Se, seguindo as aparências, considerarmos os olhos amendoados como o traço fisionómico identificativo das populações do Extremo Oriente, então a grande linha divisória entre a China e a Índia situar-se-á ainda em território indiano, porque na população que habita os Estados montanhosos do Nordeste da Índia (entre os naga, por exemplo) já se notam esses traços fisionómicos. Mas se, em alternativa, seleccionarmos critérios culturais, essa grande linha divisória traçar-se-á logo a uma distância curta das fronteiras do Vietname, nos seus dois pequenos países vizinhos, o Cambodja e o Laos, onde os respectivos alfabetos, bem como a religião dominante, o budismo theravada, não deixam dúvidas quanto ao peso da influência indiana que ali se fez sentir.
Cambodja e Laos são países estranhamente pequenos em relação à dimensão média dos países da vizinhança próxima. A sua existência não deixa, por isso, de ser completamente legítima, assim como acontecerá na Europa, por exemplo com os casos da Áustria ou da Bélgica. Mas, tal como nos exemplos europeus citados, a lógica constitutiva destes dois pequenos países (à escala asiática) alicerça-se mais na lógica europeia da formação de pequenos estados tampão transportada para a Ásia – onde essa lógica não existia – por uma potência colonial europeia (a França) do que na configuração natural (tanto quanto se pode falar nestes casos de natureza…) resultante do equilíbrio de forças entre nações asiáticas.
CAMBODJA
Para muitos, o Cambodja é um país que, apesar da sua relativamente reduzida dimensão, pode ser rapidamente associado a duas imagens contraditórias. Uma é a de Angkor Wat, um dos mais belos (e maiores) templos do mundo, erigido no século XII e originalmente dedicado a cultos da religião hindu, depois veio a ser convertido ao budismo. A outra imagem é a de incontáveis pilhas de caveiras, resultado – ou melhor, subproduto – de uma radical transformação social – onde a vida humana não tinha qualquer valor – que se tentou levar a cabo no país entre 1975 e 1979 pelo regime dos Khmers Vermelhos. Embora, pelo número absoluto de mortos (de 1,5 a 2 milhões), o genocídio ali praticado nem tenha sido dos maiores da História recente, é-o quanto avaliado em proporção à população envolvida (7 milhões de habitantes contava o Cambodja naquela altura).
O Cambodja é um país de 181.000 Km2 (o dobro de Portugal), que faz fronteiras com o Vietname (1.230 Km.), a Tailândia (800 Km.) e o Laos (540 Km.), para além de uma linha costeira com quase 450 Km. de extensão. É um país onde predominam as baixas altitudes, onde o maior acidente geográfico é um curioso grande lago, Tonlé Sap, com cerca de 2.500 Km2 de extensão na estação seca, mas cuja dimensão aumenta quase dez vezes na estação das chuvas e que tem um sistema de abastecimento adjacente bastante flexível pois, conforme a estação, abastece ou é abastecido – os rios que lhe fornecem água flúem nos dois sentidos! - de água pelo grande rio Mekong, o eixo primordial do sistema fluvial do país. O clima é tropical, sujeito ás monções.
A população residente está estimada (2005) em 14,1 milhões de habitantes e pela análise da sua distribuição e composição ainda se notam as sequelas dos quatro anos do regime dos Khmers Vermelhos. No primeiro caso, pelos quase 10% da população (700.000 pessoas) que se expatriaram, sobretudo na Tailândia, e que só a ritmo lento têm regressado ao país desde 1992. No segundo, pela anomalíssima proporção de 7 mulheres para apenas 4 homens que se encontra entre os cambodjanos com mais de 65 anos de idade, resultado das execuções maciças (que incidia sobretudo nos homens) da época do genocídio. Todas estas perturbações tornam também difícil apresentar dados sobre a composição étnica da população. A esmagadora maioria da população – mais de 90% - é khmer. Depois, havia uma minoria (Cham) que, habitando o centro do país e representando cerca de 5% da população total, se identificava pela religião professada: era muçulmana. Foram perseguidos especialmente pelos Khmers Vermelhos, em cuja sociedade ideal não havia espaço para particularidades, mas não se consegue estimar o efeito disso na actualidade. Outra minoria perseguida naquela altura, mas depois protegida, foi a dos Vietnamitas. Sabe-se que muitos cidadãos do Vietname emigraram para o Cambodja nos últimos 15 anos onde pediram (e adquiriram) a respectiva naturalização. Mas não se sabe quantos eram vietnamitas étnicos e quantos pertenciam à minoria khmer do Vietname. Dúvidas semelhantes se põem quanto à quantificação das minorias chinesa, tailandesa e indiana, substancialmente menores que as anteriores. Quanto à religião, a maioria esmagadora da população (mais de 90%) assume-se como budista theravada e, além da minoria muçulmana já citada acima, há uma minoria cristã, sobretudo católica romana.
