A Tailândia é, conjuntamente com o Japão, um dos dois países do Extremo Oriente que não sofreu o ónus da colonização no auge da expansão do colonialismo europeu dos Séculos XIX e XX. Tem, por isso, um currículo na História Mundial recente bastante fora do normal, comportando-se como um país asiático com política externa autónoma, seja como aliado da Entente anglo-francesa contra a Alemanha na Primeira Guerra Mundial, em 1917-18, tendo mesmo chegado a enviar forças para a Europa, ou como aliado – dessa vez ficou do lado errado… - do Japão na Segunda Guerra Mundial, entre 1941 e 1945, ou como membro da ONU logo desde 1946 (Portugal só entrou em 1955…). E onde, tal qual como o Japão e como se viu mais uma vez recentemente, por ocasião do golpe militar que ali ocorreu em Setembro passado, quer a instituição da monarquia, quer a pessoa do seu monarca, ainda hoje gozam de um prestígio intocável.
Mas quase tudo o resto distingue a Tailândia do Japão. A sua geografia, para começar, um país continental de 513.000 Km2, com umas amplas costas de 3.200 Km., e fronteiras extensas com o Laos (1.750 Km.) e com a Birmânia (1.800 Km.), e menores com o Cambodja (800 Km.) e a Malásia (500 Km.). E embora não possua fronteiras directas com a China e o Vietname, há trechos da sua fronteira em que ela se encontra, para os dois casos, a menos de 100 Km. da desses países. Ao contrário dos seus países rivais da região (Birmânia e Vietname) e embora a sua capital (Bangkok) seja frequentemente comparada a Veneza, não existe um grande rio com um grande delta que constitua o núcleo histórico e demográfico do país (o maior rio é o Mun, afluente do Mekong, com 675 Km. de extensão), muito embora a Tailândia compartilhe com os vizinhos o clima de monções e o regime agrícola correspondente a esse clima.
Em termos populacionais a Tailândia conta actualmente com uma população que se estima atingir os 65,5 milhões de habitantes (2005), o que dá ao país uma densidade populacional de 127 hab./Km2 (ligeiramente superior à portuguesa), significativamente superior à de qualquer dos seus vizinhos, mas que, em termos asiáticos mais alargados, representa apenas metade da do Vietname, por exemplo. E para a sua composição acontece um daqueles casos raros (na Europa o mesmo acontece na Hungria) em que a cultura e o idioma prevalecente actualmente estão associados a um grupo conquistador (os Thai) que foram absorvendo gradualmente os povos sob a sua dominação. Assim, é extremamente difícil fazer uma classificação distinguindo quem é Thai de quem é Lao, um grupo étnico com 20 a 30 milhões de membros que habita o leste do país e que também predomina no Laos, o país vizinho a que aliás dá o nome.
Mas, para além destes dois grandes grupos, desde há séculos que sempre houve uma imigração continuada de chineses em números significativos, que hoje se encontram integrados e misturados em níveis distintos na sociedade tailandesa conforme a antiguidade da sua vinda da China. Essa dificuldade traduz-se na dificuldade em os recensear e as melhores estimativas apontam para que haja actualmente na Tailândia entre 7 a 9 milhões de chineses e seus descendentes. E é sobretudo a religião muçulmana (cerca de 4% da população total) que ajuda a fornecer traços distintivos às populações do Sul e da península malaia, num país onde o último recenseamento regista uma esmagadora maioria de população budista theravada (94,6% em 2000). Depois há ainda os pequenos grupos étnicos que, nas áreas fronteiriças, a Tailândia compartilha com os países vizinhos como os Mon (Birmânia) ou os Khmers (Cambodja).
Como acontece com a Birmânia, também a religião predominante e o alfabeto tailandês (embora a religião seja a mesma, os dois alfabetos são distintos, embora de inspiração comum) servem de prova de que houve uma influência cultural indiana forte durante o primeiro milénio, embora os primeiros relatos históricos só comecem no Século X. Tal como os magiares na Hungria vão buscar as suas origens às estepes asiáticas, também o santuário original dos thais fica na China, na província de Yunão, de onde eles se começaram a deslocar lentamente para Sul entre os Séculos X e XII desalojando e pressionando o reino da civilização khmer para sudeste e para o actual Cambodja. No século XIII surgem os primeiros principados importantes e em 1350 o príncipe que funda uma capital central em Ayuthia (a fazer lembrar o exemplo moscovita por essa mesma altura) acaba por ganhar a supremacia num território que, pela configuração, representa o embrião da actual Tailândia, embora naquela altura se chamasse Sião.
Tornou-se um reino com um elevado grau de sofisticação, como os portugueses vieram a descobrir quando se tornaram sua potência vizinha, ao conquistarem Malaca em 1511, altura em que o Sião esteve envolvido numa luta épica com os birmaneses que terminou por vencer nos finais do Século XVI. Do contacto ficou a norma, que perdurou por mais de 300 anos, da corte siamesa empregar o português como idioma diplomático, para desconcerto do embaixador norte-americano que ali apresentou credenciais no Século XIX. Mas a infiltração europeia acabou por ser bloqueada com a expulsão de todos os comerciantes europeus da capital e do fecho das feitorias em 1688.
Os conflitos entre tais e birmaneses reacenderam-se no Século XVIII, com vantagem para os segundos que conquistaram e destruíram a capital siamesa em 1767. Mas o estado veio a recompor-se em 1782 na pessoa de um general que se veio a coroar (é o fundador da dinastia actual) e que fundou Bangkok, a nova e actual capital da Tailândia, a pouca distância da anterior. Expulsos os birmaneses para Oeste e dada a fraqueza progressiva dos Khmers, o Sião acabou por descobrir um novo inimigo histórico nos vietnamitas com quem houve alguns choques durante a primeira metade do Século XIX. No entanto a área de influência siamesa teve de recuar substancialmente com a chegada dos franceses à Indochina (1859), com as suas fronteiras orientais a só ficarem definidas em 1910.
Entretanto o país havia-se aberto ao exterior (1855), só que o processo de assimilação da cultura ocidental que tanto sucesso teve no Japão não teve na Tailândia o mesmo carácter maciço, tendo-se restringido apenas à aristocracia. Mas as Forças Armadas foram das instituições mais afectadas por essa modernização, o que as transformou, a partir do importante Golpe de Estado de 1932 em agentes de mudança. Apesar de ter escolhido mal durante a Segunda Guerra Mundial (alinhou com o Japão), a evolução da Tailândia actual faz lembrar em mais do que um aspecto a Turquia, onde existe uma democracia intermitente sob a supervisão dos militares, sem problemas significativos de identidade nacional e à procura de um ritmo de desenvolvimento económico que lhe permita acompanhar alguns dos seus vizinhos mais avançados (a Malásia e Singapura).
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