27 novembro 2006

OS MILITANTES MELÓMANOS

Dois acontecimentos recentes levaram-me a questionar qual seria a causa para que eu associasse a militância comunista a uma completa falta de ouvido. Eu até conheço e gosto de algumas das bonitas canções de Lopes Graça, o hino da União Soviética (agora da Rússia) é um dos mais bonitos do mundo e não descortinava, assim à primeira vista, as razões para que atribuísse ao comunismo uma banda sonora de tão baixa qualidade.

E depois fez-se luz! Com o centenário do nascimento de António Gedeão, voltou-se a ouvir a Pedra Filosofal cantada por Manuel Freire. Ora a Pedra Filosofal, apesar de se ter inserido no espírito radiofónico progressista do PREC, é uma música anterior a ele (1970), doce e em ritmo de balada, desajustada das cantigas de intervenção que depois ficaram em voga.

Com ela, lembrei-me de um episódio de há 30 anos em que um colega meu, simpatizante comunista, quando me falava das suas canções favoritas, mencionou a Pedra Filosofal, que eu na altura não conhecia pelo título, o que o fez trautear a melodia. Os dois primeiros versos ainda saíram de acordo com as harmonizações originais de Manuel Freire:

Eles não sabem que o sonho
É uma constante da vida

Mas à terceira estrofe (Tão concreta e definida) o cantor, melhor militante que melómano, já a cantava de acordo com o ritmo compassado e grave de uma boa cantiga de intervenção, a que se juntava a veemência de um Força, força, companheiro Vasco, nós seremos a muralha d´aço… ou então Fora com a pança doutoral! Igualdade e justiça social!...

Para que conste, apesar de tudo, percebi de que música se tratava… Mas aí ficou fixada a ideia, o preconceito cá ficou, nunca mais discuti música com comunistas ou se calhar discuti mas música e comunismo são tópicos independentes, até recentemente ter lido algures aqui pela blogosfera que, a respeito da polémica associada à extinção da Festa da Música, também Manuel Carvalho da Silva da CGTP se manifestava contra essa extinção.

Fiquei sobressaltado. Não por Carvalho da Silva estar contra, há 20 anos que, naquele mesmo cargo, ele está sempre contra e a rotina disso já não deve sobressaltar ninguém, mas porque a sua opinião pressupõe a existência de um gosto musical, muito afastada da sua imagem pública do interveniente nas sempre justas lutas dos trabalhadores. Fica desfeito o preconceito e feita a confissão: os comunistas podem ter ouvido musical!

5 comentários:

  1. Lindo!
    Escrito assim, é poesia e dispensa a música!!!

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  2. Podem, sim, senhor. Os comunistas podem ter ouvido musical. Podem ter ouvido muita coisa e ouviram com certeza porque música é o que lhes dão há muitos anos e que eles, por sua vez, distribuem incessantemente, persistentemente.
    Dizem até que o seu instrumento preferido é a cassete, fiel, exacta, monocórdica, interminável.
    Apesar de serem, por regra, afinadinhos, às vezes surge alguma fífia ou voz discordante que o coro logo abafa.
    A Luísa Mesquita acaba de soltar um dó de alma e vai cantar para a rua dela.
    O maestro Jerónimo diz que gosta de renovação (vide Carlos Sousa, Setúbal Cedex), deliciosa filosofia de quem afastou os chamados renovadores.
    Por mim, não lhes atiro qualquer pedra filosofal e até admiro a sua tenacidade. Eles lutam, eles são incansáveis, eles nem sabem que o sono...faz falta.

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  3. Claro que podem ter ouvido musical... ;)

    Francamente... ;)

    Ainda não tinhas reparado?

    ;)

    Adorei a ironia!

    Mas gosto ainda mais da Pedra Filosofal :)

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  4. Mas é claro, clarísssimo !, que não têm ouvido musical.

    Então não sabe o país inteiro que, por exemplo, na Festa do Avante!, desde a sua primeira edição em 1976, da sua programação está sempre ausente a música, seja ela popular, o fado, o jazz, a country e até a clássica.

    Como toda a gente deve ficar a saber, aquelas imagens que todos os anos as televisões passam dos concertos no Palco 25 de Abril com milhares e milhares de assistentes
    são "montagens" feitas pelos serviços de propaganda do PCP e depois impingidos às televisões, sob a ameaça de pistolas.

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  5. Passando adiante a brincadeira do ouvido dos comunistas, parece, pelo exemplo do comentário anterior, haver entre eles, nada tendo a ver com a ideologia que abraçaram, mas mais como característica de personalidade, quem tenha do movimento comunista em geral uma reverência que assume um cariz quase religioso e que lhes bloqueia a compreensão e o sentido de humor daquilo que não passa de uma brincadeira inócua e despretensiosa.

    Já dizia a minha catequista, vai para mais de 40 anos, que não se podia troçar de Jesus. Depois do 25 de Abril, já havendo liberdade para se fazer troça, parece que as catequistas – neste caso, quaisquer catequistas… – continuam vigilantes, desencorajando o humor e zelando para que a galhofa não se espalhe demasiado… Comentários destes são positivos pois fazem-nos recordar muito do que estava por detrás do muro de Berlim antes de ele vir abaixo.

    Uma nota final à redacção do texto, com um português de folheto de propaganda, assinado com um nome que faz levantar logo suspeitas pela sua simplicidade de pseudónimo pouco sofisticado. Enfim, um estilo verdadeiramente Tchernenko, em todo o seu bolor.

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