá-los automaticamente desde aí.

A associação acaba por se revelar não tão descabida, porque a estrutura narrativa de qualquer dos dois géneros de filmes é até muito parecida: começa numa meia dúzia de linhas (penosamente representadas) de diálogo preliminar e passa-se rapidamente à acção, que foi para isso que o pessoal pagou o bilhete!

O espectador tipo que aprecia os dois géneros também se assemelha. São precisas toneladas de ingenuidade ou uma precisão e sofisticação de camionista de TIR de longo curso para acreditar que o herói consegue dar aqueles saltos mortais sem precisar de balanço ou que a heroína nasceu mesmo com aquelas mamas todas…

As surpresas daquela série Kung-Fu, passada na Televisão por aquela altura, consistiam na circunstância do herói ser eurasiático, mas preferir viver de acordo com os ensinamentos colhidos numa estadia num mosteiro taoista, ser modesto e uma espécie de anti-herói por causa disso e, sobretudo, porque havia muito pouca porrada

Entenda-se que muito pouca porrada é um conceito relativo. Não havia episódio em o herói não sovasse devidamente o mau, naquele seu estilo exótico de dar sovas, mas não sem antes o mau ter passado os primeiros dois terços do episódio a encher-lhe a paciência. É o que se chama arriar-lhes, mas com moralidade…

20 setembro 2006

TV NOSTALGIA – 4











As primeiras liberdades conquistadas por Fialho Gouveia (um veterano de sempre da RTP) no 25 de Abril foram as de fumar à vontade e de tratar o colega Fernando Balsinha mesmo quando à frente das câmaras simplesmente por Balsinha, dispensando as formalidades que, por aquela altura do dia, já estavam indissociavelmente associadas ao fascismo.

A boa disposição era tanta que Fialho Gouveia até achou a carne assada cozinhada pelo destacamento que ocupara as instalações da RTP muito saborosa. Ora é quase uma evidência, como qualquer indivíduo que cumpra o SMO bem depressa descobre, que, no exército, a carne assada ou qualquer outro prato do rancho, só muito raramente é que são muito saborosos…

As imagens colhidas no Largo do Carmo mostravam um delírio colectivo e um Francisco Sousa Tavares de megafone em riste a explicar porque é que a oposição democrática nunca poderia ter sido popular, ao discursar comparando a importância dos acontecimentos daquele dia com os de Dezembro de 1640. - Mil seiscentos e quê? - poderia ser a pergunta de uma parte da multidão.

À noite, por ocasião da apresentação da Junta de Salvação Nacional apareceu a primeira ocasião para a primeira intrigazita do novo regime: quais eram os militares que estavam fardados e quais os que se apresentaram à civil…

TV NOSTALGIA – 3


A mentalidade prevalecente nos finais dos anos 60 e princípios dos 70 era, no que diz respeito às relações com o estrangeiro, de cerco, fruto do isolamento gerado pela política colonial portuguesa (explicada dentro de portas como se se tratasse de um axioma). Na primeira fila dos inimigos consagrados contavam-se os países comunistas que ajudavam materialmente os turras mas, logo de seguida, os países nórdicos estavam no estrato da hostilidade declarada.

Poderá ter sido isso a causar a hostilidade com que foi recebida em alguns meios mais conservadores uma série televisiva juvenil sueca (1971) (Pippi LangstrumpfPippi das Meias Altas) onde uma pré-adolescente, vivendo sozinha numa casa, encarnava alguns sonhos de liberdade das crianças da sua idade, longe da interferência dos adultos. Numa sociedade hermeticamente fechada até as histórias para crianças podiam ser subversivas...

Entretanto, fruto da sua difusão e da popularidade crescente que a televisão estava a obter junto dos estratos mais baixos da sociedade, acompanhada também de um clima de uma maior abertura depois da posse de Marcello Caetano à frente do governo em 1968, começava a reconhecer-se que se travava uma guerra, que estava muita gente lá fora no Ultramar, com saudades de regressar e, para os animar, juntamente com aqueles que cá tinham ficado, passavam as ditas mensagens de Natal: Adeus, até ao meu regresso

TV NOSTALGIA – 2











O programa mais antigo de que me recordo na RTP é, indiscutivelmente, o Telejornal. Fosse pela regularidade, pela hora de transmissão (à hora do jantar), pelo silêncio atento que rodeava a sua emissão ou pela gravidade posta pelos locutores (ainda não havia mulheres a fazer telejornais, apenas continuidade e programas recreativos), há que reconhecer que o efeito do conjunto era marcante.

