07 junho 2006

PORTUGUÊS SUAVE

Recordo dos meus tempos de fumador que este Português Suave era um tabaco muito pouco suave. Não tendo filtro, era um cigarro que obrigava a desenvolver uma técnica própria de, depois de dar uma passa com o cigarro preso entre o indicador e o médio como normal, voltar com a mão atrás para com o polegar e o médio tirar o pedacinho de tabaco que havia ficado na ponta da língua.

Era uma marca popular que combinava bem com um penalti ou com um bagacinho e também muito do agrado das tertúlias artísticas a pretenderem-se assim um pouco mais sofisticadas, pois era o mais parecido que por cá havia com os Gauloises ou os Gitanes franceses, também sem filtro, os cigarros dos intelectuais de Paris. Mas não era propriamente sobre tabaco que queria escrever, mas sim sobre suavidade.

Apesar das minhas breves pesquisas na internet pouco mais descobri sobre Armando Rafael para além de saber que é um grande repórter do Diário de Notícias, com as vicissitudes a isso inerentes. E gostava de o felicitar pela oportunidade da publicação do artigo que hoje assina no Diário de Notícias, a propósito do que ele considera ser a posição australiana a respeito de Timor.

Imaginasse-me eu num gigantesco jogo de xadrez comunicacional a jogar pela parte australiana e teria sido precisamente a jogada que eu faria, publicando um texto muito ameno sobre as minhas intenções, que estão pontualmente muito mal cotadas em Portugal, e escolhendo para o fazer um jornal português de referência. A ideia principal seria a de acalmar alguma hostilidade que possa estar a aparecer na opinião pública.

Evidentemente que tudo pode não passar duma coincidência, mas através de uma análise mais atenta do referido artigo ficamos a saber que a opinião do autor formou-se metodicamente, a partir da consulta de documentação oriunda do Australian Strategic Policy Institute ou como o próprio Defense White Paper.

Assim, Timor-Leste não é uma prioridade da política externa australiana (nunca vi alguém considerar que o fosse), embora alguns editoriais recentes da imprensa australiana pudessem dar a entender isso (…), que a sua verdadeira obcecação é a segurança da Ásia, por onde a Austrália só se começou a interessar a partir do fim da década de 1960 (nem imagino o que é que os australianos andaram a fazer em Timor durante a 2ª Guerra Mundial…), que o que conta é a estabilidade do arco geoestratégico que separa o país do continente asiático (concordo – o problema são as iniciativas que a Austrália promove para o estabilizar…) até o artigo terminar numa espécie de meio acto de contrição sobre a arrogância australiana.

Enfim, parece a descrição de uma Austrália tão suave, que me ocorreu invocar a inspiração divina e, eventualmente, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português, para que levasse um homólogo australiano de Armando Rafael a produzir um artigo inspirado, a publicar num jornal australiano de grande circulação, sobre a bondade, o altruísmo e os remorsos que nos levam a apoiar o povo irmão de Timor-Leste, que a prioridade da política externa portuguesa é a Europa, enfim, um artigo que pudesse ser sintetizado naquele adjectivo com que todos nos regozijamos de ver ligado ao de português: suave.

Adenda: Enquanto escrevia este post soube-se que já ocorreu um pequeno incidente entre a GNR e os australianos, como ontem antecipei. O problema na condução delicada deste assunto com os australianos é que a atitude que já li preconizada do “fiquemos quietinhos e portemo-nos bem, que assim eles não nos fazem mal” já não funciona: se fosse para ficar quieto, ficava-se quieto em Portugal. Agora parece-me muito tarde para essa atitude.

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