13 agosto 2006

OS MILITARES AUSTRALIANOS EM TIMOR-LESTE

Se bem compreendi uma notícia que saiu ontem no Sidney Morning Herald (a notícia já não tem link disponível), um relatório assinado pelo secretário-geral da ONU recomenda que a força multinacional que venha a ser estacionada futuramente em Timor-Leste, para um total de quase 2.000 efectivos, tenha uma composição de 350 militares e 1.600 polícias.

Segundo a mesma notícia, a proposta daquela distribuição terá sido uma surpresa desagradável para a Austrália, que tem um contingente militar rondando os 2.000 homens no país e que, aparentemente, contava que as propostas da ONU se cingissem apenas à constituição das forças policiais dado que, na sua perspectiva, a componente militar estaria devidamente acautelada por si.

Convém dizer que, em teoria, as duas maiores ameaças à soberania de Timor-Leste, na defesa da qual seria preciso recorrer a forças armadas são os seus dois grandes vizinhos: a Austrália e a Indonésia. Ora a Austrália já lá se encontra… e a Indonésia saiu de lá há tão pouco tempo e em condições políticas tão desfavoráveis que se tornaria um suicídio político perante a comunidade internacional regressar de forma violenta… Enfim, na perspectiva australiana sempre poderá haver outras ameaças menos teóricas que não se vejam assim de imediato...

Quando à composição do contingente da ONU a constituir, convém perceber que, contrariamente a uma percepção muito difundida, nem o exército é uma espécie de polícia musculada, nem a polícia é uma outra de exército mais suave; cada qual desempenha e especializa-se em funções diferentes. E, segundo a opinião da equipa dirigida pelo secretário-geral da ONU, as necessidades de Timor são sobretudo de cariz policial. Missões que, de resto, tem estado a ser assumidas, entre outras, pela GNR portuguesa.

Ainda de acordo com a notícia, a Austrália, aborrecida, parece ameaçar fazer uma espécie de braço de ferro diplomático e, na eventualidade da aprovação do referido relatório pelo Conselho de Segurança da ONU, manter o destacamento das suas forças armadas em Timor, independentemente daquele que vier a ser constituído sob a égide da ONU, o que se deseja vivamente, para bem de Timor, que não venha a acontecer.

A coexistência de duas forças militares e policiais no terreno, obedecendo a dois comandos hierárquicos distintos, completado ainda com a existência de uma administração legítima, mas demasiado frágil para se poder afirmar perante qualquer das duas partes, não pressagiaria nada de bom, numa repetição em grande da calorosa recepção pelas forças armadas australianas ao contigente da GNR destacado para Timor.

Eu tenho tomado nota atenta aos blogues que fazem recomendações para que, em política externa e a propósito de Timor, Portugal se deve acomodar à colaboração com a Austrália. Mas quando surgem pequenos incidentes como estes, neste caso envolvendo as perspectivas do próprio secretário-geral da ONU, parece que se pode concluir que não é necessário muito para se venha a incorrer no desagrado da Austrália.

Repetidamente, a Austrália está a assumir um comportamento demasiado arrogante como potência regional numa região onde, circunstancialmente, lhe está a faltar o tradicional contrapoder (Indonésia) que sirva de inibidor a esses seus comportamentos. E, como se costuma dizer, quem nestas ocasiões semeia ventos, arrisca-se a vir a colher, mais tarde, tempestades… Que Timor não venha a ficar afectado por elas!

4 comentários:

  1. Diacho... parece que o amigo Gorjão agora só tem olhos para o Líbano...
    Esta coisa dos focos de crise internacionais são como as paíxões - batem com força, mas rapidamente se esquecem...

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  2. Meu caro anónimo:

    Olhe que Paulo Gorjão se tem pronunciado sobre muitos outros assuntos para além do Líbano. Recentemente até alertou no seu blogue para a falta de atenção que se está a dar à situação no Sri Lanka. Ou à do Congo, acrescentaria eu...

    Esta notícia sobre o relatório da ONU e a reacção australiana - que prevejo que acabará com a Austrália a fazer vingar a sua posição - passou depressa e relativamente desapercebida.

    Por isso - se me permite o conselho - eu não comungaria já da sua opinião, esperaria para ver.

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  3. Por enquanto, a nova paixão do Gorjão são os incêndios florestais (nos intervalos dos editoriais do Times... curioso nunca seleccionar um editorial de qualquer outro diário britânico, que julgo um pouco mais... reticentes... quanto à bondade da "intervenção" israelita)

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  4. Meu caro anónimo:

    Todos nós, de uma maneira ou outra, acabamos por seleccionar aquilo que pretendemos ler para nos informar.

    Mesmo quem se quer fazer passar por ecléctico acaba por esquecer, mesmo que involuntariamente, as posições que considera mais afastadas das suas.

    As simpatias tendenciais de Paulo Gorjão pelas posições israelitas são evidentes mas nem me apercebo que ele as tivesse tentado esconder.

    É natural que dê destaque aos artigos de opinião em que mais se revê.

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