02 agosto 2006

OS DOIS GRAUS QUE FAZEM TODA A DIFERENÇA

Havia uma anedota durante a guerra-fria que fazia com que Nicolau II, o último Czar, encontrasse Staline acabadinho de chegar ao outro mundo e lhe pedisse novidades da sua Santa Rússia.

É fácil de imaginar como seria o diálogo: Staline confirmou que era preciso continuar a ter pulso para mandar no país, a polícia política estava ainda mais bem organizada, o seu prestígio internacional era maior do que nunca e continuava-se a beber imenso vodka.

Um pormenor apenas: o vodka que, nos tempos do czarismo tinha uma graduação alcoólica de 38º, tinha sido agora normalizado para os 40º. E a pergunta de Nicolau seguia-se, espectável: tinha sido mesmo necessária aquela confusão toda da Revolução Russa só por causa de 2º no álcool do vodka?

Esta história ocorreu-me ao ler as declarações de José Ramos Horta proferidas ontem no parlamento timorense. Segundo ele, o novo governo timorense não pode deixar de continuar os objectivos programáticos do governo que o antecedeu. O resto das suas declarações, com o mesmo sentido, podem ser lidas na página 19 do Público de 1 de Agosto.

Aceitando aquelas declarações pelo seu valor facial, e não parece haver razões para não o fazer, então é possível concluir agora, com o natural distanciamento e tranquilidade, que nunca houve um problema político de fundo por detrás da crise profunda que se verificou. Haverá que encontrar outras razões, algumas serão mesmo pessoais e outras de cariz diferente.

É que os recentes acontecimentos que conduziram à detenção do major Reinado pela GNR por posse de armamento, no dia seguinte ao da proclamação do encerramento da operação com esse mesmo propósito por parte do brigadeiro australiano parecem indiciar que continuam a coexistir várias legalidades no país.

Não é plausível atribuir à ingenuidade e à incompetência do comando australiano o facto do mediaticamente exposto Reinado permanecesse armado assim como não pode ser coincidência o facto da sua denúncia provável - e logo no dia seguinte ao do fim do prazo para entrega das armas! - ter sido feita junto das forças policiais portuguesas.

Ainda para mais, quando o assunto da posse e distribuição do armamento se ter tornado um elemento importante de acusação política, nomeadamente no caso do ex-primeiro-ministro Mari Alkatiri. O episódio, excelentemente montado pela facção de Alkatiri, é capaz de ter evidenciado à transparência que as evocações do direito em Timor-Leste são uma verdadeira farçolada - como é aqui destacado.

Embora invocando a mesma matriz legal, parece que as forças destacadas em Timor Leste têm um entendimento distinto do que deve ser essa legalidade. O que é preocupante e retira as necessária condições de tranquilidade à transição suave anunciada por Ramos Horta. Mesmo a legalidade da Rússia, que sempre foi (e parece continuar a ser) repressiva e autocrática, detestável mesmo, sempre foi só uma…

3 comentários:

  1. É a legalidade acrescida... de um dia! Mais vale tarde... e, se calhar, a GNR ainda estava a funcionar pelo nosso fuso horário!

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  2. "O episódio, excelentemente montado pela facção de Alkatiri"? Então o Major Reinado não declarou que entregou as armas voluntariamente?

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  3. Claro!
    Tal qual aquele senhor que anunciou que tinha bens a declarar depois te ter sido sorteada a sua ida à alfandega...

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