09 agosto 2006

SÍRIA, O PAÍS QUE RECENTEMENTE DESPERTOU PARA O XIISMO…

Sabe quem ensina ou quem já teve de ensinar que existe uma opção permanente na permuta entre a simplicidade da apresentação e o rigor do que está a ser explicado. Pode-se tornar a matéria que se explica mais acessível à custa da perda do rigor e vice-versa. Quem domina a matéria sabe o que faz e fá-lo conscientemente. O pior acontece quando quem o faz não sabe do que está a falar.

A propósito do recente conflito entre Israel e o Hezbollah, já se ouviu por diversas vezes repetida a associação entre a organização libanesa, composta por xiitas libaneses, o Irão, país onde a população é predominantemente xiita, o Iraque, país que é maioritariamente xiita, e a Síria, onde o presidente e a elite dirigente é xiita. Enfim, parece tratar-se de uma enorme coligação cujo denominador comum é o xiismo.

Só que essa teoria da ameaça do Crescente Xiita, que é até visualmente muito interessante e que está a ser propagandeada de órgão em órgão de comunicação social, padece de algumas evidentes lacunas quando confrontada com a realidade, sendo o busílis mais evidente o xiismo da Síria. A Síria nunca foi politicamente xiita nem há registos de grande importância da religião no actual regime sírio.

O regime Assad foi fundado pelo pai do actual presidente, Hafez el-Assad, que deu um golpe de estado em Novembro de 1970. O regime por ele fundado assume-se laico – embora constitucionalmente o presidente tenha de ser muçulmano… – e nos bons velhos tempos da guerra-fria até se proclamava uma democracia popular socialista ligada à União Soviética pelo tradicional tratado de amizade e cooperação.

A constituição síria data de 1973, mas é muito elástica: como à morte de Hafez el-Assad (2000) o seu filho Bachar el-Assad não tinha a idade mínima para ser eleito presidente, o limite de idade foi rapidamente alterado para o efeito. A organização política dirigente – tipo partido único – é a Frente Nacional Progressista, fundada em 1972 pela fusão do Partido Baath e do Partido Socialista Árabe.

Nos 36 anos que o regime leva a maior oposição que tem defrontado é a das irmandades muçulmanas e a da frente islâmica (como acontece, de resto, também com o Egipto). A elite dirigente é xiita porque é pessoal e familiarmente próxima do clã presidencial (como acontecia, de resto, com Saddam Hussein no Iraque). Por toda a descrição, não se vislumbram na Síria sombras de influências de Aiatollahs...

Todavia, sobram indícios de análises superficiais de jornalistas habituados a emprenhar de ouvido…

1 comentário:

  1. Bom, a elite dirigente síria é alauita, que é uma sub-minoria (pensava que era uma micro-seita sunita, mas se calhar até é xiita...).
    No Líbano, a percentagem muçulmanos/cristãos será de 60/40. Dentro do grupo muçulmano, há xiitas, sunitas e drusos (pelo menos). Mesmo que os xiitas sejam maioritários entre a comunidade muçulmana (nem me parece...), serão sempre menos que os cristãos. Logo, o "Líbano xiita" é um perfeito disparate...
    Por aqui se vê que muito palrador que grasna na bologosfera é profundamente ignorante... mas é conveniente, porque certamente Israel não é um Estado Xiita (será talves Taliban, pelo seu fanatismo...)

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