É patente que, ao contrário do que as grandes potências ocidentais às vezes nos pretendem fazer crer (os Estados Unidos no Iraque, por exemplo), a existência da democracia não se cinge à realização de um acto eleitoral, mais ou menos livre, mais ou menos honesto, certificado pelo avalista mundial mais prestigiado para essas funções: o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter. Um acto eleitoral é um primeiro passo necessário para o estabelecimento de uma democracia mas não é, só por si, condição suficiente para se verificar a sua existência.
Para a existência de uma verdadeira democracia, a alternância democrática será o processo que se segue: começa com o partido A no poder e o B na oposição, depois B vence eleições e A passa para a oposição até este ter oportunidade de ganhar as eleições e regressar ao poder relegando B novamente para a oposição. Só quando este ciclo está completo é que se pode assegurar que tanto A como B estão dispostos a conquistar e a ceder o poder através de processos eleitorais democráticos.
O equilíbrio descrito é muito complexo de alcançar. Há sociedades que temos por muito avançadas que parecem demorar a incorporá-lo: o Japão, já tem eleições há mais de cinquenta anos mas sempre teve o mesmo partido no poder (PLD*) e no México, foi o PRI* que venceu as eleições durante mais de 70 anos a fio. A maioria dos países da América Latina sempre teve uma relação difícil com a eleição dos dirigentes pelo voto livre e mesmo a Europa meridional (ver post anterior) padece (ainda que muito menos) do mesmo problema.
Mas África é que é o continente onde os casos de sucesso se contam pelos dedos de uma mão (sendo um dos dedos para nomear Cabo Verde) e por isso é preciso considerar como uma enorme demonstração de boa vontade todos os meios que foram mobilizados pelos países que compõem a MONUC, a EUFOR e a EUPOL** (entre os quais se conta Portugal) para o apoio da realização de eleições presidenciais na República Democrática do Congo.
Depois de uma contagem dos votos que se arrastou por mais de 15 dias, o anúncio dos resultados fez desencadear o desagrado das partes e uma onda de violência, a fazer lembrar os acontecimentos ocorridos em 1992 na vizinha Angola. Também aqui, os partidários do presidente Kabila (que foi o candidato mais bem colocado com 44,81% dos votos) defendem a dispensa da realização da segunda volta, tal como fazia o MPLA em 1992 em Angola, brandindo os 49,57% de José Eduardo dos Santos***.
Muitas vezes, figurativamente, faz-se recair a responsabilidade do sucesso ou insucesso de um acto eleitoral no povo. Ora, do ponto de vista do povo, os actos eleitorais são de uma simplicidade infantil; ele até pode votar segundo critérios étnicos ou religiosos, subvertendo, aparentemente, as concepções ocidentais que acham que só os critérios políticos são válidos para eleições. Mas os resultados aparecem e o desinteresse popular tem sempre uma forma linear de se exprimir: a abstenção.
Os fracassos, como parece estar a tornar-se o caso da República Democrática do Congo e como foram os casos de Angola e de muitos mais sítios, não foram provocados pela maturidade ou falta dela por parte dos povos envolvidos, mas sim por uma falta de disponibilidade das respectivas elites em aceitar as regras da alternância democrática. Para elas, a eleição inicial, livre e supervisionada, confere-lhes o mandato para o exercício discricionário do poder a partir daí.
É defensável que se argumente que é sempre melhor apoiar estes esforços em prol da democracia, mesmo que eles depois não venham a ter seguimento. Para mim, que não partilho dessa visão evangelizadora, tudo depende dos recursos a eles afectos, que parecem não ter sido poucos no caso do Congo, e dos benefícios que esperamos colher. É que todos sabemos que os resultados destas acções dependem muito mais da disposição de quem as recebe do que da boa vontade de quem as pratica.
Para a existência de uma verdadeira democracia, a alternância democrática será o processo que se segue: começa com o partido A no poder e o B na oposição, depois B vence eleições e A passa para a oposição até este ter oportunidade de ganhar as eleições e regressar ao poder relegando B novamente para a oposição. Só quando este ciclo está completo é que se pode assegurar que tanto A como B estão dispostos a conquistar e a ceder o poder através de processos eleitorais democráticos.
