21 agosto 2006

BOTAS NO TERRENO

Agora que, quanto ao Líbano e às botas no terreno, já se percebeu que os intelectuais da nossa e de outras praças afinal só usam sapatos e que os militares que efectivamente as usam, querem que lhes expliquem muito bem explicadinho em que condições é que irão desempenhar a sua missão, conclui-se que o problema entre Israel e o Líbano voltou praticamente ao ponto zero.

A diplomacia francesa, com uma verdadeira habilidade de comerciante levantino, aldrabando um dos lados e dando a volta ao outro, excedeu-se numa arte que é atribuída originalmente aos fenícios, longínquos antepassados dos libaneses: a arte de vigarizar os parceiros. E a proeza foi de vulto, porque tanto libaneses como israelitas são reconhecidos especialistas na matéria!

Decididamente o Conselho de Segurança da ONU anda a ficar muito mal frequentado… E agora? Continuando tudo como está – o exército libanês fingindo que ocupa, o israelita fingindo que recua, o da ONU fingindo que desembarca e o Hezbollah nem fingindo que desarma – Israel está na contigência de ter de ir a jogo para que não se fique sob a impressão acabrunhante de que sofreu uma derrota devastadora.

Israel tem-se deixado enredar por discursos que depois condicionam a sua liberdade de acção. Fê-lo quando invocou o rapto de dois soldados para atacar o Líbano. A razão era tão inverosímil que conspurcou a credibilidade israelita a partir daí. Desta vez, Israel está preso à imagem que promoveu de quem teve de ser quase manietado (Segurem-me! Senão…) para aceitar as condições de cessar-fogo assinadas em Nova Iorque.

Por aquela lógica, o incumprimento das condições de cessar-fogo acordadas seria a razão próxima para que Israel retomasse a iniciativa no Líbano para fazer o que originalmente pretendia ali fazer. Ir a jogo, neste caso, só poderá ser o reacender o conflito a partir de um pretexto (mais plausível desta vez) para adquirir alguma vantagem militar no terreno e justificar ainda o seu estatuto de potência militar indisputada na região.

Mas aquela seria a reacção racional, se o governo e a sociedade israelitas não estivessem divididos por um intenso debate interno. Mas, não haja dúvidas que, se se mantiver na sua essência esta situação actual, sustido militarmente pelo Hezbollah e aldrabado diplomaticamente pela França, Israel corre o risco de receber uma verdadeira humilhação internacional.

3 comentários:

  1. Parece-me um ciclo vicioso. Pelo que se viu, Israel tem muita dificuldade em derrotar o Hezbollah, militarmente, e só aumenta o ódio à sua volta. Perder já perdeu. Será que, se reiniciar a ofensiva, seja qual for a desculpa, não se arrisca a... voltar a perder?

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  2. "Segurem-me! Senão..." é pior para mim, parece ser a conclusão lógica!
    Derrotar o Hezbollah que está, na boa lógica da guerrilha (não confundir com terrorismo!) fundido na população, é tarefa impossível, mesmo com apoios exteriores, por muitas forças que sejam postas no terreno!!!
    Parece-me que chegou a hora de Israel entender que o belicismo convicto não conduz a soluções duradouras...
    O mesmo se pode aplicar ao "Bushismo": as perdas no terreno custam muito caro na política!!!

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  3. A minha conclusão sobre qual será a decisão seguinte de Israel - verificando-se alguns pressupostos - não corresponde aos meus desejos sobre o que deveria acontecer.

    Também sei que estes conflitos não se disputam com o sangue-frio de quem joga um jogo de xadrez. Mas o cálculo das probabilidades dá vantagem a hipótese de Israel retomar a inisicativa. PODE acabar mal para Israel, se as iniciativas fracassarem, mas acabam DE CERTEZA mal, se se deixar estar como está.

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