10 agosto 2006

1578

Penitencio-me se for da minha natureza cometer a injustiça de não dar o relevo devido às situações em que estou em concordância com os posts publicados por Paulo Gorjão no seu Bloguítica, em contraponto com as poucas vezes em que dele discordo, parcial ou totalmente. Aconteceu mais uma vez, num post em que, fugindo ao seu estilo sóbrio, Paulo Gorjão o baptizou de A Teoria da Avestruz.

Porque subscrevo uma boa parte dos argumentos dos artigos que o Paulo Gorjão refuta no referido poste e me senti assim uma espécie de avestruz teórica, não tendo o Bloguítica uma caixa de comentários onde possa refutar algumas das suas afirmações no tal post, resolvi usar este expediente na esperança que algum dia Paulo Gorjão passe por cá e diga de sua justiça, se lhe aprouver.

Em lógica, a diferença entre um teorema e um axioma é que o primeiro precisa de ser demonstrado. O segundo é uma evidência. O problema é que, por vezes, os axiomas podem não ser universais e aceites por todos, como este, assumido por Paulo Gorjão: A verdade, goste-se ou não dela, é que alguém terá de colocar as botas no terreno, caso contrário a realidade política pode ainda ser pior do que já é …

Para Paulo Gorjão trata-se de um facto, mas para mim é apenas uma opinião. Respeitável mas, passe a ironia, o terreno já está pejado de botas, tanto do exército israelita como das milícias do Hezbollah e mandar para lá mais botas, agora de uma terceira parte, sem que haja uma anuência prévia e sincera das outras em aceitá-las em condições de cessar-fogo, então é que, de certeza, a realidade política se torna ainda pior do que já é…

Relembro que, até agora, nos esboços de resoluções apresentadas para o problema têm sido privilegiadas as vontades da parte israelita. Concretamente, eu percebo o interesse de Israel em que se proceda ao desarmamento do Hezbollah. Tenho é muitas dificuldades em antever que eles se disponham a fazê-lo pacificamente… E uma dificuldade ainda maior em descobrir forças da ONU – mesmo robustas - que os forcem a isso…

Num aspecto estou de acordo com Paulo Gorjão: a União Europeia vai ter de fazer pela vida, que ela custa a todos. Mas quando for do seu interesse e sobretudo quando tiver meios para o fazer apropriadamente, o que parece não acontecer actualmente. Que não o faça por causa do vazio de poder da superpotência norte-americana que, por erros estratégicos próprios, parece estar enfiada numa camisa de onze varas

Um pormenor final, a propósito da opinião de Paulo Gorjão que considera que Nuno Peres Monteiro ou Domingos Amaral não adiantam soluções nos seus artigos. Quando o entusiasmo pela intervenção é assim grande, como parece acontecer neste caso, a fundamentação das razões para se ter uma abordagem cautelosa é, em si mesma e apesar das aparências, uma solução por si própria.

Imagine-se que essa abordagem tinha vingado com D. Sebastião em 1578 e imagine-se como poderia ter sido diferente a História de Portugal, se ele e o seu exército não tivessem embarcado para Marrocos e avançado para Alcácer Quibir… Será, Paulo Gorjão, que o círculo próximo de D. Sebastião também partilharia, naquela altura, da sua perspectiva actual da necessidade de botas no terreno?

Em suma, para mim, essa decisão - de enviar ou não enviar tropas da União Europeia para o Líbano - trata-se de algo que não é inevitável, mas trata-se antes de uma questão de assumpção de riscos. E os riscos devem ser ponderados seriamente porque podem ser muito grandes. Aos que defendem esses riscos, lembre-se a argumentação de José Pacheco Pereira, que recorda como as actuais gerações europeias (incluindo a sua), feliz ou infelizmente, já perderam a noção do que é a guerra - e dos seus riscos também...

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