O genérico (à esquerda), pouco imaginativo como a maioria dos genéricos de Telejornal sempre o foram e ainda hoje o são, deixava-me sonhador sobre as artes que faziam um globo terrestre girar assim sem ninguém lhe tocar. A cara do apresentador permanecia sempre severa enquanto lia as notícias segurando uma folha em cima da bancada à qual deitava uma olhadela furtiva, uma vez por outra.

Desconhecedor da existência do teleponto, muito eu admirava a capacidade daqueles adultos por conseguirem ler um texto continuamente apenas com uma mirada enquanto eu, que estava a aprender a ler, nem com o nariz grudado ao texto conseguia chegar de perto do ritmo daqueles profissionais! Depois, as notícias, de quando em vez, eram complementadas por imagens.

Tradicionais e prioritárias na hierarquia da transmissão, eram as visitas e as inaugurações do presidente Américo Thomaz (à direita), invariavelmente fardado de branco no seu uniforme de almirante (um pormenor que lhe favorecia a imagem nesta época da televisão a preto e branco…). Muitas tesouras eu vi o presidente empunhar para cortar a fita, a que se seguia um resumo do seu discurso – necessariamente breve…

Mais para diante, falava-se de guerra, transmitiam-se reportagens de guerra, mas não da nossa, era a do Vietname. Por isso, as impressões mais longínquas que eu tenho de guerras é elas que são para se travar em lugares onde os nomes têm sempre duas ou três sílabas marteladas sem nenhum significado, como acontece com a toponímia vietnamita: Dien Bien Phu, Khe San, Ban Me Thuot, Danang…

O Telejornal terminava com o Boletim Meteorológico que, não fazendo propriamente parte do Telejornal, era indissociável dele. A apresentação era completamente sóbria, os quadros de situação eram de lousa, iguais aos existentes nas escolas, com os contornos de Portugal pintados a branco a que era acrescentada a notação científica – com a rotina, toda a agente aprendeu a associar o A ao bom tempo e o B a chuva!

TV NOSTALGIA – 1

Fiquem os mais novos a saber que a visão de qualquer das imagens acima no ecrã da nova televisão comprada lá para casa deve ter desencadeado imensas taquicardias de expectativa em muita gente, porque a sua aparição significava que, finalmente, se podia dar o dinheiro dispendido na televisão por bem empregue.
Comprar uma televisão naqueles tempos heróicos e pioneiros, descontando mesmo a proporcionalidade do custo do aparelho, não tinha da simplicidade actual de comprar um em promoção no Jumbo, chegar a casa, ligá-lo à tomada da antena colectiva do prédio e accionar o sintonizador automático.

A instalação dos televisores daquela época era coisa que envolvia pelo menos dois técnicos especializados, uma das maiores especialidades consistindo no alpinismo que era preciso praticar para ir cravar a nossa antena na floresta das suas irmãs existente no telhado do prédio e lançar um cabo por ali abaixo até ao andar do apartamento.
No telhado, havia uma espécie de actividade para-cientifica que dava pelo nome de orientação da antena que, quando bem feita, faria com que a imagem e som fossem bem recebidos. Quando a antena estava mal colocada, originava uma coisa que se designava por fantasma, onde os contornos das figuras no ecrã se multiplicavam.

A afinação processava-se, escada acima, escada abaixo, através do testado método da tentativa e erro. Como as emissões só começavam ao entardecer, durante o resto do dia a emissora emitia aquelas figuras com música, designadas por miras técnicas e concebidas para facilitar o ajustamento da imagem e som.
Atingir a nitidez acima inserida era como que o clímax de um processo de longas horas de expectativa que não podia ser satisfeito de imediato porque haveria que ficar a aguardar pelo começo da emissão. E quase toda a gente conhecia o genérico que a RTP emitia ao iniciar as suas emissões…