26 agosto 2006

A SOMA DE TODOS OS NOSSOS MEDOS

No enredo de The Sum of All Fears (1991), de Tom Clancy, os terroristas árabes fazem detonar um engenho nuclear num estádio dos Estados Unidos, cujo combustível (plutónio) havia pertencido a um outro engenho nuclear, esse israelita. A bomba havia sido perdida por aqueles durante a guerra do Yom Kippur de 1973, numa missão em que o vector nuclear fora activado para o caso da situação militar vir a piorar no terreno convencional. E, suprema ironia, o plutónio havia sido originalmente roubado de uma fábrica de enriquecimento de combustível nuclear norte-americana…

Para além de reconhecer o mérito da prodigiosa imaginação de Clancy – em Debt of Honor (1994), ele antecipa-se 7 anos e faz despenhar um Jumbo suicida sobre o edifício do Capitólio em Washington, matando o presidente e a maioria dos congressistas – as circunstâncias em que decorre a sua história também retiram qualquer hipótese que o conflito do Médio Oriente possa ser visto numa perspectiva maniqueísta pró-israelita como normalmente as obras de ficção norte-americanas contêm. Aqui, Israel tem a bomba (verdadeiro), roubou os próprios aliados para obter o material para a construir (muito possível) e estava disposto a usá-la se as coisas lhe tivessem mal (muito provável).

Da mesma forma desapaixonada que inspirou a redacção do livro, também nos podemos perguntar porque é que, tendo Israel capacidade nuclear, o Egipto, a Síria, o Irão, a Turquia ou a Arábia Saudita – seus potenciais oponentes – não poderão ter aspirações a tê-la também? E essa deve ser a pergunta essencial a colocar quando se discute a questão do programa nuclear iraniano. Porque a verdade é que toda esta questão é de cariz geoestratégico e não tem nada a ver com o problema dos regimes, como o vemos repetidamente abordado. Numa perspectiva ocidental, há muitos regimes antipáticos que têm a bomba e há que viver com eles – Rússia, China, Paquistão…

E há outros regimes que deveriam ser simpáticos mas o são menos por causa da bomba – a Índia. É impossível simulá-lo, mas é muito provável que, tivesse o regime imperial perdurado até hoje no Irão, os pretextos invocados para as objecções ao desenvolvimento do programa nuclear iraniano, tanto pelos Estados Unidos (ainda que aliados do regime…) como pelos outros países apenas seriam apenas diferentes. As objecções continuariam. Assim como se manteria a determinação iraniana em continuar o programa, apresentando mesmo as razões mais estapafúrdias para o fazer (aquela ideia de evocar razões energéticas é absolutamente risível…).

A recente resposta de Teerão às propostas para que interrompa as suas pesquisas estão no limiar do equilíbrio entre o que se pode considerar cordato do ponto de vista diplomático mas sem fazer nenhuma inflexão significativa quando ao abandono do processo de enriquecimento do urânio. É desconfortável, mas realista, habituarmo-nos à ideia que o Irão virá, a prazo, a possuir a capacidade de produzir armamento nuclear. Como parece acontecer também com a Coreia do Norte. Como possivelmente virá a acontecer com a Turquia e a Arábia Saudita (os dois candidatos mais prováveis a reagir ao Irão).

Tudo aponta para que a nova gramática das demonstrações de poder nas relações internacionais entre as potências nesta ordem multipolar dos princípios do século XXI utilize a capacidade nuclear da mesma forma como há 100 anos atrás elas usavam os grandes couraçados (dreadnought): potência que se prezasse tinha que ter alguns e a lógica da sua posse também seguia linhas regionais (exemplo: o Brasil adquiriu, a Argentina também quis ter o que forçou o Chile a arranjar…). E termino com um desejo: o de que a analogia não se fique só por aqui. Fora das demonstrações, os couraçados nunca foram muito usados em combate…

Curiosidade:

Países dispondo ou com programas para adquirir couraçados em 1914: Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha, Japão, França, Itália, Rússia, Áustria-Hungria, Turquia, Brasil, Argentina, Chile, Espanha e Suécia.

Países dispondo ou com programas para aquisição de capacidade nuclear em 2006: Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França, China, Índia, Israel, Paquistão, Coreia do Norte, Irão...

6 comentários:

  1. Como demonstração de poderio marítimo creio que os couraçados cederam o lugar aos porta-aviões.
    Nesse aspecto o Brasil não quis perder o comboio e, segundo reza a História, cada vez que saía para o mar, o Brasil deixava de comer para pagar as despesas...
    Porque será que não temos também um porta-aviões?

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  2. É verdade que o clube dos possuidores de porta-aviões também foi um clube muito selecto: Estados Unidos, Reino Unido, França, Holanda, Austrália, União Soviética, Índia, Brasil e Argentina.

    A Itália, a Espanha e a Tailândia têm os seus porta-helicópteros, mais pequenos e baratinhos, que é como se fosse uma espécie de porta-aviões comprado no IKEA...

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  3. Desconheço a classe do porta-helicópteros italiano e nem sonhava que a Tailândia também possuia material semelhante.
    Os nossos vizinhos sei que transportam caças-bombardeiros "Harrier", um helicóptero adaptado a avião (ou vice-versa!) com bastante sucesso!

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  4. Além do Principe das Astúrias (espanhol) de 1988, o italiano é o Giuseppe Garibaldi de 1985 e o tailndês o Chakri Nareubet de 1997. O equipamento, como seria de esperar, é composto por um misto Harriers V/STOL e helicópteros de transporte ou de luta anti-submarina.

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  5. Quem sabe, sabe!
    Quem, como eu, não sabe, só pode agradecer... e aprender!
    Nunca pensou dedicar-se ao Ensino?
    Gostaria de o ter tido como Professor de História, função que desempenha, oficiosamente, com brilho!!!

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  6. Não posso deixar de concordar com o "impaciente português"!

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