As histórias das arábias referiam-se, nos tempos antigos, à prosperidade das grandes metrópoles do Islão como são os casos de Damasco, de Bagdade ou do Cairo. A partir do século XX essas histórias das arábias mudaram de local e de protagonistas, quer para os árabes nómadas da península Arábica, quer para os pescadores do litoral norte da península, que antes retiravam a sua subsistência da pesca no golfo Pérsico.
Ao contrário de outros países onde houve lugar à descoberta de importantes jazidas de petróleo, mas onde a população era (e é) numerosa (como o Irão ou o Iraque), os países da península eram todos escassamente povoados (ainda hoje a densidade populacional média é sete vezes inferior à portuguesa) e os benefícios dos rendimentos do petróleo tiveram um impacto profundo na população local.
Há o aspecto anedótico das esposas do Emir do Koweit que, tendo alugado um Boeing 747 para ir fazer compras a Paris, regressaram em dois, pois precisaram de um avião suplementar para trazer as compras… Mas há também o aspecto (único no mundo) da cidade do Dubai nos Emirados Árabes, com uma população de 850.000 pessoas, ter como fonte exclusiva de água potável, a água do mar dessalinizada.
O conjunto dos países da península (com excepção do Yemen, que tem muita gente, não tem petróleo e é uma republica…) agrupou-se em 1981 numa espécie de clube selecto de seis países monárquicos chamado Conselho de Cooperação para os Países Árabes do Golfo. Compõem-no a Arábia Saudita, Omã, o Kuweit, o Bahrain, o Qatar e os Emirados Árabes Unidos, uma federação de 7 emirados. A bandeira da organização ornamenta este post.
Em conjunto, o PIB dos seis países da organização equivalerá sensivelmente ao do Irão, para cerca de metade da população, e tanto a produção petrolífera como o nível de reservas actuais do conjunto corresponderá ao quádruplo dos do seu grande vizinho do norte. Mas o clube – cujo membro dominante é evidentemente a Arábia Saudita (75% da população total) – também tem as suas ameaças.
Há membros que já estão a esgotar as suas reservas de petróleo. É o caso do Bahrain. Embora ainda continue por mais algum tempo (cerca de 10 anos) a extracção de gás natural e tenha havido uma diversificação da economia antevendo o esgotamento dessas fontes de rendimento é sempre arriscado prever as consequências económicas e sociais do fim destes ciclos de prosperidade.
Seguir-se-á Oman, dentro de 20 a 25 anos. E depois será a vez do Qatar. Mas aquele problema que consideramos principal, e que poderá constituir uma verdadeira ameaça para o bem-estar dos árabes ricos está no presente das sociedades dos vários países da organização: cerca de 40% de toda população (36,7 milhões em Julho de 2006, segundo os dados da CIA) é composta por imigrantes.
Os imigrantes são um conjunto bastante heterogéneo. Há uma apreciável quantidade composta por imigrantes sazonais sozinhos (nos Emirados Árabes há três homens para cada mulher adulta) que são fortemente dissuadidos de ali procurarem estabelecer residência definitiva (as políticas poderão variar de país para país e conforme a naturalidade do imigrante mas estamos a falar do padrão dominante).
Quanto à origem dos imigrantes, há que considerar em primeiro lugar, o conjunto de quadros norte-americanos, europeus e japoneses (certamente virá a haver chineses no futuro…) que estão encarregues de supervisionar na origem os processos de extracção do petróleo que os seus países precisam. São poucos e a esmagadora maioria não faz tenção de ficar, por isso não inquietam as autoridades.
Depois, há que considerar a imigração árabe qualificada (nomeadamente egípcia, libanesa e também palestiniana) que, aparentemente é fácil de integrar, mas pode ser potencialmente perigosa, por estar habituada a níveis superiores de intervenção política, estranhos às sociedades locais. Uma boa fracção dos intervenientes nos atentados de 11 de Setembro, discípulos de bin Laden, pertencia a este grupo.
A ocupação dos postos de quadros médios e inferiores e de trabalho não qualificado tem sido disputada entre oriundos dos países árabes e de países asiáticos. A vantagem sociológica da contratação dos primeiros parece ser compensada com a vantagem económica de recorrer aos segundos. Mesmo assim é nítido que a preferência vai para imigrantes oriundos de países muçulmanos da Ásia como o Paquistão, a Indonésia ou o Bangladesh.
