Este
blogue não é dado a efemérides, é uma mera coincidência, mas engraçada, que se assinalem hoje precisamente 90 anos (21 de Março de 1918) que se desencadeou a primeira das três últimas
Grandes Ofensivas alemãs da Primeira Guerra Mundial, que se destinavam a romper o impasse que se havia instalado entre os exércitos instalados nas trincheiras da Frente Ocidental.
Erich Ludendorff, o general que era o cérebro por detrás da estratégia e do esforço de guerra dos alemães, reconhecera que, depois da entrada dos Estados Unidos na Guerra (Abril de 1917), mesmo contando com o abandono da Rússia (Novembro de 1917), o tempo passara a favorecer os seus inimigos.
Esta primeira ofensiva, baptizada
Operação Michael, está muito bem descrita num livro (
The Kaiser´s Battle – acima) de um reputado historiador militar britânico, Martin Middlebrook. A descrição é detalhada e, como acontece com outros livros do mesmo autor (como acontece com o mais conhecido
The First Day on the Somme) baseia-se nos depoimentos e procura reproduzir a perspectiva daqueles que participaram na batalha. Sobre ela, em síntese, pode dizer-se que os alemães conseguiram romper as linhas britânicas pelo efeito de surpresa do seu ataque e progrediram cerca de 60 quilómetros até os dois exércitos se encontrarem num novo impasse de novas trincheiras, criando uma bolsa.
O V Exército Britânico, comandado pelo General Gough, ficou momentaneamente feito em estilhaços (ele foi demitido) e foi preciso deslocar unidades que estavam em reserva noutras frentes (incluindo francesas). Estima-se que os atacantes alemães sofreram cerca de 250.000 baixas, os britânicos, que sofreram o impacto inicial da ofensiva, 163.000 e os franceses, que os vieram apoiar, umas adicionais 77.000. Contrariamente ao que se costuma escrever, o impasse táctico que se vivia na Frente Ocidental na época, já não tinha a ver com a questão técnica como ultrapassar o sistema das trincheiras inimigo, nem o problema que existia veio a ser resolvido com o emprego dos blindados (como se sugere abaixo).
Os britânicos já haviam empregue os seus blindados durante a
Batalha de Cambrai em Novembro de 1917 e, tirando a ruptura do sistema de trincheiras alemão, pouco mais tinham progredido no terreno. Em contrapartida, os alemães nesta
Operação Michael também tinham rompido logo de início o sistema de trincheiras britânico e não haviam precisado de nenhum blindado… Na verdade, o que esgotava as ofensivas era a incapacidade logística de as alimentar apropriadamente em homens, material e munições, através dos terrenos recém-conquistados (e normalmente destruídos), de forma a que não se desse ao inimigo oportunidade de se organizar. Não se conseguia manter a dinâmica da ofensiva.
Uma outra conclusão a retirar daquele livro tem a ver connosco, com o desempenho das tropas portuguesas no conflito, durante a ofensiva seguinte, que foi baptizada
Operação Georgette, cuja fase inicial foi conhecida como a
Batalha de La Lys (9 de Abril de 1918). É que as descrições contidas no livro de Middlebrook sobre o que aconteceu às unidades britânicas que ocupavam na Frente em 21 de Março (como a 34ª, 36ª, 59ª ou 61ª Divisões britânicas), incluindo o desaparecimento quase total dos efectivos dos batalhões mais avançados
* e as recriminações recíprocas entre os Estados-Maiores pela impotência da reacção, são precisamente iguais ao que veio a acontecer posteriormente à 2ª Divisão portuguesa...
Por detrás da severidade de muitas apreciações que se lêem sobre o comportamento das tropas portuguesas (cuja preparação era, indiscutivelmente, inferior à das tropas britânicas) quando do ataque alemão de 9 de Abril, parece haver uma muito maior sensibilidade às acusações políticas que então se trocaram na arena política portuguesa, do que à realidade militar existente na altura. É provável que os alemães tivessem escolhido a 2ª Divisão portuguesa para o alvo principal do seu ataque por ser uma das unidades menos bem preparadas do inimigo; mas também há uma probabilidade superior que, qualquer que tivesse sido a unidade escolhida para o ataque, ela teria sofrido um destino semelhante.
O destino das unidades britânicas atacadas há precisamente 90 anos acaba por corroborar isso. Quanto à
Operação Georgette, terminou em 29 de Abril, de uma forma semelhante à da sua antecessora
Michael, embora com resultados
menos sangrentos: 109.000 baixas entre os atacantes alemães, 76.000 entre os defensores britânicos e 6.000 entre os portugueses e ainda 35.000 francesas, novamente chamados para colmatar as brechas na Frente aliada. Num último esforço, a 27 de Maio os alemães desencadearam ainda a sua derradeira tentativa da
Kaiserschlacht (
Batalha do Kaiser), numa Operação baptizada de
Blücher-Yorck, agora contra um sector da Frente guarnecido por tropas francesas.
O resultado foi, como nos casos anteriores, a criação de uma nova bolsa na configuração da Frente Ocidental (veja-se acima), com mais 130.000 baixas entre os atacantes alemães, 98.000 e 29.000 entre os defensores franceses e britânicos, respectivamente, e o aparecimento na Frente, pela primeira vez em número significativo, das reservas constituídas pelas novas
Divisões norte-americanas, recém-chegadas à Europa. Quando esta derradeira
Operação foi dada por terminada por Erich Ludendorff, a 15 de Julho de 1918, e embora os beligerantes ainda não o soubessem, o fim da Primeira Guerra Mundial estava finalmente a uns 120 dias de distância…
* Cerca de 20.000 britânicos ter-se-ão rendido nas primeiras horas da Ofensiva.