07 setembro 2006

EPISÓDIOS PARA A COMPREENSÃO DO IRÃO

Imagine-se por momentos que o 25 de Novembro de 1975 fora descaradamente patrocinado pela CIA. É verdade que essa é uma tese ainda hoje defendida tanto por comunistas como pela extrema-esquerda mas, para acabar de vez com controvérsias, imagine-se que eram os próprios operacionais da agência que reconheciam abertamente a sua participação.

Mais, ficava a saber-se publicamente qual fora o orçamento de toda a operação, quem fora subornado e por quanto fora subornado, o que custara montar as manifestações espontâneas e de que forma haviam sido persuadidos os chefes militares que estavam mais indecisos. Agora imagine-se qual seria o estatuto do nosso actual regime democrático depois dessas revelações…

Sobretudo, quais as implicações que elas teriam, quer no nosso amor-próprio nacional, quer na forma como nos relacionaríamos com os Estados Unidos… Pois bem, tudo o que foi descrito aconteceu de facto, em 1953, no Irão, quando a CIA pilotou o golpe de estado que depôs o governo iraniano, chefiado por Mohammed Mossadegh (na imagem), em nome da autoridade do Xá.

A causa próxima para o golpe foi a nacionalização em 1951, por parte de Mossadegh, da exploração do petróleo iraniano, afectando profundamente os interesses britânicos. A causa invocada para consumo dos Estados Unidos foi o perigo de que o Irão caísse na órbita comunista, esquecendo a rivalidade e profunda inimizade histórica existente entre persas e russos.

Numa análise expressa sumariamente das consequências daquele golpe, os interesses ocidentais foram bastante beneficiados a curto prazo (a nacionalização dos petróleos foi em parte revertida, dando origem à actual BP), mas a imagem das potências ocidentais ficou por décadas danificada. A oposição laica aos regimes despóticos herdados do passado foi fortemente danificada.

Apesar de ferozmente nacionalista, Mossadegh era, de certa forma, um estrangeirado que se havia formado em França e na Suíça e era o representante de uma elite dirigente que queria modernizar numa determinada direcção a sociedade iraniana. É uma das ironias da história que a elite clerical, representada naquela altura pelo Aiatollah Kashani, tenha sido dos últimos grupos a ser convencido pela CIA a abandonar o apoio a Mossadegh.

É esta elite clerical que possui hoje as chaves do jogo democrático, condicionando o seu acesso àqueles que lhes transmitam confiança. Há que reconhecer que é um processo sofisticado de escolha múltipla em que não se escolhe quase nada. É como se no Portugal do Estado Novo Salazar nos deixasse escolher entre três candidatos… mas sendo todos da União Nacional.

Embora racionalmente me disponha a compreender a estudar e a compreender o melhor que posso os iranianos, emocionalmente confesso que sou um clássico que se sente vencedor ao ler os relatos das batalhas de Issus e de Gaugamela. Mas, como Alexandre, reconheço que há que perceber o potencial inimigo se o quiser vencer e não condescender com os disparates simplificados que se lêem e ouvem por aí…

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