De entre as ficções que considero terem sido mais bem conseguidas, está aquela que costuma atribuir aos ingleses um conjunto de características – como a fleuma ou o fair-play desportivo, por exemplo – que não existem. A revelarem-se representativas, são-no mas apenas nas classes superiores da sua sociedade.A concretização desta ideia pode ser vista, por exemplo, num sítio tão remoto como um dos últimos livros que li, Crete, de Antony Beevor*, que trata da invasão de Creta pelos alemães em 1941.O autor lembrou-se de destacar individualmente a história de uma dezena de indivíduos participantes. Curiosamente, quase todos eles tinham andado em Oxford ou em Cambridge. Curiosamente, havia lá mais uns 30.000 soldados aliados – que não tinham andado nem em Oxford, nem em Cambridge.
Existe mesmo no idioma inglês uma expressão apropriada, notional, da mesma raiz e muito mais usada que o nosso nocional (de noção, conceptual, abstracto) e que aqui se aplicaria com toda a propriedade, invocando a imagem nocional que os ingleses gostam de transmitir de si próprios aos estrangeiros.
Quanto a isso, não poderei dizer que somos bafejados pela sorte, mas há a oportunidade de, em Portugal, contactarmos com os exemplares que todos os anos nos enviam para o Algarve para podermos fazer uma apreciação independente. E não se pode dizer que se encontre entre aqueles espécimes muita fleuma ou muito fair-play desportivo.
O nocional chá-das-cinco é substituído por um efectivo cerveja-a-toda-a-hora, emborcado por um bebedor que entretanto adquiriu uma cor nova, de paleta, designada por red-lobster (vermelho lagosta) cuja técnica de aquisição exige uma certa habilidade para a exposição solar que permanece um segredo bem guardado pelos súbditos de sua majestade britânica.
Este preâmbulo, a roçar a xenofobia, não foi despoletado pela mais recente guerra de palavras em antecipação ao próximo jogo de futebol Portugal-Inglaterra do Mundial 2006, mas em solidariedade a alguém que continuo a considerar um grande senhor daquele desporto, chamado Sven Goran Eriksson, actualmente treinador da equipa inglesa.
As sacanices que os tablóides britânicos já lhe montaram e que depois denunciaram, procurando forçar a sua saída do lugar de seleccionador nacional da equipa inglesa, foram de uma tal ordem, que, dada a sua continuação no cargo, só me resta inclinar-me perante tal demonstração de profissionalismo diante da baixeza dos golpes.
O que ele afirmou, em recente conferência de imprensa, merece ser realçado, apesar de ser uma evidência: as equipas que jogavam um futebol vistoso já regressaram todas a casa – Costa do Marfim, Gana, Holanda ou Espanha. O que está em disputa no Mundial são os resultados. É por eles que os treinadores - todos - são avaliados.
Dado que já está adquirido que Eriksson não irá renovar a sua ligação à selecção inglesa, e por isso não será fortemente penalizado pela sua eliminação, confesso a minha particular satisfação se Portugal os vencer no próximo Sábado. Nem é só por patriotismo, é pela satisfação de ver calados aqueles broncos arrogantes que nem sabem apreciar devidamente o treinador que têm.
* É um livro que, embora mais fraco do que outros do mesmo autor, se recomenda a quem aprecia o género (a 2ª Guerra Mundial em detalhe) apesar daquele pormenor very british.
Essa fleuma britânica nunca me convenceu por aí além. E se transportarmos esse mito para o futebol, então é que as minhas dúvidas se desfazem todas. Os adeptos britânicos de futebol são violentos e xenófobos. E a imprensa desportiva, das mais agressivas do mundo.
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