Uma das facetas menos salientadas dos norte-americanos – pelo menos, de alguns norte-americanos – é a sua ânsia pelos revisionismos históricos, como se houvesse neles um desejo quase infantil, que alguns episódios da história que lhes correram menos bem pudessem ser repetidos com um argumento melhorado.
A escolha da palavra argumento é propositada pois não encontro melhor sítio do que o cinema para descobrir obras de ficção concebidas inteiramente dentro desse objectivo. Havia um filme, cujo nome esqueci*, em que um porta-aviões moderno (dos anos 80) atravessava uma nuvem e regressava à época da 2ª Guerra Mundial, onde a sua aviação se dedicou a zupar alegremente na aviação das forças aeronavais japonesas – considerem-se as diferenças tecnológicas existentes – até finalmente regressarem ao presente.
Com mais sucesso de bilheteira e maior notoriedade, houve também vários filmes de Sylvester Stallone e Chuck Norris, que regressaram ao Vietname para ir buscar os míticos desaparecidos em combate (missing in action - MIA), que os vietnamitas, pérfidos, haviam lá deixado escondidos, só para se vingarem. Trouxeram-nos, coitados, abateram uma pancadaria de sujeitos baixinhos, de ar oriental, pijamas pretos e AK-47, e o espectador ficava com a sensação que assim já não se ficavam tanto a rir da vitória de 1975.
Mais erudita e, pelo menos para mim, inédita, é uma iniciativa do jornal Washington Post de abrir à discussão da opinião pública a revisão de episódios relevantes da Guerra-Fria, como o caso da Revolta em Budapeste em 1956. A pergunta que o jornal coloca aos leitores, por ocasião dos 50 anos da Revolta, é se os Estados Unidos deviam ter intervido em apoio dos revoltosos húngaros. É uma pergunta interessante que suscita comentários muito interessantes que podem ser lidos aqui (em inglês).
Embora não tenha lido sistematicamente todas as respostas, recolhi do conjunto uma imagem que a maioria delas e, especialmente, as mais bem fundamentadas, se inclinavam para o apoio à decisão tomada na altura pela administração Eisenhower de não intervir. Não podendo dizer que aquele é um indicador da opinião da população norte-americana em geral poderá sê-lo dos leitores do Washington Post – uma amostra que julgo ser atípica da população porque enviesada politicamente para a esquerda.
Mas o que me continua a deixar intrigado é que numa sociedade como esta, que, como vemos, dá tanta importância – das formas mais diversas - ao estudo e à revisão dos acontecimentos associados aos conflitos passados, as suas forças armadas se tenham envolvido num conflito típico de contra-subversão como o do Iraque, esquecendo todas as experiências que haviam acumulado no Vietname.
Até apetece ironizar, dizendo que os tais desaparecidos em combate da Guerra do Vietname não foram pessoas, mas sim os inúmeros dossiers que devem ter sido produzidos ao longo de todos aqueles anos, alertando para que, numa guerra de contra-subversão, mais importante do que o poder de fogo, trata-se da capacidade de cativar as populações civis para o nosso lado. E, no Iraque, infelizmente para elas, a popularidade das tropas americanas deve estar no mesmo nível que a do seu comandante-chefe à escala mundial...
A escolha da palavra argumento é propositada pois não encontro melhor sítio do que o cinema para descobrir obras de ficção concebidas inteiramente dentro desse objectivo. Havia um filme, cujo nome esqueci*, em que um porta-aviões moderno (dos anos 80) atravessava uma nuvem e regressava à época da 2ª Guerra Mundial, onde a sua aviação se dedicou a zupar alegremente na aviação das forças aeronavais japonesas – considerem-se as diferenças tecnológicas existentes – até finalmente regressarem ao presente.
Com mais sucesso de bilheteira e maior notoriedade, houve também vários filmes de Sylvester Stallone e Chuck Norris, que regressaram ao Vietname para ir buscar os míticos desaparecidos em combate (missing in action - MIA), que os vietnamitas, pérfidos, haviam lá deixado escondidos, só para se vingarem. Trouxeram-nos, coitados, abateram uma pancadaria de sujeitos baixinhos, de ar oriental, pijamas pretos e AK-47, e o espectador ficava com a sensação que assim já não se ficavam tanto a rir da vitória de 1975.
Mais erudita e, pelo menos para mim, inédita, é uma iniciativa do jornal Washington Post de abrir à discussão da opinião pública a revisão de episódios relevantes da Guerra-Fria, como o caso da Revolta em Budapeste em 1956. A pergunta que o jornal coloca aos leitores, por ocasião dos 50 anos da Revolta, é se os Estados Unidos deviam ter intervido em apoio dos revoltosos húngaros. É uma pergunta interessante que suscita comentários muito interessantes que podem ser lidos aqui (em inglês).
Embora não tenha lido sistematicamente todas as respostas, recolhi do conjunto uma imagem que a maioria delas e, especialmente, as mais bem fundamentadas, se inclinavam para o apoio à decisão tomada na altura pela administração Eisenhower de não intervir. Não podendo dizer que aquele é um indicador da opinião da população norte-americana em geral poderá sê-lo dos leitores do Washington Post – uma amostra que julgo ser atípica da população porque enviesada politicamente para a esquerda.
Mas o que me continua a deixar intrigado é que numa sociedade como esta, que, como vemos, dá tanta importância – das formas mais diversas - ao estudo e à revisão dos acontecimentos associados aos conflitos passados, as suas forças armadas se tenham envolvido num conflito típico de contra-subversão como o do Iraque, esquecendo todas as experiências que haviam acumulado no Vietname.
Até apetece ironizar, dizendo que os tais desaparecidos em combate da Guerra do Vietname não foram pessoas, mas sim os inúmeros dossiers que devem ter sido produzidos ao longo de todos aqueles anos, alertando para que, numa guerra de contra-subversão, mais importante do que o poder de fogo, trata-se da capacidade de cativar as populações civis para o nosso lado. E, no Iraque, infelizmente para elas, a popularidade das tropas americanas deve estar no mesmo nível que a do seu comandante-chefe à escala mundial...
* The Final Countdown (1980). O Porta Aviões é o USS Nimitz e a data do passado onde ele vai aterrar é (surpreendentemente...) 6 de Dezembro de 1941.
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