Para todos os que chegam a este blogue à procura de saber coisas sobre Aécio, nomeadamente os que procuram detalhes sobre Aécio Neves, jovem promessa política mineira, deixem-me explicar-lhe que o Aécio de quem este blogue reclama a herança se chama Flávio Aécio e era uma jovem promessa política… romana, há 1600 anos.
A data de nascimento de Aécio mais aceite pelos historiadores é 396, e o local Silistra, uma cidade na margem direita do rio Danúbio, muito próxima da sua foz, na Bulgária actual. Na época o Danúbio era a fronteira do Império Romano e por isso não é surpreendente que, segundo as crónicas, embora se atribuísse à mãe de Aécio uma ascendência romana latina (e mesmo uma origem italiana), a do seu pai Gaudêncio já é mais disputada, referindo as fontes origens germânicas senão mesmo góticas. Isso não o impediu de alcançar o posto proeminente de Magister Militum (o equivalente antigo ao cargo de comandante chefe de um teatro de operações, neste caso a Mésia – Bulgária).
Terá sido por isso que, como era prática naquela época, Aécio foi usado mais do que uma vez como refém junto das cortes das tribos que dominavam as regiões fronteiriças do Império. Como segurança para a demonstração da boa fé negocial era prática estabelecida que os negociadores trocassem reféns que lhes fossem próximos. Aécio, o filho do representante principal da parte romana passou assim, enquanto jovem adolescente, largas temporadas (de anos) nas cortes do soberano godo (Alarico) e huno (Rugila) adquirindo assim um conhecimento e empatia com as suas culturas que lhe virá a ser muito útil mais tarde, nas sua carreira política.
Esta parece até ter começado mal. O primeiro registo histórico de uma proeza de Aécio é uma enorme gaffe. Tendo sido encarregado, por causa dos seus contactos, de recrutar uma tropa mercenária de cavaleiros hunos por conta de um pretendente ao trono que pretendia derrubar o Imperador, descobriu, quando regressou a Itália, que o usurpador havia fracassado e sido executado. Aécio devia ser muito persuasivo (algo que lhe será muito útil, e ao Império, trinta anos mais tarde) e conseguiu virar a casaca e obter ao serviço do poder legítimo os pagamentos que ele havia prometido aos mercenários, que estes não iriam deixar de exigir a Aécio e que agora só o Imperador poderia honrar.
Sendo considerado dentro do Império como uma espécie de o amigo dos hunos e poderoso por isso, Aécio foi afastado de Itália com o engodo do cargo de Magister Militum, como seu pai, mas para a muito mais prestigiada – possivelmente a mais prestigiada de todas – província da Gália. Na meia dúzia de anos seguintes o governo da metade ocidental do Império é um equilíbrio precário entre o centro – onde mandam os que rodeiam Gala Placídia, a mãe do imperador Valentiniano III – a Gália, onde Aécio reforçou a sua posição, reforçando a do poder romano, derrotando e contendo os visigodos a quem havia sido concedida licença a instalarem-se num recanto da Gália (a Aquitânia) e África, onde mandava Bonifácio, uma espécie de Nemésis de Aécio.
A importância da província africana e de quem a dirigia consistia na sua produção de cereais, que serviam para a alimentação da população italiana (especialmente romana). Depois da província do Egipto, rival de África nessa produção ter ficado sob o domínio do Império do Oriente, qualquer bloqueio de Bonifácio podia provocar carestia e enormes perturbações sociais nas sociedades que estavam junto à direcção central do Império. Para a corte do Ocidente, se Aécio e as suas ligações aos hunos a intimidavam, por outro lado, os poderes de Bonifácio sobre o abastecimento de Roma tornavam-no indispensável.
O choque entre os dois ocorreu em Itália em 432, numa batalha no norte de Itália. A sorte esteve com Aécio que, perdendo tacticamente a batalha, veio a vencê-la politicamente porque Bonifácio saiu dela mortalmente ferido vindo a morrer alguns meses mais tarde, embora haja quem ventile a hipótese de Bonifácio tenha sido envenenado. Em contrapartida, não há grande controvérsia quanto às consequências do desaparecimento de Bonifácio e da ascensão de Aécio que se tornou depois disso, em tudo, menos no título, soberano do Ocidente romano. Como comprovativo e prática comum da época entre os que efectivamente detinham o poder, Aécio deixou-se eleger como cônsul por 4 vezes: em 432, 437, 446 e 454.
