22 maio 2015

UMA REANÁLISE DAS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS DE OUTUBRO DE 1969

Sempre tive curiosidade em encontrar a informação detalhada por distritos da votação nas eleições legislativas de 26 de Outubro de 1969, aquelas que aconteceram já com Marcello Caetano à frente do governo, onde a antevisão de uma abertura do regime – a tal primavera marcelista – terá feito com que a oposição se dispusesse a concorrer até ao escrutínio. A página abaixo é da 3ª edição de 28 de Outubro de 1969 do Diário de Lisboa, vespertino situado no limiar da dissidência do regime sem estar engajadamente conotado com a oposição como, por exemplo, a República. O mapa cobre os círculos do continente e das ilhas (como então se dizia), por onde se elegeriam 108 dos 130 deputados da futura Assembleia Nacional. O resto, os círculos das províncias ultramarinas com os seus 22 deputados não tinham interesse algum em termos informativos porque não haveria qualquer disputa: a União Nacional (UN) concorria ali sozinha.
O resultado eleitoral global já o conhecia e está facilmente acessível: a UN registou uma vitória demasiado esmagadora (88% dos votos), das que levanta (mais do que) fundadas suspeitas quanto às condições em que o acto eleitoral e o escrutínio haviam tido lugar. A Comissão Democrática Eleitoral (CDE), mais ou menos controlada pelos comunistas, recebeu 10% dos votos. A Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD), conotada com os socialistas, ficou-se pelos 2% (mas concorrendo apenas em 3 distritos). Havia um pouco mais de 1.800.000 eleitores recenseados e quase 700.000 (38%) abstiveram-se. Segundo as leis eleitorais em vigor a União Nacional elegeu todos os 130 deputados. Alguns deles, mais jovens e menos alinhados com os cânones do regime viriam a notabilizar-se pela designação colectiva de ala liberal.
Mas, e se as leis eleitorais fossem ligeiramente distintas e os mandatos de deputados fossem atribuídos proporcionalmente (como hoje acontece)? Será que nesse caso a oposição teria conseguido eleger deputados em 1969? Era para responder a essa questão que eu precisava dos dados eleitorais por distrito. E a resposta, após os cálculos, é: sim. Como se pode ver do lado esquerdo do mapa acima, haveria 4 deputados da oposição: 3 da CDE (2 eleitos por Lisboa e 1 por Setúbal) e 1 da CEUD (pelo Porto). Numa outra simulação, em que o número de deputados por distrito seria redistribuído proporcionalmente em função do número de eleitores aí registrados (como hoje acontece com a Assembleia da República), a representação da oposição subiria até, como se vê do lado direito do mapa acima, para 5 deputados da CDE (Lisboa, Setúbal e Aveiro) e 2 da CEUD (Porto e Lisboa).
Os quatro (ou sete) deputados em cento e trinta nunca poderiam ter posto em causa a acção governativa. Quanto à inconveniência dos seus discursos há que ter em conta que eles – oradores e discursos – só marginalmente poderiam ser mais incómodos do que muitos dos que foram proferidos naquela casa e naquela mesma legislatura pelos deputados da ala liberal. E esse seria um preço bem parco a pagar para uma imagem completamente distinta que Marcello Caetano poderia transmitir, sobretudo para o exterior, de quais eram as suas intenções para a evolução do regime. Embora tenha que reconhecer que isto são conclusões que se vêem com lucidezes de mais de 45 anos de distância, é essa mesma lucidez que permite também concluir que Caetano nunca seria protagonista que fizesse o regime evoluir para algo viável.

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