02 setembro 2006

DA PÉRSIA AO IRÃO DOS AIATOLLAHS - I

Não há nenhum acidente geográfico importante que sirva como uma referência forte para retratar a geografia física do Irão. A não ser o facto de assentar na fronteira de várias placas tectónicas, o que o torna um território propenso a terramotos muito violentos. As cidades que, nos outros sítios, entram numa decadência penosa depois do período do seu apogeu, podem ali desaparecer totalmente numa questão de minutos. As ruínas de Susa e de Persépolis, entre outras, são uma demonstração evidente disso.
É talvez por essa causa que a história das civilizações dali oriundas não é uma história de grandes civilizações sedentárias. Nunca ali houve uma Constantinopla, uma Alexandria ou uma Bagdade. Mas também não se pode caracterizá-las como nómadas. É um território misto, ao mesmo tempo atraído para as vizinhanças mais prósperas do Crescente Fértil, mas simultaneamente propenso a ser destruído bruscamente pela outra vizinhança verdadeiramente nómada da Arábia e da Ásia Central.
O início é assinalado pela constituição de um estado medo (no ocidente do Irão actual) que depois vem a ser conquistado pelos persas (oriundos do centro do país). A entrada da Pérsia aqueménida nas grandes correntes da História Universal, a partir do século VII AC, é feita através das invasões às regiões sedentárias adjacentes da Mesopotâmia e da Ásia Menor. O Império constituído a partir daquela expansão, que veio a atingir o seu apogeu no século V AC, tem dois traços identificativos novos para a época: a velocidade[1], que permitiu dar consistência administrativa e militar a um território que se estendia do Indo ao Egeu e do Cáucaso ao Nilo e o multiculturalismo, com a coexistência de três idiomas administrativos: persa, aramaico (Mesopotâmia) e copta (Egipto).
Sendo o mais extenso (e também provavelmente o mais populoso) Império até então conhecido, é compreensível o orgulho grego por terem sido os primeiros a limitar a sua expansão. Mas torna-se necessário colocar essas guerras (século V AC) na sua devida perspectiva: tratou-se de um problema marginal para os persas embora fosse crucial para os gregos. A descrição da desforra pela conquista por parte dos macedónios de Alexandre pode ser simplificada (não minorada) afirmando que eles restabelecerem os direitos de suserania do monarca persa na pessoa do rei macedónio: os contornos do Império de Alexandre são quase coincidentes com os do seu antecessor persa com a única excepção da franja ocidental europeia.
Na fragmentação do Império depois da morte de Alexandre (323 AC) apareceu um enorme estado contra-natura (juntando as actuais Síria, Líbano, Israel, Iraque, Irão, Afeganistão) designado por Reino Selêucida. Se o helenismo permanece um factor relevante para as sociedades de todo o arco oriental do Mediterrâneo até à conquista romana no século I AC (os chamados reinos helenísticos), essa mesma influência estava já muito diluída quando atingiu os planaltos iranianos, a ponto de os Partos (oriundos do actual Turquemenistão) terem alcançado a supremacia na maior parte do Reino e acabado por confinar os descendentes dos gregos à Síria.
Com um estado com uma matriz distintamente helenística, apesar de tudo, são esses mesmos Partos que detêm a expansão romana no Eufrates por quase 300 anos. No entanto, um movimento de cariz (etnicamente) persa destrói o poder parto (224 AD) e estabelece uma espécie de restauração inspirada nos aqueménidas. Esta nova Pérsia (sassânida), vai perdurar por 400 anos, será uma grande rival do Império Romano de Justiniano e chegará a atingir os Mares Vermelho (Iémen) e Mediterrâneo (Palestina e Egipto) nos séculos VI e VII. Mas a rapidez da conquista árabe (637-642) veio demonstrar, à posteriori, que o estado persa não tinha a robustez do seu vizinho e rival cristão ortodoxo.
Ao contrário das três grandes regiões adjacentes à Arábia (Egipto, Síria e Mesopotâmia) foi na Pérsia que se registou, a princípio, uma maior adesão popular à religião islâmica[2]. Em contrapartida, o idioma árabe que, por via erudita e popular, estava em franca expansão nas três regiões mencionadas não conseguiu desalojar o persa, mau grado a adopção por parte deste último do alfabeto árabe para a escrita.
Durante a dinastia Omíada (661-749), com a capital em Damasco, o actual Irão foi administrado como uma dependência da Mesopotâmia, numa inversão irónica da sua importância relativa no passado recente.
(continua)
[1] Defende-se que vieram da Ásia Central os primeiros cavalos, apurados por selecção, capazes de suportar por períodos extensos o peso de um homem, dando verdadeiramente origem à cavalaria moderna.

[2] Possivelmente porque a religião oficial do estado persa (zoroastrismo) tinha sido anteriormente protegida (por razões políticas) da concorrência do cristianismo e porque aquela não era uma das religiões protegidas pelo Islão.

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