À semelhança dos berberes da África do Norte, também foi no leste e nordeste do Irão, nas estepes da Ásia Central, que o Islão foi recrutar e converter a cavalaria que lhe irá permitir manter o seu alento expansionista no século VIII. Em consequência o núcleo de poder dentro do espaço iraniano desloca-se sensivelmente para oriente, onde outrora se originara o poder parto e, muito mais importante, para todos os estados islâmicos que se vieram a fundar para leste do Irão, a língua administrativa e de cultura foi o persa, enquanto o árabe ficou reservado quase exclusivamente para a esfera religiosa.
No processo de desagregação política do espaço islâmico que decorre ao longo do século IX, a região que hoje constitui o Irão vai ganhando autonomia, embora se mantenha formalmente fiel ao califa Abássida de Bagdade. Note-se que a corrente xiita, que está hoje fortemente associada ao Irão, já existia naquela época, muito embora os seus seguidores estivessem disseminados de uma forma relativamente homogénea por todo o mundo muçulmano. O califa de Bagdade, a quem os iranianos deviam fidelidade, era sunita, e se, a partir do século X, passou a haver um seu rival xiita (no Cairo…), não foi por isso que houve alteração nas fidelidades dos iranianos.
O grande espaço que inclui o Irão e o Afeganistão actuais, conjuntamente com as antigas repúblicas soviéticas da Ásia Central, passou a desempenhar dentro do Mundo Islâmico um papel de contratante de mão-de-obra militar para as suas disputas internas. Podendo esta ser tanto de origem indo-europeia como turca, as consequências da actividade dessas tribos de mercenários foram variadas: fundaram uma nova dinastia na Pérsia (Gaznévidas, 977-1186) ou no Egipto (Mamelucos, 1250-1382), ou até mesmo um novo estado na Ásia Menor (Seldjucídas 1038-1195); muitas vezes os mercenários vieram sem convite, como Hulagu (descendente de Gengis Cão), que fundou a dinastia dos Ilkhans (1258-1335), ou Tamerlão, que foi o patriarca da dos Timurídas (1370-1502), ambas na Pérsia.
Uma configuração embrionária da distribuição das potências muçulmanas que conhecemos na actualidade começa a ser perceptível a partir do início do século XVI. Em 1501, Ismael I é o fundador da nova dinastia persa dos Sefévidas; 48 anos antes o sultão turco havia conquistado Constantinopla; 25 anos depois, em Deli, era fundado o Império Mogul. Curiosamente, estes três Impérios empregavam o persa como idioma administrativo e cultural. Também por isso, Ismael, perante aquelas duas ameaças convergentes, estabelece o xiismo como religião do estado persa, conferindo-lhe ao mesmo tempo um traço unificador e distintivo perante as ameaças expansionistas vindas de Ocidente e Oriente.
A evidência histórica demonstra a verdadeira solidez deste renovado estado persa durante os séculos XVI e XVII: a Ocidente, o Império Otomano absorveu praticamente todos os territórios de população muçulmana, juntando-lhe ainda alguns de população cristã; para Oriente, o Império Mogul fez quase o mesmo na sua esfera de acção, adicionando-lhe para mais alguns territórios de população hindu. A Pérsia foi a única potência muçulmana de vulto a resistir àqueles dois colossos.
No entanto, o país não conseguiu evitar a perda de competitividade face às potências europeias a partir do século XVIII. Primeiro a Rússia, depois a Inglaterra (já no século XIX), esta através das suas possessões indianas, foram retalhando pedaços da Pérsia e incorporando-os nos seus territórios. As fronteiras modernas datam do princípio do século XX e, em 1907, russos e britânicos acordaram em neutralizar a sua disputa pela Pérsia, atribuindo-se áreas de influência.
A descoberta de jazidas de petróleo (1908) por parte dos britânicos, antes de descobertas idênticas nos outros países vizinhos (Azerbeijão, Iraque, Kuwait e Arábia Saudita) tornou a Pérsia fundamental para o Império Britânico como fonte primordial da matéria-prima. A Anglo-Persian Oil Company (APOC) é o antepassado da colossal BP da actualidade.
Tanto na 1ª como na 2ª Guerra Mundial, a Pérsia ou Irão (nome por que ficou a ser conhecido desde 1934), espartilhada entre britânicos e russos, tentou aliviar essas pressões através de alianças discretas com a Alemanha. Nas duas ocasiões a reacção anglo-russa foi rápida e eficaz, tendo levado mesmo à deposição do Xá em favor do filho em 1941. Pai e filho tentaram secularizar e ocidentalizar a sociedade iraniana, com uma revolução de costumes inspirada e parecida com a que estava a ser promovida na vizinha Turquia por Kemal Ataturk.
Existem variadas explicações para o fracasso daquela tentativa. De qualquer forma reconheça-se que o Irão, sem pertencer claramente ao universo da cultura semita, também se encontra muito mais distante da cultura ocidental (onde o Xá havia ido buscar a inspiração para as suas reformas) do que os seus vizinhos do grande arco helenístico do Mediterrâneo Oriental – Turquia, Síria, Líbano e Egipto.
A monarquia foi derrubada em 1979, tendo-se implantado a República Islâmica, um regime onde o clero xiita dispõe do controlo total da máquina do poder. É esse o regime que, de certa forma, está no centro dos acontecimentos, desafiando as potências até alcançar o estatuto nuclear.
Mais uma brilhante aula de História!
ResponderEliminarObrigado, senhor Professor!
Um "copy/paste" confessado tem desculpa?
ResponderEliminarPrimeiro, há que reconhecer a quaidade do texto.
ResponderEliminarQuem desconheça a históra da Pérsia/Irão, nunca compreenderá que as soluções "musculadas" só são aceitáveis em países sem história nacional (Iraque, Palestina, etc.) ou de meros cameleiros (Arábia Saudita). O Irão exige muita subtileza de análise, estando completamente fora do alcance de um qualquer George W....
Em segundo lugar, deixaria apenas uma pergunta - já reparou como o Gorjão nunca cita, nos seus recortes de imprensa, jornais em língua francesa? Empiricamente, eu diria que é 85% US, 14% UK e 1% Austrália...
Será que o grande Gorjão não sabe ler francês???? Isso explicaria muita coisa...
Meu caro Impaciente esteja à vontade quanto ao copy/paste!... Mas, agradecendo-lhe profundamente o elogio, peço-lhe que dispense o tratamento.
ResponderEliminar"Senhor Professor" é forma de tratamento que anda a ser desbastada consecutivamente todo o Domingo pelas 21H00...
Meu caro Anónimo-que-eu-já-suspeito-quem-seja:
ResponderEliminarPara além da sugestão de que possa usar um nome à sua escolha, deixe-me agradecer-lhe o seu comentário, de uma precisão quem põe o dedo na ferida.
Conhecer o enquadramento - ainda que geral - da história do Irão permite conhecer o lastro adquirido por aquela civilização que, como bem afirma, não se compadece com algumas análises ligeiras que se lêem por aí...
Quanto ao resto... eu depois dou notícias...
Creio que o "tratamento" não se presta a confusões!
ResponderEliminarSe escrevesse "de cátedra" teria de mim a mesma atenção que dedico ao "senhor Professor" das 21H00: nula!