29 maio 2015

«HOLD-UPS» REVOLUCIONÁRIOS

A triste história que abaixo se contou da candidata Arlete Vieira da Silva não nos deve fazer esquecer outros casos, esses de sucesso, de quem se dedicou ao crime revolucionário. Há quem tenha desviado um navio, um avião, assaltado um banco e acabado homenageado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, como é o caso de Hermínio da Palma Inácio (1922-2009). Nem se compreenderia de outro modo: quem gamou 29 mil contos num hold-up em 1967 (o equivalente a cerca de 9 milhões de euros actualmente) merece a maior Cruz da Ordem da Liberdade que se possa arranjar! O que já não se enquadrará no espírito de Abril é perguntar pelo destino de tanto dinheiro, que seria teoricamente arranjado para financiar a insurreição armada que deitaria abaixo a ditadura portuguesa. Abaixo leia-se a transcrição da notícia tal qual foi publicada no Diário de Lisboa de 19 de Maio de 1967, detalhada, apesar de censurada e remetida para uma discretíssima página 12.
DESCONHECE-SE O PARADEIRO DOS QUATRO INDIVÍDUOS
que assaltaram na Figueira da Foz a delegação do Banco de Portugal

Figueira da Foz, 19 – Quatro homens armados com pistolas de 9 milímetros munidas de silenciador, de mãos nuas e cara descoberta, assaltaram a filial do Banco de Portugal desta cidade, cometendo o maior roubo da história do crime em Portugal, e praticado em circunstâncias que nunca entre nós se tinham verificado.
Foi em plena luz do dia, na Praça Velha, uma das mais movimentadas da Figueira da Foz, e a cerca de oitenta metros das instalações do Comando da P.S.P. da cidade que o assalto se praticou cinco minutos antes das 16 horas de anteontem.

O assalto

Às 15 e 55 de quarta-feira, o sr. Baltazar Traveira, industrial da Figueira, saía da filial do Banco depois de ali ter pago uma letra de seis mil escudos. Traveira olhava ainda o impresso da letra quando sentiu um volume duro contra o estômago e ouviu uma voz dizer-lhe: «Para dentro e depressa». Outros três homens entraram depois deste que falara. Todos eles empunhavam pistolas de guerra e em menos de meio minuto imobilizaram as 16 pessoas que se encontravam dentro do estabelecimento.
- Eram só aqueles quatro, que nós víssemos. Depois de nos mandarem encostar a uma parede, de mãos no ar, falaram com o gerente, sr. Américo Gonçalves, dizendo-lhe que guardavam as suas filhas como reféns e que o melhor que ele podia fazer era não complicar as coisas e abrir a casa-forte – relata o sr. Baltasar Traveira.
Enquanto um dos assaltantes desenrolava um embrulho de papel pardo que continha sacos de linho, do tipo daqueles utilizados para transportar açúcar, os outros três do grupo corriam os estores das portas-janelas do Banco e tomavam posições.
- O mais alto e magro que vestia um casaco azul ás riscas e usava um boné aos quadradinhos pretos e brancos, e que parecia ser o chefe, guardou a pistola e foi-se postar do lado de fora da porta. Antes, porém, avisou todos os que estavam no interior no sentido de que não fizessem nada para que nada lhes pudesse acontecer – contou-nos ainda o sr. Baltasar Traveira.
Com esta testemunha ocular, encontravam-se ainda dentro do edifício o dr. António Conceição Custódio, médico da próxima povoação de Alhadas, duas crianças filhas de um contínuo do Banco, que ali tinham ido dar um recado ao pai, uma mulher de limpeza e outro cliente, o alfaiate Elísio dos Santos Ferreira, de Marinha das Ondas, além de 10 funcionários do Banco.
Um dos quatro indivíduos segurou então os sacos que o assustado sr. Américo Gonçalves enchia de notas.
« - Essas não nos interessam. Vamos mas é a deitar das de 500 e de mil» – teria dito esse assaltante ao gerente.
Pouco depois, ainda quando esta fase da operação se desenrolava, um dos assaltantes fechava os clientes nas instalações sanitárias. Como se disse, o individuo que parecia ser o «cérebro» do grupo continuava do lado de fora, vigiando, a fim de fazer face a uma eventual e desagradável surpresa.
Vinte e cinco minutos depois da entrada do grupo no Banco, os sacos estavam cheios, os clientes continuavam atemorizadamente em silêncio na casa de banho e os dois gerentes encerrados na casa-forte.
Cá fora, sob um sol pálido e uma temperatura fresca, a vida continuava normalmente, as camionetas enchiam-se de passageiros e um polícia de giro passeava no passeio em frente da porta do Banco...