O grande feito de armas de Aécio, que é também considerado o episódio mais controverso da sua vida, foi a vitória que obteve, à frente de uma confederação de contingentes de romanos, visigodos e alanos, contra uma outra confederação dirigida por Átila, o rei dos hunos e composta predominantemente por hunos, ostrogodos e burguinhões, na Batalha dos Campos Cataláunicos em Junho de 451. É muito possível que a composição dos dois exércitos fosse muito mais confusa do que a que acima foi descrita (exemplo: haveria hunos mercenários a lutar com Aécio) mas não há confusão quanto aos projectos políticos por que lutavam: Átila queria atingir a suserania sobre o que restava do Império de Ocidente e Aécio estava disposto a negá-lo.
Embora o resultado da batalha pareça ter sido um empate táctico – como aconteceu em Waterloo, por exemplo – Aécio alcançou naquele dia uma vitória estratégica porque era Átila – como Napoleão 1364 anos depois – que necessitava desesperadamente de obter a vitória para poder consolidar a sua frágil confederação de interesses. Derrotado na Gália, Átila fez uma inflexão nos seus esforços e regressou no ano seguinte atacando a Itália, ocasião em que Aécio, falho da coligação que havia mobilizado no ano anterior apenas pode ir fazendo a cobertura das forças invasoras e utilizando o instrumento diplomático até conseguiu persuadir Atila a retirar através de argumentos que hoje desconhecemos.
Este retrato de Aécio, como um político multifacetado, que já havia colocado o seu filho na família imperial casando-o com a filha do Imperador, em que se conjugava e se empregavam tanto as habilidades militares como as diplomáticas, de uma forma indistinta, era como um verdadeiro percursor do perfil dos grandes estadista bizantino do futuro. A carreira de Aécio também acabou da mesma forma de intriga bizantina, com o seu compadre Valentiniano III - o imperador – a mandá-lo assassinar em Setembro de 454. Após tantos anos, permanece uma figura controversa, e é apenas de lamentar que as únicas narrativas a seu respeito pertençam ao bispo Gregório de Tours (540-594), baseado nos relatos de um historiador contemporâneo de Aécio no século V, Renatus Frigeridus, cuja obra infelizmente se perdeu.
A data de nascimento de Aécio mais aceite pelos historiadores é 396, e o local Silistra, uma cidade na margem direita do rio Danúbio, muito próxima da sua foz, na Bulgária actual. Na época o Danúbio era a fronteira do Império Romano e por isso não é surpreendente que, segundo as crónicas, embora se atribuísse à mãe de Aécio uma ascendência romana latina (e mesmo uma origem italiana), a do seu pai Gaudêncio já é mais disputada, referindo as fontes origens germânicas senão mesmo góticas. Isso não o impediu de alcançar o posto proeminente de Magister Militum (o equivalente antigo ao cargo de comandante chefe de um teatro de operações, neste caso a Mésia – Bulgária).
Terá sido por isso que, como era prática naquela época, Aécio foi usado mais do que uma vez como refém junto das cortes das tribos que dominavam as regiões fronteiriças do Império. Como segurança para a demonstração da boa fé negocial era prática estabelecida que os negociadores trocassem reféns que lhes fossem próximos. Aécio, o filho do representante principal da parte romana passou assim, enquanto jovem adolescente, largas temporadas (de anos) nas cortes do soberano godo (Alarico) e huno (Rugila) adquirindo assim um conhecimento e empatia com as suas culturas que lhe virá a ser muito útil mais tarde, nas sua carreira política.
Esta parece até ter começado mal. O primeiro registo histórico de uma proeza de Aécio é uma enorme gaffe. Tendo sido encarregado, por causa dos seus contactos, de recrutar uma tropa mercenária de cavaleiros hunos por conta de um pretendente ao trono que pretendia derrubar o Imperador, descobriu, quando regressou a Itália, que o usurpador havia fracassado e sido executado. Aécio devia ser muito persuasivo (algo que lhe será muito útil, e ao Império, trinta anos mais tarde) e conseguiu virar a casaca e obter ao serviço do poder legítimo os pagamentos que ele havia prometido aos mercenários, que estes não iriam deixar de exigir a Aécio e que agora só o Imperador poderia honrar.
Sendo considerado dentro do Império como uma espécie de o amigo dos hunos e poderoso por isso, Aécio foi afastado de Itália com o engodo do cargo de Magister Militum, como seu pai, mas para a muito mais prestigiada – possivelmente a mais prestigiada de todas – província da Gália. Na meia dúzia de anos seguintes o governo da metade ocidental do Império é um equilíbrio precário entre o centro – onde mandam os que rodeiam Gala Placídia, a mãe do imperador Valentiniano III – a Gália, onde Aécio reforçou a sua posição, reforçando a do poder romano, derrotando e contendo os visigodos a quem havia sido concedida licença a instalarem-se num recanto da Gália (a Aquitânia) e África, onde mandava Bonifácio, uma espécie de Nemésis de Aécio.
