Porque as pessoas de pose severa são as vítimas ideais dos gozos quando as circunstâncias se voltam contra si, o episódio em que Mariana Mortágua evocou o «sobressalto da avó» a propósito de uma «lei das rendas» que fora publicada pelo PSD*, tornou-se num dos últimos gozos favoritos tanto da informação tradicional como das redes sociais (acima). É que a história continha detalhes que eram de difícil verosimilhança, embora haja que reconhecer-se que, quanto ao essencial, é impossível aos que não fossem testemunhas presenciais desmentirem que a avó da Mariana não se tivesse «sobressaltado», como ela descreveu. Só que as ressalvas da lei continham várias cláusulas que muito provavelmente excluiriam a avó da Mariana Mortágua das consequências da lei que ela invocou. Teria sido um «sobressalto», mas de pouca duração. O pior foi o episódio que se seguiu: quando confrontada com a ressonância da história, a figura de Mariana Mortágua é a que se pode apreciar neste vídeo abaixo.
Muita indignação coreografada e nenhuma resposta substantiva contendo factos e dados concretos, que seria a única maneira efectiva de matar o gozo que se montara à sua custa. Como muito bem contrapõe Pedro Mourinho numa passagem do vídeo acima, é ele que está a colocar-lhe a pergunta (a Mariana Mortágua), não é a direita que a entrevistada evoca evasivamente. Ela acaba por não responder... Isto tem mais piada porque se trata do Bloco de Esquerda, que tem a pretensão de ser impoluto, os outros (e o Robles...) é que são aldrabões. Ironia das ironias, ontem foi dia de debate de Mariana Mortágua com o maior aldrabão de todos, André Ventura, e só então aí é que se ficou a saber uma das respostas às perguntas acima: a avó (materna) de Mariana Mortágua tinha 80 anos à data dos acontecimentos evocados**. Resultado: como ela já havia iludido responder a estas mesmas questões no debate com Rui Tavares, até parece que foi preciso ir buscar o André Ventura para que ela dissesse qualquer coisa em vez de risinhos parvos e forçados...
* «Eu lembro-me de uma lei das rendas, em que as pessoas idosas recebiam uma carta, e, se não respondessem durante 30 dias, a renda aumentava para qualquer valor e podiam ser expulsas. Eu vi idosos a serem expulsos, eu conheço o pânico que era receber uma carta do senhorio. Eu vi o sobressalto da minha avó ao receber cartas do senhorio, porque não sabia o que é que lhe ia acontecer, e essa foi uma responsabilidade do PSD, que esvaziou as cidades.»
** «Eu não minto. A minha avó tinha 80 anos quando ficou a saber que aos 85 a renda podia saltar. Se acha que isto não mete medo a uma idosa, é porque defende uma lei cruel.»
Adenda: Afinal ficámos assim, como a notícia abaixo documentará. O senhorio da avó é uma IPSS, essas instituições capitalistas ávidas de roubar dinheiro aos deserdados. Nem a neta sabia a idade certa da avó (78 e não 80 anos). As cartas que a avó recebeu, e que a teriam assustado, referir-se-iam aos costumeiros aumentos percentuais previstos por lei. E a renda ronda actualmente os 400 euros. É menos de ⅓ do que aquilo que o camarada bloquista Ricardo Robles pedia já há cerca de cinco anos por um apartamento dele. Excelente trabalho de pesquisa jornalística. Mariana: não te ponhas com mais fitas, que já te topámos à distância...
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