Mesmo assim, estas sociedades prósperas do petróleo devem-se contar entre as mais cosmopolitas da actualidade, onde aos países já mencionados, há que adicionar ainda naturais da Índia, das Filipinas, do Sri Lanka ou do Irão, para não falar dos países árabes adjacentes como o Iraque, Yemen, Síria ou Jordânia, a fazer lembrar a diversidade tradicional dos Estados Unidos e a menos tradicional da Europa.
Por não terem a atenção mediática e por não existirem as liberdades políticas do Ocidente, nomeadamente a de expressão, não se pense que tudo esteja bem nos países árabes ricos. A técnica de impedir os imigrantes indesejados de se fixarem já teve os fracassos suficientes – na Alemanha, com os Gastarbeiter*, ou na África do Sul, com os bantustões** – para se perceber que não tem sucesso a longo prazo.
Outro dia, penso que terá Vasco Pulido Valente a perguntar porque razão no Ocidente não se leva a sério a ameaça do terrorismo islâmico com a mesma seriedade com que outrora se levou a do comunismo, durante a guerra-fria. Arrisco a resposta que talvez a sociedade ideal de bin Laden, não sendo deste mundo, não seja suficientemente tangível para que as pessoas a levem a sério, como acontecia com a União Soviética.
Mas o Islão teve e está a ter, com o exemplo destes países, uma oportunidade de mostrar as sociedades que a sua civilização pode criar, quando provida (!) de recursos. Suspeito que essa sociedade, quando vista da perspectiva de – por exemplo – um paquistanês emigrado em Riade, é capaz de não lhe deve parecer assim tão mais atractiva – ideologias à parte – do que parecerá a um seu compatriota a sociedade de Londres.
É questão de nos perguntarmos se os países árabes ricos também não correm o risco de vir a ter, à sua maneira, o seu choque de civilizações…
Ao contrário de outros países onde houve lugar à descoberta de importantes jazidas de petróleo, mas onde a população era (e é) numerosa (como o Irão ou o Iraque), os países da península eram todos escassamente povoados (ainda hoje a densidade populacional média é sete vezes inferior à portuguesa) e os benefícios dos rendimentos do petróleo tiveram um impacto profundo na população local.
Há o aspecto anedótico das esposas do Emir do Koweit que, tendo alugado um Boeing 747 para ir fazer compras a Paris, regressaram em dois, pois precisaram de um avião suplementar para trazer as compras… Mas há também o aspecto (único no mundo) da cidade do Dubai nos Emirados Árabes, com uma população de 850.000 pessoas, ter como fonte exclusiva de água potável, a água do mar dessalinizada.
O conjunto dos países da península (com excepção do Yemen, que tem muita gente, não tem petróleo e é uma republica…) agrupou-se em 1981 numa espécie de clube selecto de seis países monárquicos chamado Conselho de Cooperação para os Países Árabes do Golfo. Compõem-no a Arábia Saudita, Omã, o Kuweit, o Bahrain, o Qatar e os Emirados Árabes Unidos, uma federação de 7 emirados. A bandeira da organização ornamenta este post.
Em conjunto, o PIB dos seis países da organização equivalerá sensivelmente ao do Irão, para cerca de metade da população, e tanto a produção petrolífera como o nível de reservas actuais do conjunto corresponderá ao quádruplo dos do seu grande vizinho do norte. Mas o clube – cujo membro dominante é evidentemente a Arábia Saudita (75% da população total) – também tem as suas ameaças.
Há membros que já estão a esgotar as suas reservas de petróleo. É o caso do Bahrain. Embora ainda continue por mais algum tempo (cerca de 10 anos) a extracção de gás natural e tenha havido uma diversificação da economia antevendo o esgotamento dessas fontes de rendimento é sempre arriscado prever as consequências económicas e sociais do fim destes ciclos de prosperidade.
Seguir-se-á Oman, dentro de 20 a 25 anos. E depois será a vez do Qatar. Mas aquele problema que consideramos principal, e que poderá constituir uma verdadeira ameaça para o bem-estar dos árabes ricos está no presente das sociedades dos vários países da organização: cerca de 40% de toda população (36,7 milhões em Julho de 2006, segundo os dados da CIA) é composta por imigrantes.