A importância da província africana e de quem a dirigia consistia na sua produção de cereais, que serviam para a alimentação da população italiana (especialmente romana). Depois da província do Egipto, rival de África nessa produção ter ficado sob o domínio do Império do Oriente, qualquer bloqueio de Bonifácio podia provocar carestia e enormes perturbações sociais nas sociedades que estavam junto à direcção central do Império. Para a corte do Ocidente, se Aécio e as suas ligações aos hunos a intimidavam, por outro lado, os poderes de Bonifácio sobre o abastecimento de Roma tornavam-no indispensável.
O choque entre os dois ocorreu em Itália em 432, numa batalha no norte de Itália. A sorte esteve com Aécio que, perdendo tacticamente a batalha, veio a vencê-la politicamente porque Bonifácio saiu dela mortalmente ferido vindo a morrer alguns meses mais tarde, embora haja quem ventile a hipótese de Bonifácio tenha sido envenenado. Em contrapartida, não há grande controvérsia quanto às consequências do desaparecimento de Bonifácio e da ascensão de Aécio que se tornou depois disso, em tudo, menos no título, soberano do Ocidente romano. Como comprovativo e prática comum da época entre os que efectivamente detinham o poder, Aécio deixou-se eleger como cônsul por 4 vezes: em 432, 437, 446 e 454.
O grande feito de armas de Aécio, que é também considerado o episódio mais controverso da sua vida, foi a vitória que obteve, à frente de uma confederação de contingentes de romanos, visigodos e alanos, contra uma outra confederação dirigida por Átila, o rei dos hunos e composta predominantemente por hunos, ostrogodos e burguinhões, na Batalha dos Campos Cataláunicos em Junho de 451. É muito possível que a composição dos dois exércitos fosse muito mais confusa do que a que acima foi descrita (exemplo: haveria hunos mercenários a lutar com Aécio) mas não há confusão quanto aos projectos políticos por que lutavam: Átila queria atingir a suserania sobre o que restava do Império de Ocidente e Aécio estava disposto a negá-lo.
Embora o resultado da batalha pareça ter sido um empate táctico – como aconteceu em Waterloo, por exemplo – Aécio alcançou naquele dia uma vitória estratégica porque era Átila – como Napoleão 1364 anos depois – que necessitava desesperadamente de obter a vitória para poder consolidar a sua frágil confederação de interesses. Derrotado na Gália, Átila fez uma inflexão nos seus esforços e regressou no ano seguinte atacando a Itália, ocasião em que Aécio, falho da coligação que havia mobilizado no ano anterior apenas pode ir fazendo a cobertura das forças invasoras e utilizando o instrumento diplomático até conseguiu persuadir Atila a retirar através de argumentos que hoje desconhecemos.
Este retrato de Aécio, como um político multifacetado, que já havia colocado o seu filho na família imperial casando-o com a filha do Imperador, em que se conjugava e se empregavam tanto as habilidades militares como as diplomáticas, de uma forma indistinta, era como um verdadeiro percursor do perfil dos grandes estadista bizantino do futuro. A carreira de Aécio também acabou da mesma forma de intriga bizantina, com o seu compadre Valentiniano III - o imperador – a mandá-lo assassinar em Setembro de 454. Após tantos anos, permanece uma figura controversa, e é apenas de lamentar que as únicas narrativas a seu respeito pertençam ao bispo Gregório de Tours (540-594), baseado nos relatos de um historiador contemporâneo de Aécio no século V, Renatus Frigeridus, cuja obra infelizmente se perdeu.
Parece-me que há concorrência "do lado dchi lá do Atlântico"!
ResponderEliminarOu talvez este Neves não reclame o título de "herdeiro"... por desconhecer o Flávio!!!
Desde que cheguei a este blog que me interrogava sobre quem seria Aécio, mas sempre me esquecia de ir à wikipédia descobrir. Há uns dias passou na TVI, salvo erro, um filme sobre Átila, onde focam a tal batalha dos Campos Cataláunicos e aparece Aécio... fiquei a pensar se seria a esse Aécio que te referias, mas à figura não é dado grande destaque.
ResponderEliminarAgora, finalmente, fiquei a saber! E de caminho mais uma lição de História! (coisas que eu já sabia, mas os pormenores narrativos são sempre enriquecedores)
Fica-me uma interrogação: porquê "herdeiro de Aécio"? Parece-me que admiras a figura, mas o que o destaca para ti de tantas outras figuras igualmente valorosas (e ambiciosas, e "politicamente hábeis", vulgo maquiavélicas...) ao longo da nossa longa e riquíssima História?