Ontem, por causa de um programa de televisão, lembrei-me de um outro episódio, também ali passado, mas já há 24 anos, quando da primeira visita de João Paulo II a Portugal em 1982. Durante um dos enormes períodos que a RTP dedicou ao evento, houve oportunidade para o padre convidado para comentar as cerimónias – cujo nome já não recordo – produzir apreciações sobre os papas antecessores de João Paulo II.
Recuando para trás no tempo, desde as trivialidades - o papa do sorriso - a respeito do imediato antecessor, João Paulo I, que foi papa apenas por 33 dias, todos os outros antecessores seguintes, Paulo VI (1963-78), João XXIII (1958-63), Pio XII (1939-58) haviam sido, na opinião do comentador, indiscutíveis casos de tremendo sucesso, numa linha de continuidade, mesmo quando o seu pontificado havia sido uma inflexão notória na direcção da Igreja em relação à do seu predecessor (caso de João XXIII em relação a Pio XII).
Eu estava perplexo com as distorções que a narrativa continha, até me aperceber daquilo que era óbvio: o comentador estava comprado! Nunca se poderia esperar que um padre, sujeito às regras disciplinares, produzisse em público uma análise objectiva sua do desempenho dos antecessores do actual pontífice. Não tinha liberdade de o fazer. Nesses tempos de guerra-fria, não eram só os comunistas que ficavam desconfortáveis na cadeira quando tinham de fazer em público apreciações sobre os tempos de Staline…
Terá sido esse o episódio que me levou a associar sempre a religião católica quando leio certo tipo de histórias em que se encadeiam e sucedem protagonistas que são sempre de grande qualidade, mesmo quando as políticas prosseguidas são quase completamente antagónicas (em Portugal, é o caso de D. Afonso V e de D. João II, por exemplo). É o estilo que encontramos entre nós em Joaquim Veríssimo Serrão, na sua História de Portugal, ou em Ricardo de la Cierva, na sua Historia Total de España, por exemplo.
Mas foi defronte de um televisor que ontem me lembrei do padre que se esforçava por arranjar apenas aspectos positivos ao pontificado de Pio XII, ao associá-lo aos responsáveis pela elaboração dos textos do programa transmitido ontem pela RTP por ocasião do 100º aniversário do nascimento de Marcello Caetano. Ao longo do documentário a dulcificação do mesmo foi tal, que as palavras mais agrestes que se ouviram vieram do próprio Marcello e em discurso directo, por ocasião das suas Conversas em Família, desmentido a pessoa bondosa e benigna que a locução off pretendia descrever.
Como qualquer perdedor na arena política, ainda para mais tendo perdido o poder de forma violenta, a pessoa e a obra de Marcello acabaram por ser muito maltratadas no período que imediatamente se seguiu. Já sendo tempo de olhar para aquele período com distanciamento histórico, também não vale a pena tentar fazer agora uma análise em forma de antítese de tudo o que foi dito até agora sobre ele. O contraste com o seu antecessor torna a sua figura mais simpática, mas é com o Mundo de então que o rodeia (o final dos anos 60) que Marcello deve ser comparado.
E aí, o veredicto é severo: as suas Conversas em Família, por exemplo, uma novidade do Portugal de então, copiam as Conversas à Lareira do Presidente Roosevelt, na rádio americana, criadas 30 anos antes… E, sobretudo, é preciso não esquecer que Marcello ficou para a História como um derrotado, porque não conseguiu realizar aquilo a que se tinha proposto. Falhou na realização de uma transição do regime. Como, por exemplo e em circunstâncias diferentes, veio a acontecer em Espanha com Carlos Arias Navarro, mas não veio a acontecer com Adolfo Suarez.
Recuando para trás no tempo, desde as trivialidades - o papa do sorriso - a respeito do imediato antecessor, João Paulo I, que foi papa apenas por 33 dias, todos os outros antecessores seguintes, Paulo VI (1963-78), João XXIII (1958-63), Pio XII (1939-58) haviam sido, na opinião do comentador, indiscutíveis casos de tremendo sucesso, numa linha de continuidade, mesmo quando o seu pontificado havia sido uma inflexão notória na direcção da Igreja em relação à do seu predecessor (caso de João XXIII em relação a Pio XII).
