13 junho 2006

DA MANSIDÃO DE UM POVO

Rafael Bordalo Pinheiro, que, já no século XIX, mostrava conhecer-nos como ninguém e aproveitava esse conhecimento para fazer rir os seus leitores com isso (ao contrário do Vasco Pulido Valente que é um perpétuo deprimido), tem uma caricatura, pouco conhecida e publicada numa Paródia de 1900, onde aparece a silhueta do rei, Carlos I, por cima de uma legenda: C. de B.*, criador de rezes bravas, rei de um povo manso.

É uma caricatura velha de 106 anos, mas, na minha modesta opinião, VPV, mesmo do alto da sua acutilância e do seu descomunal auto convencimento, vai ter que penar muito para conseguir apresentar-nos algo que nos flagele de uma forma tão sintética e tão eficaz e com tanta categoria como esta pequena peça de Rafael Bordalo Pinheiro.

Pois é de um povo manso que se trata, que não exige de si nem dos outros nada mais do que supere a mediocridade. Onde se inventou a tradicional expressão "para quem é, bacalhau basta” e parece que o bacalhau basta para todos nós.

Como num episódio narrado no blogue Sorumbático, em que o autor se viu na circunstância de ter dificuldades em encomendar num café público em Portugal por não se conseguir explicar em inglês. Ou no episódio que se passou comigo ainda ontem num Hospital público, onde, num serviço de Medicina Nuclear e num tratamento que demorou 6 horas e teve várias intervenções, ninguém teve a iniciativa de me explicar o que estava ou viria a ser feito - a não ser quando foram questionados (e mesmo assim…).

A resposta, como todos sabemos, reside no facto de, entre nós, ninguém perguntar, ninguém questionar, ninguém protestar. E isso, por uma vez estou de acordo com os entusiastas da dinâmica do mercado, leva a um abaixamento da exigência de qualidade e, por omissão, ao culto da mediocridade. Não aparecia ainda ontem uma notícia que ironizava com o facto de se conhecer o Hino Nacional? A ignorância sobre os símbolos nacionais é agora uma virtude?

Parece-me que elevámos a cordialidade e aquilo que consideramos como boa educação a um fim em si mesmo, não aquilo que deve ser: um mero meio de boa convivência social. Na prática, haja quem parta a loiça e é ver os olhares reprovadores que rodeiam quem o faz, independentemente de poder ter todas as razões do mundo para o fazer.

Ou então, a explicação é que as pessoas já não têm pachorra. Curioso fenómeno em que ela se perde para reclamar, mas nunca se perde para lamentar. Há sempre pachorra para mais um lamento. Com tudo isto, sentindo-me um minoritário entre os meus, continuo a maravilhar-me onde, no passado, terão ido os nossos antepassados buscar coragem para as Revoluções da nossa história…

* Carlos de Bragança

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