Os primeiros registos sobre os khmers apareceram no Século VI, cobrindo os territórios do que é hoje o Cambodja moderno e a Cochinchina (o Sul do Vietname), à volta do curso terminal do grande rio Mekong. Tratava-se de um estado onde se fazia sentir uma forte influência da cultura indiana, onde a religião oficial era mesmo o hinduísmo e que atingiu um longo período de apogeu, entre os Séculos IX e XII, quando para além dos territórios mencionados abrangia quase toda a actual Tailândia. Novas ideias – o budismo theravada, a partir do Século XIII - e novas potências – os thais, a ocidente, a partir do Século XIV e os vietnamitas, a oriente, a partir do Século XVII – vêm contribuir para a compressão progressiva do reino Cambodjano que parece estar em vias de extinção e um campo de disputa entre tailandeses e vietnamitas depois de um dos seus monarcas, Ang Cham II (1806-37), ver os seus domínios ocupados pelos tailandeses em 1812, enquanto, para contrabalançar, se reconhecia vassalo do imperador vietnamita de Hué.
Como uma cena clássica de Western, onde o 7º de Cavalaria surge à última da hora para os salvar dos índios, o reino do Cambodja, depois de já ter sido dividido por tratado entre os seus dois poderosos vizinhos (1845), é salvo da extinção total pela chegada dos franceses que aproveitaram as circunstâncias para darem mostras de um gesto grandioso salvando o Cambodja, colocando-o na condição de protectorado francês (1863). Transformados em defensores dos interesses cambodjanos, os franceses acabam por recuperar, pressionando os tailandeses, muito de território que a estes havia sido cedido durante as últimas décadas, dando-lhes as fronteiras ocidentais actuais em 1907. O Cambodja sob protectorado acaba por se transformar numa espécie de sub-colónia, onde a maior parte do pessoal administrativo é de origem vietnamita, e onde os circuitos comerciais vão parar a uma minoria chinesa, oriunda sobretudo de Saigão (hoje é a cidade de Ho Chi Minh, no Vietname).
Transformado num conjunto designado por Indochina francesa, conjuntamente com o Laos e o Vietname, de que se tornou uma área periférica e onde sempre predominou naturalmente aquele último, essa mesma condição marginal faz-se sentir nas disputas da ocupação japonesa de 1941 a 1945, na recuperação da soberania francesa, que concedeu a autonomia ao protectorado do Cambodja em 1946, e na concessão total da independência em 1954. Tudo o que aconteceu no Cambodja – e mesmo grande parte do que estava para acontecer até 1991 – foi consequência dos acontecimentos que se desenrolavam no grande país vizinho. O Cambodja transformou-se numa vítima colateral na guerra civil vietnamita que se travou entre 1964 e 1973 e o seu regime pró-americano afundou-se em 1975, quase em simultâneo com o do Vietname do Sul.
Os quatro anos seguintes (1975-79) é que tornam o Cambodja único na história dos genocídios recentes, sob o regime dos Khmers Vermelhos sob a direcção de Pol Pot. Impressiona também – e isso é muito menos publicitado - apercebermo-nos que a direcção desse regime, mesmo depois da sua deposição de dirigentes do país, foram os responsáveis, agora como rebeldes, pela manutenção de uma guerra civil que se prolongou até 1991. Pensando no futuro, a política de neutralidade cambodjana, tão apregoada durante a guerra do Vietname, pode não passar, como naquela altura, de um desejo, porque o Cambodja, tendo salvo a sua existência na última badalada do relógio, não consegue fugir à dura realidade de estar entalado entre duas potência maiores (Tailândia e Vietname).