O equilíbrio descrito é muito complexo de alcançar. Há sociedades que temos por muito avançadas que parecem demorar a incorporá-lo: o Japão, já tem eleições há mais de cinquenta anos mas sempre teve o mesmo partido no poder (PLD*) e no México, foi o PRI* que venceu as eleições durante mais de 70 anos a fio. A maioria dos países da América Latina sempre teve uma relação difícil com a eleição dos dirigentes pelo voto livre e mesmo a Europa meridional (ver post anterior) padece (ainda que muito menos) do mesmo problema.
Mas África é que é o continente onde os casos de sucesso se contam pelos dedos de uma mão (sendo um dos dedos para nomear Cabo Verde) e por isso é preciso considerar como uma enorme demonstração de boa vontade todos os meios que foram mobilizados pelos países que compõem a MONUC, a EUFOR e a EUPOL** (entre os quais se conta Portugal) para o apoio da realização de eleições presidenciais na República Democrática do Congo.
Depois de uma contagem dos votos que se arrastou por mais de 15 dias, o anúncio dos resultados fez desencadear o desagrado das partes e uma onda de violência, a fazer lembrar os acontecimentos ocorridos em 1992 na vizinha Angola. Também aqui, os partidários do presidente Kabila (que foi o candidato mais bem colocado com 44,81% dos votos) defendem a dispensa da realização da segunda volta, tal como fazia o MPLA em 1992 em Angola, brandindo os 49,57% de José Eduardo dos Santos***.
Muitas vezes, figurativamente, faz-se recair a responsabilidade do sucesso ou insucesso de um acto eleitoral no povo. Ora, do ponto de vista do povo, os actos eleitorais são de uma simplicidade infantil; ele até pode votar segundo critérios étnicos ou religiosos, subvertendo, aparentemente, as concepções ocidentais que acham que só os critérios políticos são válidos para eleições. Mas os resultados aparecem e o desinteresse popular tem sempre uma forma linear de se exprimir: a abstenção.
Os fracassos, como parece estar a tornar-se o caso da República Democrática do Congo e como foram os casos de Angola e de muitos mais sítios, não foram provocados pela maturidade ou falta dela por parte dos povos envolvidos, mas sim por uma falta de disponibilidade das respectivas elites em aceitar as regras da alternância democrática. Para elas, a eleição inicial, livre e supervisionada, confere-lhes o mandato para o exercício discricionário do poder a partir daí.
É defensável que se argumente que é sempre melhor apoiar estes esforços em prol da democracia, mesmo que eles depois não venham a ter seguimento. Para mim, que não partilho dessa visão evangelizadora, tudo depende dos recursos a eles afectos, que parecem não ter sido poucos no caso do Congo, e dos benefícios que esperamos colher. É que todos sabemos que os resultados destas acções dependem muito mais da disposição de quem as recebe do que da boa vontade de quem as pratica.
Os povos africanos já demonstraram repetidas vezes que convivem lindamente (com alegria, mesmo) com eleições democráticas. As elites que os dirigem é que nem por isso... e só muito retorcidamente é que a culpa disso ainda poderá ser dos colonizadores europeus...
* Partido Liberal Democrático e Partido Revolucionário Institucional, respectivamente.
** Acrónimos de missões sob a égide da ONU e da União Europeia para a segurança da realização das eleições presidenciais no Congo.
***Valha a verdade que também ouvi esse mesmo argumento, em benefício de Freitas do Amaral, apresentado por Daniel Proença de Carvalho na televisão no seguimento da apresentação dos resultados primeira volta das eleições presidências de 1986. Os acontecimentos subsequentes demonstraram até que ponto ele estava errado! Será de atribuir as declarações de Proença de Carvalho, inaceitavelmente não democráticas, a uma espécie de embriaguez momentânea, provocada pela vitória eleitoral do seu candidato…
***Valha a verdade que também ouvi esse mesmo argumento, em benefício de Freitas do Amaral, apresentado por Daniel Proença de Carvalho na televisão no seguimento da apresentação dos resultados primeira volta das eleições presidências de 1986. Os acontecimentos subsequentes demonstraram até que ponto ele estava errado! Será de atribuir as declarações de Proença de Carvalho, inaceitavelmente não democráticas, a uma espécie de embriaguez momentânea, provocada pela vitória eleitoral do seu candidato…
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