21 setembro 2006

A MÁQUINA QUE ESTÁ A PERTURBAR A DEMOGRAFIA ASIÁTICA

Aquela antiga profecia, muito citada, mas completamente descabida, que os latinos seriam submergidos pelos germânicos, que seriam por sua vez submergidos pelos eslavos até à invasão final dos amarelos parece cada vez mais distante. As grandes movimentações não se processarão dentro da Eurásia, mas possivelmente virão do seu exterior, sobretudo de África.

A demografia dos países economicamente desenvolvidos da Ásia, como o Japão, é comparável à dos países homólogos da Europa: aumento da esperança média de vida, baixas taxas de natalidade, pirâmides de população muito semelhantes. Mesmo entre os países da segunda vaga de prosperidade (Formosa, Coreia do Sul, Singapura) a redução abrupta das taxas de natalidade copia quase rigorosamente aquilo que aconteceu na Europa meridional (Itália, Espanha e Portugal).

Mas há algo que as culturas asiáticas – quer as da esfera cultural chinesa, quer as da esfera cultural indiana – privilegiam de uma forma impensada para os padrões europeus: a obtenção de um herdeiro masculino. Até há bem pouco tempo o sexo do feto era um assunto forçosamente deixado ao acaso. Isso já não acontece e, recorrendo ao ecógrafo, que já está disponível mesmo nas remotas zonas rurais da Índia, as gravidezes só são levadas até ao fim no caso dele ser de sexo masculino.

Os efeitos disso começam a fazer-se sentir, cada vez em maior escala, nos dados demográficos da maioria dos países asiáticos que mostram uma desproporção artificial e crescente, favorável a crianças e jovens do sexo masculino. O problema começa a agora a fazer-se sentir no mercado nupcial. E globalizada como está a economia, não é de estranhar que coreanos solteiros venham arranjar esposas à China ou ao Vietname.

Mas é fácil de compreender que esta solução é apenas uma relocalização do problema das zonas mais ricas para as zonas mais pobres da Ásia, arrastando consigo, se se verificar em números significativos, algumas mudanças potenciais nas características da população da região importadora de esposas – a Coreia, por exemplo, é considerado um dos países com a população mais homogénea da Ásia.

Numa outra perspectiva, o número de noivas tradicionais também tem tendência para diminuir em resultado do desenvolvimento económico que está a abrir às mulheres asiáticas novas perspectivas profissionais que antes não existiam e que lhes podem condicionar as suas decisões em termos de vida pessoal, nomeadamente o casamento e a opção pelos filhos.

E este é um problema com uma tendência evidente para crescer, porque irá haver cada vez mais noivos sem noivas, cada vez menos noivas potenciais dispostas a ser noivas e, possivelmente, cada vez mais uma maior disparidade e também uma maior integração económica que permitirá aos noivos sem noivas ir arranjá-las com facilidade nos países vizinhos pobres. E depois, claro está, há o efeito de escala: os solteiros da Coreia do Sul ainda passam desapercebidos, os da China e da Índia, não…

Independentemente das deslocações internas dentro da Ásia, há que reconhecer que esta redução desproporcionada da população feminina em idade fértil irá afectar num futuro breve de forma negativa as taxas de natalidade dos vários países asiáticos, mesmo em países onde o desenvolvimento económico ainda não criou níveis de bem estar para que elas baixem pelas razões tradicionais.

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