É sempre difícil falar de violência com um militar. Para ele, conceptualmente, a expressão da violência é um fenómeno que se manifesta de uma forma colectiva e ritualizada. Ele até pode compreender – e participar… – em expressões individuais de violência, envolvendo-se pessoalmente à pancada com alguém, mas toda a sua formação intelectual e preparação psicológica está dirigida para uma outra realidade que o domina.
Clausewitz, que era um militar, criou uma frase famosa segundo a qual a guerra é a continuação da política por outros meios. O que é verdade, mas apenas segundo uma certa lógica, a lógica de um militar. Por isso se torna necessário explicitar na análise dos conflitos quando se trata da intervenção de um agente clausewitziano. Por exemplo, dois miúdos engalfinhados à tareia no recreio da escola não são agentes clausewitzianos…
Tenho o mesmo problema, que acima expliquei quanto aos militares, à violência e à guerra quando se fala de sacerdotes, da fé e da religião. Por muito que o negue, também o sacerdote, por causa da sua formação, tem essa mesma tendência a conceber predominantemente a religião como um fenómeno colectivo e ritualizado. Ora, tal como a violência pode ser individual, também considero que a relação com o divino o possa ser.
E é por causa desse hiato conceptual que procuro ser cuidadoso na forma como abordo artigos assinados quer por militares, quer por sacerdotes. Mas aquele que hoje é assinado pelo padre Anselmo Borges, no Diário de Notícias (p.5), intitulado A Palestina: um problema teológico?, além de dele discordar, enferma, quanto a mim, de um grande erro, discreto mas muito importante e que fica muito para além do campo dos conceitos.
No seu artigo, o autor data a chegada dos árabes à Palestina fazendo-a coincidir com o início do domínio muçulmano (636 d.C.). Ora os povos árabes sempre coexistiram com os judeus na região e vieram até a ocupar o espaço vago deixado por eles por altura da sua expulsão no reinado do imperador romano Adriano (135 d.C.). A população árabe do Império, além de lhe ter dado um imperador, Filipe (244-49), nos séculos IV, V e VI contava-se entre as populações mais evangelizadas do império.
É um erro grosseiro, involuntário decerto, mas significativo, o de confundir a chegada das populações com a das religiões, e datar pela instalação do domínio muçulmano na Palestina em 636 a presença do povo árabe. Ora o povo árabe da Palestina já foi predominantemente cristão e ainda hoje uma minoria (estimada entre os 10 a 15%) ainda o é. É verdade que o predomínio político daquela região nunca mais foi recuperada para outra religião – salvo durante o breve período das Cruzadas (1099-1187) – até à instalação da administração britânica em 1919, seguida da fundação do Estado de Israel em 1948.
Em Israel, como no Líbano vizinho, mesmo na actualidade, quase todas as clivagens políticas podem ser interpretadas segundo fracturas étnicas e religiosas. E o padre Borges disso saberá com certeza, quando se esteve a documentar sobre a história recente da região para a redacção do seu artigo, nomeadamente para aquele período que antecedeu a independência de Israel em 1948. Se preferiu não o mencionar e se, em vez disso, escolheu mensagens bíblicas e corânicas de conteúdo pacífico, terá sido por opção sua…
Também mostro muito respeito pelas duas volumosas obras fundamentais – O Judaísmo e O Islão – referidas, da autoria do teólogo Hans Kung (que confesso não ter lido), mas desconfio que não as vou ler, se a mensagem essencial que delas se extrai for a seleccionada pelo padre Anselmo Borges para o seu artigo: Não haverá paz enquanto os membros das três religiões monoteístas, que se reclamam de Abraão, se não tornarem activos politicamente, impedindo o fanatismo religioso.
Não questionando a bondade (e a evidente ingenuidade) da sua redacção, tudo aquilo pode ser muito bem intencionado, mas é perfeitamente superficial. Ao longo de toda a sua história, qualquer daquelas três religiões têm sido usadas para facilitar a actividade política dos seus fanáticos – quando são do nosso lado designam-se por pessoas com muito fervor religioso… – que querem dominar naquela que designaram por Terra Santa.
