02 novembro 2006

A RESISTÊNCIA E OS RESISTENTES ANTI-FASCISTAS

É muito interessante a leitura de um livro como o acima representado, cobrindo os diversos aspectos da vida dos franceses durante o período da ocupação alemã de 1940 a 1944. Talvez ainda mais fascinante seja o aspecto como a historiografia da ocupação foi depois gerida nos anos seguintes e como vaguearam nas décadas seguintes as correntes do pensamento a respeito desse período.

Mas o exercício mais engraçado será o de adaptar, na medida do possível, o que terá acontecido na França do pós Guerra para o Portugal do pós 25 de Abril no que diz respeito à gestão das memórias. Salvaguardadas as diferenças – e há muitas! – a diferença de 30 anos entre as duas datas – 1944-1974 – permitirá talvez antecipar fenómenos que já ocorreram em França e que poderão ocorrer entre nós.

Concentrando-nos nas semelhanças, que as diferenças demorariam capítulos inteiros a identificar, a versão oficial da França ocupada e sob o regime de Vichy foi o de que o povo francês foi uma grandiosa vítima colectiva do regime, tal qual o que veio a ser feito 30 anos mais tarde, a respeito do regime português. As manifestações populares da libertação de Paris em Agosto de 1944, como o 1º de Maio de 1974 em Lisboa, lavam os povos das manchas de cumplicidade tácita.

Só que a preponderância dos comunistas nos movimentos de resistência é bem distinta num caso e noutro. Em França houve que a dividir em partes sensivelmente iguais com movimentos de diversas origens, agrupados numa espécie de chapéu-de-chuva chamado de Gaulle; em Portugal essa preponderância dos comunistas é esmagadora. Terá sido possivelmente uma das razões porque Spínola, querendo-se fazer passar por uma espécie de de Gaulle, fracassou assim tão clamorosamente.

Num caso e noutro a supervisão da história da resistência ficou entregue aos próprios ou então a quem os protagonistas avalizassem. Em Portugal isso significa o PCP sob outra sigla e, ainda recentemente, a respeito das cerimónias associadas à evocação do campo do Tarrafal, Edmundo Pedro, um dos casos raros de resistente não comunista, se queixou do controle por eles exercido. Mas não é ideológico o zelo com que o assunto é preservado dos investigadores de novas gerações.

Em França, um dos marcos de ataque ao templo ocorreu 25 anos passados sobre o fim dos acontecimentos (1969), com o documentário Le Chagrin et la Pitié (A mágoa e a compaixão) que apresenta, em entrevistas, os dois lados da disputa em pé de igualdade. Entre nós, terá sido aproximadamente esse o tempo transcorrido até podermos ver, numa série de televisão, um ex-inspector da PIDE apresentar a sua versão dos acontecimentos a respeito do assassinato de Humberto Delgado.

Mas, a atender ao precedente francês, o que se adivinha para o futuro do clã unitário dos resistentes anti-fascistas em Portugal não é brilhante, a deduzir pelas incursões pelo burlesco, tipificado por um filme como Papy fait de la résistance (O Vovô foi Resistente) de 1983, onde uma família de músicos resiste ao invasor recusando-se a tocar, ou mesmo, usando a ironia para uma referência directa a esse estatuto, como no filme Un Héros Très Discret (1996) (Um Herói Muito Discreto), onde o protagonista reconstrói um passado ficcional de resistente depois da guerra terminar…

Ainda serão os Gato Fedorento a escrever sobre os resistentes da longa noite fascista dos 48 anos?…

3 comentários:

  1. Este «post» começa por ser o chamado «chover no molhado».

    Isto é, já se sabia, antes deste «post», que o colaboracionismo teve uma importante expressão em França, a tal ponto que, durante muito tempo, fazia sentido dizer que, em termos globais, a única classe social que como um todo assumiu a resistência foi a classe operária.
    Lembremos por exemplo que até Mitterand foi um alto funcionário do regime de Vichy só aderindo à Resistência em 1943.
    Já quanto a Portugal, manda a verdade e a lucidez que se diga que nunca houve centenas de milhares de activos combatentes antifascistas, mas isso não significa que grande parte do povo português apoiasse activamente o fascismo. Mas não se pode esquecer que pelo menos há dois grandes momentos em que há um sobressalto antifascista de grande expressão de massas : a seguir ao fim da 2ª guerra e em 1958 na campanha do Delgado.

    A respeito desta matéria , é preciso não esquecer duas coisas: uma, é que sucessivas gerações nunca tinham conhecido outra coisa que o fascismo salazarista e caetanista;a outra, é o papel da repressão e do medo como armas de disciplina política e intimidação -coisa que hoje é muito dificil conseguir transmitir a quem não tenha vivido sob a ditadura.

    Esta foi a parte educada e civilizada do meu comentário ao «post». Mas, como vejo por detrás dele, uma certa insolência e reaccionarice ordinária, tenho de terminar afirmando que o autor do «post», se tivesse vivido sob o fascismo, certamente que se borraria todo se tivesse de executar qualquer mais elementar actividade antifascista, como distribuir um panfleto nas caixas de correio, ir a uma reunião ilegal ou clandestina ou, mesmo num interrogatório de rotina na sede da PIDE na António Maria Cardoso, perguntado sobre qualquer coisa, ter a coragem - não é de mentir - é de simplesmente responder «NÃO DIGO».

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  2. Por muito politicamente incorrecto que isto possa ser, não haja dúvidas que, como acontece com qualquer texto religioso, um texto comunista ortodoxo como o alargado comentário de cima soa a texto comunista… ortodoxo. Pelo menos na primeira parte do texto que o autor auto classifica de educada e civilizada. Faltam-lhe, alias, ali dois adjectivos: facciosa e monumentalmente ignorante.

    Não me compete malbaratar conhecimentos num educando que demonstra tanta petulância acompanhada de tanta ignorância – não sei se percebeu mas a imagem do poste é a capa de um livro, um dos melhores sobre aquele período… - mas sugiro-lhe que investigue o que foi pacto Molotov-Ribbentropp e as suas consequências nos comunistas franceses, qual foi o comportamento do PCF entre 1940 e Junho de 1941 (até pediram aos alemães autorização para tornarem a publicar o L´Humanité outra vez!) ou a contribuição de Maurice Thorez, secretário-geral do PCF, para a Resistência (desertou em 1939, foi para Moscovo onde ficou até ao fim da Guerra…). Enfim, vá estudar antes de se armar em culto!

    Quanto à outra parte, deixe-me apenas dizer-lhe que o autor tem mais do que idade para ter vivido durante o período de vigência do que chama de fascismo. Há quem estabeleça padrões de coragem enfrentando touros numa praça dos ditos… No vosso partido, pelos vistos, é uma questão escatológica de ter contraído o esfíncter perante o inspector da PIDE… São padrões disparatados, tanto um quanto outro, com a vantagem de o primeiro ainda ser praticado enquanto que o vosso é agora apenas um mito…

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  3. O a.teixeira não se refere às trivialidades de manual de história comunista com que João Alexandre Ramos descreve as últimas três décadas do regime do estado novo onde substitui com os poucos milhares de pessoas com actividade política naquela época os restantes milhões que “não apoiando activamente o fascismo”, também a ele não se opuseram.

    Os dois acontecimentos de origem eleitoral em 30 anos que refere são muito poucos e foram facilmente resolvidos pela manipulação eleitoral. Havia muito mais medo – e os factos vieram a dar-lhes razão – das acções militares como o Golpe de Botelho Moniz de 1961 e metade do perigo Delgado não eram os seus votos mas a sua patente.

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