Os imigrantes são um conjunto bastante heterogéneo. Há uma apreciável quantidade composta por imigrantes sazonais sozinhos (nos Emirados Árabes há três homens para cada mulher adulta) que são fortemente dissuadidos de ali procurarem estabelecer residência definitiva (as políticas poderão variar de país para país e conforme a naturalidade do imigrante mas estamos a falar do padrão dominante).
Quanto à origem dos imigrantes, há que considerar em primeiro lugar, o conjunto de quadros norte-americanos, europeus e japoneses (certamente virá a haver chineses no futuro…) que estão encarregues de supervisionar na origem os processos de extracção do petróleo que os seus países precisam. São poucos e a esmagadora maioria não faz tenção de ficar, por isso não inquietam as autoridades.
Depois, há que considerar a imigração árabe qualificada (nomeadamente egípcia, libanesa e também palestiniana) que, aparentemente é fácil de integrar, mas pode ser potencialmente perigosa, por estar habituada a níveis superiores de intervenção política, estranhos às sociedades locais. Uma boa fracção dos intervenientes nos atentados de 11 de Setembro, discípulos de bin Laden, pertencia a este grupo.
A ocupação dos postos de quadros médios e inferiores e de trabalho não qualificado tem sido disputada entre oriundos dos países árabes e de países asiáticos. A vantagem sociológica da contratação dos primeiros parece ser compensada com a vantagem económica de recorrer aos segundos. Mesmo assim é nítido que a preferência vai para imigrantes oriundos de países muçulmanos da Ásia como o Paquistão, a Indonésia ou o Bangladesh.
Mesmo assim, estas sociedades prósperas do petróleo devem-se contar entre as mais cosmopolitas da actualidade, onde aos países já mencionados, há que adicionar ainda naturais da Índia, das Filipinas, do Sri Lanka ou do Irão, para não falar dos países árabes adjacentes como o Iraque, Yemen, Síria ou Jordânia, a fazer lembrar a diversidade tradicional dos Estados Unidos e a menos tradicional da Europa.
Por não terem a atenção mediática e por não existirem as liberdades políticas do Ocidente, nomeadamente a de expressão, não se pense que tudo esteja bem nos países árabes ricos. A técnica de impedir os imigrantes indesejados de se fixarem já teve os fracassos suficientes – na Alemanha, com os Gastarbeiter*, ou na África do Sul, com os bantustões** – para se perceber que não tem sucesso a longo prazo.
Outro dia, penso que terá Vasco Pulido Valente a perguntar porque razão no Ocidente não se leva a sério a ameaça do terrorismo islâmico com a mesma seriedade com que outrora se levou a do comunismo, durante a guerra-fria. Arrisco a resposta que talvez a sociedade ideal de bin Laden, não sendo deste mundo, não seja suficientemente tangível para que as pessoas a levem a sério, como acontecia com a União Soviética.
Mas o Islão teve e está a ter, com o exemplo destes países, uma oportunidade de mostrar as sociedades que a sua civilização pode criar, quando provida (!) de recursos. Suspeito que essa sociedade, quando vista da perspectiva de – por exemplo – um paquistanês emigrado em Riade, é capaz de não lhe deve parecer assim tão mais atractiva – ideologias à parte – do que parecerá a um seu compatriota a sociedade de Londres.
É questão de nos perguntarmos se os países árabes ricos também não correm o risco de vir a ter, à sua maneira, o seu choque de civilizações…
* Traduzida literalmente, a expressão quer dizer trabalhador convidado. Convidado porque não se destinava a ficar na Alemanha para sempre, bem entendido...
** Os bantustões eram países artificiais criados pelo regime sul-africano de supremacia branca. A maioria dos trabalhadores eram nacionais desses países hipotéticos e podiam ser expulsos da África do Sul para o seu país em caso de conveniência...
NOTA: Os dados numéricos foram retirados do CIA Factbook.
Como em todas as ocasiões e em todos os países, aplica-se a máxima: "Não há dinheiro... não há palhaços!".
ResponderEliminarE esta máxima tem que ser levada a sério!!!