Eu estava perplexo com as distorções que a narrativa continha, até me aperceber daquilo que era óbvio: o comentador estava comprado! Nunca se poderia esperar que um padre, sujeito às regras disciplinares, produzisse em público uma análise objectiva sua do desempenho dos antecessores do actual pontífice. Não tinha liberdade de o fazer. Nesses tempos de guerra-fria, não eram só os comunistas que ficavam desconfortáveis na cadeira quando tinham de fazer em público apreciações sobre os tempos de Staline…
Terá sido esse o episódio que me levou a associar sempre a religião católica quando leio certo tipo de histórias em que se encadeiam e sucedem protagonistas que são sempre de grande qualidade, mesmo quando as políticas prosseguidas são quase completamente antagónicas (em Portugal, é o caso de D. Afonso V e de D. João II, por exemplo). É o estilo que encontramos entre nós em Joaquim Veríssimo Serrão, na sua História de Portugal, ou em Ricardo de la Cierva, na sua Historia Total de España, por exemplo.
Mas foi defronte de um televisor que ontem me lembrei do padre que se esforçava por arranjar apenas aspectos positivos ao pontificado de Pio XII, ao associá-lo aos responsáveis pela elaboração dos textos do programa transmitido ontem pela RTP por ocasião do 100º aniversário do nascimento de Marcello Caetano. Ao longo do documentário a dulcificação do mesmo foi tal, que as palavras mais agrestes que se ouviram vieram do próprio Marcello e em discurso directo, por ocasião das suas Conversas em Família, desmentido a pessoa bondosa e benigna que a locução off pretendia descrever.
Como qualquer perdedor na arena política, ainda para mais tendo perdido o poder de forma violenta, a pessoa e a obra de Marcello acabaram por ser muito maltratadas no período que imediatamente se seguiu. Já sendo tempo de olhar para aquele período com distanciamento histórico, também não vale a pena tentar fazer agora uma análise em forma de antítese de tudo o que foi dito até agora sobre ele. O contraste com o seu antecessor torna a sua figura mais simpática, mas é com o Mundo de então que o rodeia (o final dos anos 60) que Marcello deve ser comparado.
E aí, o veredicto é severo: as suas Conversas em Família, por exemplo, uma novidade do Portugal de então, copiam as Conversas à Lareira do Presidente Roosevelt, na rádio americana, criadas 30 anos antes… E, sobretudo, é preciso não esquecer que Marcello ficou para a História como um derrotado, porque não conseguiu realizar aquilo a que se tinha proposto. Falhou na realização de uma transição do regime. Como, por exemplo e em circunstâncias diferentes, veio a acontecer em Espanha com Carlos Arias Navarro, mas não veio a acontecer com Adolfo Suarez.
Marcello Caetano tem, indiscutivelmente, o seu lugar na História de Portugal. Nem tão sombrio como as narrativas das comissões anti-fascistas, nem tão suave quanto a do documentário de ontem da RTP. Na minha opinião, este deveria ter sido muito mais equilibrado. Com aquele equilíbrio e distanciamento que censura D. João V e os seus conselheiros por terem sido uma espécie de Guterres e equipa na sua época: malbarataram uma conjuntura muito favorável por falta de coragem política para proceder às reformas que D. José e o Marquês de Pombal vieram a fazer…
Nesta última comparação reconheço que há um desejo incorporado: que Guterres já faça parte da História de Portugal e não se lembre de reaparecer...
...E cada vez há mais políticos a pedirem um lugar na história mas que continuam a mexer (mal!) connosco!!!
ResponderEliminarÉ um caso típico para ver quão desproporcionada é a ambição desses políticos.
ResponderEliminarVê-se pelo exemplo do período da monarquia constitucional o que é que a posterioridade costuma fazer aos especialistas de sucesso nas manobras e tricas da actividade parlamentar.
Quam ainda se lembra, por exemplo, de quem foi Lucas Pires? Bem se pode pedir mas os lugares da História são como os "insondáveis desígnios do senhor": são poucos os escolhidos...