24 junho 2006

A DESCOLONIZAÇÃO DO IÉMEN DO SUL

Foi com algum prazer que, sendo o nostálgico que sou, tive oportunidade de ler outro dia um artigo de Maria José Nogueira Pinto no Diário de Notícias a propósito de Timor, onde, para além das suas considerações directamente relacionadas com aquele país (*), aproveitava para, como num velho LP riscado, voltar à evocação da tradicional descolonização falhada.

Agora a sério, e a propósito desse mesmo assunto, e porque o exemplo português está sempre a voltar saturadamente à baila, deixem-me apresentar um episódio não muito brilhante e não muito conhecido de uma descolonização por parte do Reino Unido que é bem capaz de disputar o pódio com os casos nacionais que a área política onde Maria José Nogueira Pinto se situa, gosta de relevar.

O processo de descolonização em questão deu origem a um país que hoje não existe, o Iémen do Sul, tendo-se fundido com o Iémen, muito mais populoso, em 1990. Ficava situado no extremo sul da Península Arábica, onde o porto de Aden representava um entreposto fundamental do trânsito marítimo entre o Reino Unido, a Índia, a Austrália e o Extremo Oriente, via canal do Suez.

A colónia britânica fora fundada em 1839, pela conquista do porto de Aden pelos britânicos e ampliada durante a 1ª Guerra Mundial, quando eles expulsaram os turcos e estabeleceram uma rede de protectorados sobre as tribos nómadas iemenitas dos territórios adjacentes. Mas a colónia nunca mais perdeu as suas características de território compósito, apesar disso.

Em 1962, os britânicos deram ao conjunto a designação de federação da Arábia do Sul. O processo de condução do território à independência foi perturbado pela disparidade entre Aden e o resto do país, pelas ambições que o Iémen nutria sobre o país (havia um relatório da ONU concluindo que a maioria da população preferiria a fusão) e pela salvaguarda que o Reino Unido procurou fazer dos seus interesses.

A tensão acumulada acabou por explodir a partir de 1966 numa onda de greves, de violência e de actos terroristas protagonizado por duas organizações nacionalistas rivais - FLN e FLOSY – a obrigar o reforço do dispositivo militar britânico, envolvido muito contra sua vontade num conflito triangular envolvendo não só a luta contra a potência colonial mas a luta interna entre as duas organizações nacionalistas.

Num cenário de progressivo desgaste da autoridade britânica, em dificuldades para a exercer mesmo na capital, a data da independência, originalmente marcada para 9 de Janeiro de 1968, é antecipada para 28 de Novembro de 1967. Os comentários cínicos, tentando minorar a fraqueza demonstrada em todo o episódio, alegam que Aden tinha perdido a sua importância depois do encerramento do Canal do Suez, por Nasser, no seguimento da Guerra dos Seis Dias, de Junho de 1967.

O que é mais controverso, e muito menos digno para a Grã-Bretanha, é a alegação que, na impossibilidade das tropas assegurarem um perímetro seguro, a cerimónia do arrear da bandeira por parte das autoridades britânicas, teve que decorrer num dos navios ao largo de Aden, pertencentes à frota que fora enviada para as recolher. Ainda hoje, há uma certa dificuldade na obtenção de fotografias que confirmem ou desmintam tal relato.

Se alguma lei geral se consegue extrair das dezenas de processos de descolonização decorridos depois da 2ª Guerra Mundial, é a de que, perante duas facções rivais na disputa do poder para a fase pós independência, a potência colonial perde rapidamente a iniciativa do ritmo dos acontecimentos e fica sem meios para intervir no terreno. Foi o aconteceu em 1947 na Índia, em 1960 em Chipre e em 1967 no Iémen do Sul, com os britânicos e em 1975, em Angola e Timor, com os portugueses.

E se no Reino Unido, estes fracassos nunca serviram de arma de arremesso político na política interna britânica, também já vai sendo tempo de nos deixarmos destes vetustos lamentos da parte de uma certa direita política, piscando o olho populista a um certo estrato em regressão demográfica, invocando uma quimera descolonizadora, que não acontecendo com Portugal, também não aconteceu com mais nenhum país do Mundo.

(*) Tendo ouvido o Presidente Cavaco Silva na televisão falar recentemente de Timor, convinha que os seus conselheiros o alertassem para se referir a Timor como país e não território, como tem vindo a fazer. É um lapso que pode dar mau aspecto.

2 comentários:

  1. Há outro exemplo, ainda mais relevante do ponto de vista histórico - a "saída" do Reino Unido da então Palestina... um verdadeiro regabofe, com atentados à mistura (da lavra desse grande "herói" que foi Menachen Beguin...). Patético.
    "Descolonização exemplar", dir-se-ia...

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  2. Tem toda a razão no exemplo da Palestina de 1948 que aponta. Há ainda outros que não cheguei a mencionar como o da Argélia de 1960 ou o da Rodésia de 1965.

    Procurei nomear três exemplos espaçados no tempo (1947, 1960 e 1967) envolvendo a mesma potência colonial para procurar demonstrar que falta sempre a estas a capacidade de manobra para impor as suas soluções às partes que disputam o poder na colónia - hindus e muçulmanos, árabes e judeus, árabes e pieds-noirs, gregos e turcos, brancos e negros, FLN e FLOSY, MPLA e UNITA, Fretilin e UDT.

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