LAOS
O Laos é, por inerência, o país desconhecido, interior, fora das grandes áreas de interesse e de prosperidade da Ásia. Não fora o aparecimento dos franceses nos finais do Século XIX que o configuraram e o transformaram num protectorado, apoiando-se no curso do rio Mekong como linha defensiva contra a expansão tailandesa (apesar dos povos de um e outro lado do rio serem próximos…) e dificilmente se estaria hoje a falar desse país, cujas regiões pertenceriam possivelmente a qualquer um dos grandes países vizinhos: China, Vietname ou Tailândia.
Com uma área de 237.000 Km2 e fronteiras bastante extensas com o Vietname (2.070 Km.) e a Tailândia (1.830 Km.) e menos extensas com a China (500 Km.), o Cambodja (430 Km.) e a Birmânia (240 Km.), o Laos é um país simples de descrever, com um Alto Laos, de montanhas, junto à fronteira com o Vietname, e um Baixo Laos, que percorre as planícies associadas ao rio Mekong e aos seus afluentes, nas áreas junto à fronteira tailandesa. O clima é tropical, sujeito às monções.
A população está estimada em 5,9 milhões de habitantes o que faz do Laos um país anormalmente sub povoado (densidade de 25 hab./Km2) para país asiático. Cerca de 2/3 dos laocianos são de etnia lao, habitando o oeste do país e pertencem ao mesmo grupo que habita o leste da Tailândia, com quem compartilham língua, cultura e religião (budismo theravada). A composição do resto da população encontra-se pulverizada entre várias designações que ocupam as terras altas no Leste do país. Aí, predominam os cultos tradicionais.
A história inicial do Laos é muito semelhante à da Tailândia, com a migração dos thai, vindos do Norte (Yunão, na China) desde o Século X, a constituírem a classe dirigente sob a qual se organizaram os primeiros estados da região. Mas o Laos sempre foi um local remoto e quase despovoado (se actualmente a densidade é de 25 hab./Km2, imagine-se qual seria a daquelas épocas…), na órbita da Tailândia, embora tivessem ocorrido incidentes em que o país se cindiu em dois estados rivais (segunda metade do Século XVIII) reflectindo a rivalidade contemporânea entre tailandeses e birmaneses.
A rivalidade entre estados (os principados de Luang Prabang e Vientiane) serviu de pretexto aos franceses para se imiscuírem nos problemas da região na segunda metade do Século XIX e, tomando o curso do rio Mekong como fronteira, constituírem um estado tampão entre a Tailândia e o seu Vietname, que constituíram em forma de protectorado em 1893. As fronteiras definitivas do país, nomeadamente as ocidentais datam de 1904, com a cedência das terras do Laos da margem ocidental do Mekong pela Tailândia.
Se a história do Cambodja sob os franceses e depois disso segue a história da Indochina francesa, o que quer dizer a do Vietname, então, por maioria de razão, assim se pode descrever a evolução da história do Laos. Pior que a do Cambodja, a neutralidade do Laos (apesar de ratificada em Tratado em 1954) nunca passou de uma quimera: a maior parte da famosíssima trilha Ho Chi Minh, por onde o Vietname do Norte reabastecia em homens e material os guerrilheiros Vietcong no Vietname do Sul corria pelo território laociano. Usada descaradamente pelos norte-vietnamitas e bombardeada maciçamente pelos norte-americanos, o governo laociano – também dividido em três facções: pró-americana, pró-norte-vietnamita e verdadeiramente neutral… - não passou de um espectador impotente durante a fase da intervenção norte-americana no conflito em que o seu território era zona de combate.
Também no Laos, 1975 representou o ano da vitória final da linha pró norte-vietnamita e durante o decénio e meio que se lhe seguiu o país seguiu a conduta que tinha sido a da época colonial: a de um satélite do Vietname. Curiosamente, desde aí e muito mais do que no Cambodja e muito provavelmente devido a proximidade cultural entre as populações lao dos dois lados da fronteira, a aproximação entre Laos e Tailândia tem colocado o primeiro país numa posição muito mais equidistante entre os seus dois grandes vizinhos do que acontece com o seu vizinho cambodjano do Sul.
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