A fuga

Julga-se que os quatro homens houvessem tomado, então, um carro da marca «Taunus» e que foi encontrado abandonado junto ao aeródromo de Cernache, onde a secção de aeronáutica da Associação Académica tem os seus aparelhos.
Na verdade, os assaltantes devem ter seguido nesse automóvel da Figueira da Foz para Cernache, pela estrada de Soure e de Condeixa, a toda a velocidade. Trata-se de uma estrada pouco frequentada, o que permite uma marcha acelerada e descuidada, apesar de alguns troços se encontrarem em reparação. Alguns operários que ali trabalham lembram-se, de facto, de «um carro de cor clara a toda a velocidade» que pouco depois das cinco horas ali passou em direcção a Cernache.
Uma vez no aeródromo, os quatro homens distribuíram entre si as seguintes tarefas: o mais alto, que parecia dirigir a operação, ocupou os comandos de uma pequena avioneta «Auster V6D5», vermelha, com o Pato Donald pintado na fuselagem, e de matrícula CS-AMW, de Coimbra, pertencente à Associação Académica.
Dois outros ocuparam-se a amarrar o guarda do campo e a mulher deste, além de um director da secção de aeronáutica da Associação Académica, o estudante Sá e Melo, manietados pelos pulsos e tornozelos com cordas finas de fibra de «nylon». O outro foi ao fim da pista chamar três pedreiros que ali trabalhavam, a fim de estes «irem tomar um copo». Claro que, em vez do «copo», havia mais um novelito de corda para os manietar, indo ocupar um canto da sala de arrecadações, de pernas estendidas.
- Aquele mais alto e de bigode e um dos outros já eu conhecia, pois há cerca de um mês que aqui vinham alugar aviões para filmarem as ruínas de Conimbriga. Diziam que eram arqueólogos – relatou-nos a mulher do guarda sr.ª Maria Cândida Dias Ferreira, de 31 anos.
Além dos indivíduos já referidos que ali ficaram amarrados: o estudante Sá e Melo, o guarda Carlos Alberto Alves de 34 anos; a mulher deste, Maria Cândida, de 31; os pedreiros, Sá, Manuel Ferreira e António Ferreira, havia ainda António Alberto Alves, de 6 anos, e Cremilde Dias Ferreira Alves, de 4 meses, filhos dos guardas do campo.
Uma vez tudo pronto, os quatro assaltantes tiraram as chaves de ignição de dois carros estacionados junto do aeródromo, inutilizaram os motores destes e do próprio carro que abandonaram e levantaram voo na pequena «Auster», depois de terem abastecido o depósito com mais 144 litros.
Segundo o trabalhador rural Adriano Simões, que a cerca de um quilómetro, enquanto rocegava mato, observou toda a cena sem nada compreender, o avião descolou ás 17 e 40. Só cerca de meia hora mais tarde o alarme era dado na Figueira da Foz e só depois das 19 horas o estudante Sá e Melo se libertava das cordas que o prendiam, para correr um quilómetro e pedir uma boleia a um automobilista, a fim de poder telefonar para Coimbra o insólito roubo da avioneta, que naquele momento ainda ninguém relacionava com o assalto da Figueira, praticamente desconhecido devido a dificuldades de comunicação.
No carro abandonado junto á pista do aeródromo, as autoridades descobriram mais tarde três pistolas de plástico para crianças, imitações perfeitas das «Lugger» (sic), e uma pistola-metralhadora do mesmo material, perfeitamente inofensivas. Ontem mesmo surpreendemos o pequeno António Alberto Alves a brincar com uma pequena imitação do modelo «Beretta», em plástico, de coronha dourada e cano preto, de baquelite.
- Isso era para assustar os ladrões? – perguntámos ao pequeno filho dos guardas.
- Não, senhor. Isto deixaram cá eles ontem.
Segundo o mecânico do campo de aviação, a «Auster» pode alcançar uma velocidade de cruzeiro de 100 milhas horárias, comportando apenas três pessoas, e tem um raio de acção de cerca de três horas e meia de voo.
Para além de se reconhecer os méritos de uma reportagem jornalística de qualidade (de nos deixar saudades), inveje-se a meticulosidade do plano e a operacionalidade dos executantes – Palma Inácio, que é, na reportagem, repetidamente reconhecido como o líder do gangue, Camilo Mortágua, Luís Benvindo e António Barracosa – mas também a capacidade posterior dos protagonistas em terem conseguido, com o tempo, transformar toda a operação, que se percebe pela leitura ter-se revestido de uma certa violência (não foi por acaso que tantos acabaram amarrados e sequestrados...), numa espécie de happening que se vai comemorando com regularidade e até com saudade (ainda o foi, mais uma vez, no mês passado, como se lê acima*), acompanhada de uma ligeireza de história de BD das proezas dos irmãos Dalton ou de um dos filmes de gangsters de Woody Allen...

* Por sinal, o cartaz está ilustrado com as notas de 100 escudos que os assaltantes não quiseram levar.

1 comentário:

  1. Oh Unknown, você faz-me lembrar aquele indivíduo que nascera com o nome infeliz de José Merda. Quando foi ao registo para corrigir isso, modificou o nome para... João Merda.

    Oh Unknown, imagine lá que, quando publicou dois comentários de enfiada, com dois minutos de diferença, eu imaginei que, depois de reler o que publicara, no segundo comentário, corrigira as asneiras que escrevera no primeiro: "assaltador", "figeira", "disciplo", etc.

    Mas não...

    Independentemente da opinião que compartilharemos sobre Hermínio da Palma Inácio, é muito confrangedor ler um comentário que superlative aquilo que escrevemos mas que está cheio de erros ortográficos...

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