Clausewitz, que era um militar, criou uma frase famosa segundo a qual a guerra é a continuação da política por outros meios. O que é verdade, mas apenas segundo uma certa lógica, a lógica de um militar. Por isso se torna necessário explicitar na análise dos conflitos quando se trata da intervenção de um agente clausewitziano. Por exemplo, dois miúdos engalfinhados à tareia no recreio da escola não são agentes clausewitzianos…
Tenho o mesmo problema, que acima expliquei quanto aos militares, à violência e à guerra quando se fala de sacerdotes, da fé e da religião. Por muito que o negue, também o sacerdote, por causa da sua formação, tem essa mesma tendência a conceber predominantemente a religião como um fenómeno colectivo e ritualizado. Ora, tal como a violência pode ser individual, também considero que a relação com o divino o possa ser.
E é por causa desse hiato conceptual que procuro ser cuidadoso na forma como abordo artigos assinados quer por militares, quer por sacerdotes. Mas aquele que hoje é assinado pelo padre Anselmo Borges, no Diário de Notícias (p.5), intitulado A Palestina: um problema teológico?, além de dele discordar, enferma, quanto a mim, de um grande erro, discreto mas muito importante e que fica muito para além do campo dos conceitos.
No seu artigo, o autor data a chegada dos árabes à Palestina fazendo-a coincidir com o início do domínio muçulmano (636 d.C.). Ora os povos árabes sempre coexistiram com os judeus na região e vieram até a ocupar o espaço vago deixado por eles por altura da sua expulsão no reinado do imperador romano Adriano (135 d.C.). A população árabe do Império, além de lhe ter dado um imperador, Filipe (244-49), nos séculos IV, V e VI contava-se entre as populações mais evangelizadas do império.
É um erro grosseiro, involuntário decerto, mas significativo, o de confundir a chegada das populações com a das religiões, e datar pela instalação do domínio muçulmano na Palestina em 636 a presença do povo árabe. Ora o povo árabe da Palestina já foi predominantemente cristão e ainda hoje uma minoria (estimada entre os 10 a 15%) ainda o é. É verdade que o predomínio político daquela região nunca mais foi recuperada para outra religião – salvo durante o breve período das Cruzadas (1099-1187) – até à instalação da administração britânica em 1919, seguida da fundação do Estado de Israel em 1948.
Em Israel, como no Líbano vizinho, mesmo na actualidade, quase todas as clivagens políticas podem ser interpretadas segundo fracturas étnicas e religiosas. E o padre Borges disso saberá com certeza, quando se esteve a documentar sobre a história recente da região para a redacção do seu artigo, nomeadamente para aquele período que antecedeu a independência de Israel em 1948. Se preferiu não o mencionar e se, em vez disso, escolheu mensagens bíblicas e corânicas de conteúdo pacífico, terá sido por opção sua…
Também mostro muito respeito pelas duas volumosas obras fundamentais – O Judaísmo e O Islão – referidas, da autoria do teólogo Hans Kung (que confesso não ter lido), mas desconfio que não as vou ler, se a mensagem essencial que delas se extrai for a seleccionada pelo padre Anselmo Borges para o seu artigo: Não haverá paz enquanto os membros das três religiões monoteístas, que se reclamam de Abraão, se não tornarem activos politicamente, impedindo o fanatismo religioso.
Não questionando a bondade (e a evidente ingenuidade) da sua redacção, tudo aquilo pode ser muito bem intencionado, mas é perfeitamente superficial. Ao longo de toda a sua história, qualquer daquelas três religiões têm sido usadas para facilitar a actividade política dos seus fanáticos – quando são do nosso lado designam-se por pessoas com muito fervor religioso… – que querem dominar naquela que designaram por Terra Santa.
Não haverá melhor sítio no Mundo onde se possa parafrasear a famosa frase de Clausewitz: a religião é a continuação da política por outros meios…
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